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Cooperativismo: OCB entrega Agenda Institucional para políticos e prioriza Reforma Tributária e Seguro Rural

Além de cooperativismo, o presidente da OCB fala sobre situação no RS e vê um ano de perda de renda para os produtores

Nome Colunistas

Daumildo Júnior | daumildo.junior@estadao.com

15/05/2024 - 14:25

Foto: Sistema OCB/Divulgação
Foto: Sistema OCB/Divulgação

Um pacote de medidas e projetos de interesse das cooperativas brasileiras está sendo entregue a representantes do poder Executivo, Legislativo e Judiciário. A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) realiza a Agenda Institucional do Cooperativismo durante o 15º Congresso Brasileiro do Cooperativismo, que acontece até quinta-feira, 16, em Brasília (DF). 

Ao Agro Estadão, o presidente da OCB, Márcio Lopes, adiantou algumas das prioridades para este ano. O foco do documento é a regulamentação da Reforma Tributária, que será uma “guerra feroz”, no entendimento de Lopes. 

Ele também analisou o atual momento do setor Agro e quer crédito mais barato para produtores poderem amenizar a perda de renda. Confira o material exclusivo. 

Agro Estadão – Esse ano se desenha como um ano difícil para a agropecuária do Brasil. Falando sobre a questão das mudanças climáticas, nós estamos vendo enchentes históricas no Rio Grande do Sul. Diante disso, qual é a análise das cooperativas de lá, especialmente aquelas que estão mais ligadas ao setor?
Márcio Lopes – Infelizmente o estado do Rio Grande do Sul está enfrentando uma situação de calamidade em proporções inéditas. As fortes chuvas que atingiram a região nas últimas semanas têm deixado um rastro de danos significativos em várias localidades, afetando diretamente milhares de famílias, destruindo residências, bloqueando vias de trânsito e dificultando o acesso da população a itens básicos como água potável, alimentos e energia. A prioridade nesse momento, onde muitas áreas ainda estão alagadas, é o atendimento às pessoas que ali estão, garantindo o mínimo aos que mais estão precisando de suporte. As cooperativas estão dedicadas em prestar esse primeiro socorro aos cooperados, colaboradores e às comunidades onde estão inseridas e, em paralelo, estão levantando os danos às cadeias produtivas que fazem parte de suas atividades, para que possamos elencar as principais prioridades e solicitações de apoio junto ao governo federal e local.

AE – Com esses problemas de clima cada vez mais recorrentes no país, além da necessidade de crédito, qual é o pleito ouvido e analisado pelas cooperativas do Brasil? 
ML – Bom, eu acho que um país do tamanho que nós temos, a extensão territorial que nós temos e a diversidade que nós temos, você ter problema climático já não é mais um fator [surpresa]. Você sempre vai ter algum problema climático em algum lugar. Então por exemplo esse ano o problema climático aconteceu no Mato Grosso, não aconteceu no Rio Grande do Sul, como aconteceu nos dois últimos anos no sul do país. Sempre vai acontecer. Tem um prejuízo considerável na diminuição do tamanho global da safra. Mas é uma rotina que não dá para a gente administrar muito. Acho que o maior problema que a gente está percebendo no ano é uma perda de renda, que vem um pouquinho do problema climático, que vai ter que ser administrado e ser muito trabalhado, inclusive, com as mudanças climáticas, com prevenções, com aumento de irrigação, que é um questão mais estrutural de médio a longo prazo e que vai gerar até uma consciência de mais sustentabilidade no meio Rural. Acho que já está gerando. A onde não tinha essa consciência, vai se intensificar. Mas elas [mudanças climáticas] colaboram com essa perda no tamanho da safra, dizem aí da ordem de 6% a 7% no tamanho global da safra de grãos. Agora o maior problema que nós temos hoje é uma perda de renda.

