Agropolítica
O Agro está em crise? Entenda o que pensam produtores, entidades e governo
Em meio a críticas e reclamações do setor, governo federal promete anunciar medidas de apoio na próxima semana

Fernanda Farias | fernanda.farias@estadao.com
15/03/2024 - 18:01

Quando os produtores rurais vão às redes sociais mostrar em vídeos e relatos os problemas enfrentados nas lavouras, não poupam palavras para descrever que vivem uma crise no campo que pode ser considerada entre as piores na história. A quebra na safra 2023/2024 está anunciada pela Conab, IBGE e institutos particulares. Os sojicultores deverão colher menos de 150 milhões de toneladas de soja.
Em um recente comunicado, a Aprosoja Brasil, que representa os produtores de soja de todo o país, disse que a safra de 2023/2024 “é para esquecer” e mantém a estimativa de safra de 135 milhões de toneladas de soja. Mas o que se questiona em diferentes ambientes é se, realmente, o agronegócio brasileiro está em crise.
No maior estado produtor de grãos do país, o presidente da Associação de Produtores de Soja de Mato Grosso diz que o impacto desta seca foi tão grande que os produtores estão colhendo 18, 20, 35 sacas de soja por hectare – uma redução expressiva em relação ao que tradicionalmente colhem, entre 70 e 80 sacas/ha.
“A seca deste ano foi sem precedentes, tanto que o produtor de Mato Grosso não estava preparado. Os prazos para pagamento estão chegando e o governo não fez nada até agora. Não adianta liberar recursos lá na frente, quando passar o prazo e o produtor está negativado e sendo executado”, desabafa Beber.

Beber foi para as redes sociais cobrar publicamente do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, um posicionamento a favor dos agricultores. Ao Agro Estadão, Lucas Beber lembra que a Aprosoja-MT foi a primeira entidade do país a enviar um documento ao governo federal alertando para os problemas nesta safra e pedindo medidas de apoio. Ele reclama que, até agora, não houve nenhuma resposta efetiva.
Mas o secretário Neri Geller afirma que está aberto ao diálogo e que as diferenças políticas existentes nas últimas eleições passaram e agora o importante é cuidar do setor. “Estive recentemente em Mato Grosso, participando de diversas reuniões com o setor produtivo de lá e a Aprosoja MT acabou não participando. Sigo disponível”, contou ao Agro Estadão.

Uma crise localizada – com perdedores e ganhadores
Neri Geller não nega que o setor está passando por uma crise, mas pondera que é momentânea. “A crise existe, mas é pontual. Não é tão aguda como alguns setores vêm falando. O setor vem há 4, 5 anos bombando na produção, produtor teve renda, mas agora com a crise hídrica, com os altos custos de produção, como o aumento dos preços dos fertilizantes, principalmente na produção do ano passado, e a queda nos preços internacionais da soja e do milho, há um desarranjo, desequilíbrio momentâneo”, explica ao Agro Estadão.
“A crise existe, mas é pontual. Não é tão aguda como alguns setores vêm falando”.
Neri Geller, secretário de Política Agrícola do Mapa
Marcos Jank, coordenador do Insper e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), afirma que a crise existe, mas é localizada. “Não é generalizada de forma alguma. As commodities são uma montanha-russa – sempre foi e sempre será, você tem anos bons e tem anos ruins. É uma crise localizada e, por isso, tem ganhadores e perdedores”, avaliou ao Agro Estadão.
“O ganhador, nesta crise, é o produtor de soja do Rio Grande do Sul, por exemplo, que após três anos seguidos de quebra, irá se recuperar”. E o perdedor, segundo Jank, “é aquele produtor que estava excessivamente endividado – em função de perdas seguidas, por exemplo, e que foi afetado pela seca agora”. Esses agricultores estão especialmente concentrados em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.
“É importante que o governo dê a essa crise a dimensão que ela merece”
Marcos Jank, coordenador do Insper
Já Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), é mais cauteloso e diz que 2024 é um ano totalmente diferente porque reúne variáveis que impactam negativamente o setor. “Em relação ao clima, tem regiões num mesmo estado que vão bem e outras que vão muito mal. Isso dificulta ter uma visão precisa se o Agro inteiro está com problema. Mas boa parte está com problema, pelo menos com uma das variáveis”, afirmou ao Agro Estadão.