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AE – Como o senhor está enxergando essa perda de renda?
ML – Essa perda de renda vem de dois fatores. Quando a calça aperta, você tem que ver porque ela aperta. É porque a calça diminuiu ou porque o peso aumentou? Você tem um aumento de custo de produção, principalmente por causa das taxas de juros. Os problemas que estão acontecendo no Brasil e no mundo, com uma inflação global, agravaram um pouco esse cenário, e hoje nós temos taxas de juros sendo praticadas acima de dois dígitos e pesando sobre esses custos. Isso é muito grave, pois aumenta o custo de produção, os insumos acabam aumentando com a volatilidade do câmbio, com as guerras geopolíticas acontecendo, os problemas em Israel, com os problemas na Ucrânia, nos fornecedores de insumos básicos para nós. Isso tudo gera uma inflação nos nossos custos. Na outra ponta, você tem uma crise econômica global onde o consumo está estagnado, em alguns momentos até caindo [a demanda] de alguns produtos. Você teve um descolamento e os preços das commodities voltaram a patamares de três anos atrás. Então, na minha opinião, o grande problema de 2024 é renda. Nós vamos ter um problema de renda.

AE – Quanto ao crédito, a OCB pediu ao governo um Plano Safra de aproximadamente R$ 558 bilhões. As questões de crédito e renda estão ligadas?
ML – [O problema] Não é a falta de crédito é o custo desse crédito. O pessoal fala ‘ah, mas não tem crédito, não tem crédito controlado’ e realmente não tem. O governo não consegue ter orçamento do Tesouro para bancar um crédito controlado no volume que se precisa. Se o PIB agrícola, o Produto Interno Bruto da agropecuária é de R$ 1,3 trilhão que se fala aí, se você não tiver R$ 500 bilhões de alavanca, de custeio para rodar essas safra, você não roda ela. Essa matemática é simples. Parte o produtor tem no caixa, parte ele tem em outros meios, como da safra anterior, mas parte ele depende de uma alavanca de crédito. E aí a gente está vendo as propostas de Plano Safra na ordem de R$ 500 bilhões, e provavelmente vai ter. O problema, não é isso, o problema é o custo desses R$ 500 bilhões e que somado aos custos que ele tem dos outros R$ 500 bilhões, vamos dizer assim, que ele tem que buscar no mercado, está ficando apertado, está aumentando muito os custos de produção, está diminuindo renda, está tornando menos atrativo o processo. A gente está percebendo isso das cooperativas. Elas estão preocupadas com isso, em gerar uma safra com baixo nível de renda, aumento de risco e com baixo índice de seguro. Os programas de seguro brasileiro não estão funcionando adequadamente. A subvenção não está sendo suficiente para aumentar o apetite das seguradoras a entrar no negócio. Então está ficando muito caro o seguro e agricultor fica muito ponderado. Hoje, tem menos de 10% da safra brasileira segurada. Então, você tem esses fatores de preocupação. Apesar disso, eu acho que essa safra roda. 

AE – Além do crédito equalizado pelo governo, as cooperativas também estão analisando outras formas de ofertar esses recursos e de mitigar esse ponto do aumento de risco?
ML – Elas estão procurando alternativas de criar mecanismos de seguros próprios, buscando a subvenção, mas não contando com ela. Também estão buscando trabalhar um pouco mais essas outras questões de custo, como oportunidades de hedges (termo usado no mercado para estratégia de proteção) bons, compra de insumos em bloco para diminuir custo, todo esse esforço que o cooperativismo tem para tentar mitigar esses efeitos. E também estou com gente estudando muito Mercado de Capitais, como nós vamos baixar custo de ferramentas que estão aí e que são boas. O Fiagro é uma baita ferramenta, só que está caro no sistema. Trazer grana lá de fora também é inviável. É o único setor que se vende fácil lá fora. Se você for lá fora vender títulos do Agro, tem comprador. Os caras acreditam, sabem que o Brasil é bom nisso, que vale a pena botar grana no Agro brasileiro. Só que na hora que você traz esse dinheiro aqui para dentro, ele chega custando muito caro. Ele chega no mesmo patamar da Selic. Eu estou até conversando com o BNDES sobre como ele pode ajudar a gente arrumando mais crédito, ajudando a viabilizar essa compra de crédito lá fora. Quem sabe com um aval de um banco público do porte do BNDES, a gente não conseguiria fazer uma massa de recursos que traga dinheiro para cá abaixo de dois dígitos [de juros]. 