Além dos problemas climáticos, Lucchi cita a queda dos preços e o replantio que aconteceu em muitas lavouras e aumentou o custo de produção. “O panorama está posto: vai ter quebra de safra, vai ter redução na produção de carnes – em função de mercado e clima. Isso vai causar um impacto maior ou menor nos produtores”, conclui.
“Com a quebra de safra em Mato Grosso, R$ 80 bilhões vão deixar de circular na economia. Como que não existe crise?”
Lucas Beber, presidente da Aprosoja-MT
A Aprosoja-MT lembra que o maior estado produtor, que colheu 45 milhões de toneladas de soja na safra passada, vai colher 38 milhões de toneladas agora, segundo os dados do Imea. E, por isso, as consequências vão além do estado.
“Com a quebra na safra de soja, e os baixos preços da soja e do milho, a Aprosoja-MT estima que R$ 80 bilhões vão deixar de circular na economia de Mato Grosso. E isso vai afetar a economia do resto do país, como por exemplo, a redução na compra de máquinas e implementos agrícolas”, conclui Beber.
Os pedidos de ajuda feitos pelo setor ao governo são para renegociação de dívidas, prorrogação de prazos e linhas emergenciais. Conforme o Agro Estadão antecipou, na próxima semana (quinta ou sexta-feira), o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, deverão anunciar a tão aguardada linha de crédito para capital de giro. O montante, que ainda não está definido, ficará disponível no mercado e, se faltar, haverá aporte.
Alta nas Recuperações Judiciais acendeu alerta de crise
Os pedidos de Recuperação Judicial (RJ) feitos especialmente no último trimestre de 2023 dispararam o alarme em alguns setores do Agro. De acordo com a Serasa Experian, o número de produtores rurais que atuam como pessoa física que entraram com pedidos de RJ cresceu 535% no ano passado. Foram 127 pedidos em 2023, contra 19 do ano anterior. Mato Grosso lidera com 47 solicitações, seguido por Goiás (36) e Minas Gerais (18).
Para a (CNA), o número é alto e preocupa, mas não pode ser usado para dizer que todo o setor do agronegócio está em crise. “O setor passa por um momento difícil, mas dizer que isso é uma crise generalizada é um alarmismo muito grande”, avalia Bruno Lucchi. Ele afirma que a CNA solicitou à Serasa um levantamento detalhado sobre os pedidos, para saber se as dívidas são efetivamente ligadas à produção agrícola e não a outros gastos que uma pessoa física pode ter.
O pesquisador Marcos Jank afirma que é preciso analisar cuidadosamente o tema para evitar oportunismos. “Existe atitude oportunista de muita gente… o sujeito faz recuperação para ganhar tempo e isso não é bom, porque gera muita incerteza na comercialização”, alerta.
“O setor passa por um momento difícil, mas dizer que isso é uma crise generalizada é um alarmismo muito grande.”
Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA
O presidente da Sociedade Rural Brasileira tem essa mesma preocupação. Sérgio Bortolozzo diz que, embora seja um direito do produtor que se sente numa situação difícil e tenta se recuperar, o pedido de recuperação judicial traz problemas que precisam ser avaliados antes da decisão.
“A preocupação é com a dificuldade que isso pode gerar com o acesso a créditos futuros, por exemplo, a inclusão de CPRs na recuperação judicial. Nós estamos promovendo debates sobre o tema. Logicamente a gente não pode discriminar um fato que é um direito do produtor, mas a gente vê com preocupação o comprometimento do crédito futuro e o impacto que isso pode trazer para o setor”, disse ao Agro Estadão.

Foto: Arquivo Pessoal

Alternativa à Recuperação Judicial pode ser saída para o produtor rural
O produtor rural precisa seguir alguns critérios ao entrar com pedidos de recuperação judicial. Por exemplo, só estão sujeitos créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e que constem na escrita contábil do produtor. Ou seja, não serão aceitas receitas concedidas por políticas de crédito rural. Ainda, as dívidas não podem ser contraídas nos três últimos anos anteriores ao pedido, com a finalidade de aquisição de propriedades rurais.
O alerta é da advogada especialista em renegociação de dívidas e coordenadora do Observatório Brasileiro de Recuperação Extra-Judicial (OBRE), Juliana Biolchi. Por isso, ela sugere um outro tipo de ação, a extra-judicial, que além de ser mais rápida, tem menos custos.

“Uma das vantagens é que com a R-Extra, você chega com uma negociação avançada, porque já houve uma conversa com o credor. E outra: não existe o custo reputacional que a recuperação judicial gera”, analisa. Apesar de menos conhecida, essa modalidade de negociação vem sendo mais acessada pelas empresas em geral. O crescimento foi de 64,7% no número de pedidos em 2023, segundo o OBRE.

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