AE – Um dos pontos altos do 15º Congresso Brasileiro do Cooperativismo é a entrega da Agenda Institucional do Cooperativismo 2024. Como a entidade encara esse momento?
ML – O Congresso é feito aproximadamente de cinco em cinco anos e é a maneira de trazer o nosso pessoal, os nossos líderes, para pensar estrategicamente. Isso não existia no sistema cooperativo. Cada cooperativa tem suas estratégias individuais, são independentes, mas nós temos que pensar numa estratégia do movimento cooperativo como todo. E hoje a gente faz isso. É a maneira de fazer legitimidade no planejamento estratégico que a gente vai buscar. Eu não estou chutando um R$ 1 trilhão de faturamento [das cooperativas neste ano]. É porque eu estou medindo, conversando, verificando e você pode botar metas. E agora tem que trazer os planejamentos para a gente alcançar essas metas. Então a gente faz essa revisão de planejamento ouvindo os líderes. Temos [no Congresso] três mil presidentes de cooperativas de todos os setores. No comecinho do ano legislativo, a gente costuma entregar a Agenda Institucional da OCB, mas nós adiamos para entregar no Congresso, até para criar uma interatividade maior. Porque, vamos falar claramente, a OCB tem que cumprir o seu papel de lobista das cooperativas, na expressão correta da palavra lobby. A gente nunca deu um centavo para comprar voto no Congresso e não vou dar. É lobby no sentido de mostrar o que você é, mostrar o que o cooperativismo é. Nós temos uma ação parlamentar e nós temos que valorizar isso perante os deputados, de fazer um evento com três mil líderes, e o líder perceber a importância de ter um processo político, uma educação política, onde se elege parlamentares com compromisso. O meu jogo não é partidário, e sim extremamente cooperativista. Então, eu vou apresentar aos deputados da Frencoop (Frente Parlamentar do Cooperativismo), ao Executivo e ao Judiciário o que é mais importante para o cooperativismo neste momento. Vamos apresentar as diversas pautas que nós temos em andamento no Congresso Nacional, que é o nosso principal palco de evolução, o que nós temos no Executivo que nós temos que resolver e ainda algumas coisas no Judiciário. Então a gente faz essa apresentação da Agenda.

AE – O que será prioridade dentro dessa agenda?
ML – Eu diria para você que é o nosso grande foco de preocupação, se fosse para eleger um,  é a questão tributária. É onde está sendo jogado o grande jogo do futuro. Na primeira fase, que foi na fase da aprovação da Reforma Tributária, o cooperativismo foi bem. Nós mantivemos o ato cooperativo e o reconhecimento da relação cooperado-cooperativa como um modelo de negócio diferente. Agora está na fase de regulamentação. Vai ser uma guerra e é uma guerra feroz. Primeiro contra o governo, que precisa arrecadar, com a Receita [Federal], que mesmo às vezes nos compreendendo, não é interessante que ela compreenda muito bem, porque ela acha que vai perder a receita. A segunda [batalha] é com os nossos concorrentes de mercado. ‘Ah, mas as cooperativas estão crescendo porque não pagam imposto e precisa rever’. Nós pagamos imposto, só que pagamos de maneira diferente, pois o modelo do negócio é outro. Então, nós vamos ter essas pressões e nosso grande foco, da Agenda Institucional, é sem dúvida nenhuma a questão tributária e os desdobramentos dela, tanto no Executivo quanto no Judiciário. 

AE – O senhor destacaria algum outro ponto que deve ganhar mais a atenção da entidade?
ML – Vamos ter algumas outras questões. Por exemplo, estamos trabalhando numa legislação, que é uma das três primeiras prioridades, que é o cooperativismo poder operar com seguros. A lei brasileira veda a cooperativa operar com seguros. Não sei se você sabia disso, mas as seguradoras que eu tenho hoje no cooperativismo são S.A. (Sociedade Anônima), só que S.A.s de 98% das ações pertencentes às cooperativas. No mundo inteiro tem cooperativas de seguro e são as maiores do mundo, e aqui no Brasil o lobby sempre travou um pouco esse desenvolvimento. Eu estou trabalhando e tem um momento adequado [para andar com a pauta]. O Haddad (ministro da Fazenda) apoia, a turma está me apoiando, o próprio governo, então nós queremos trabalhar a ideia, porque aí se cria uma alternativa de seguro saindo da corporação banco-seguro, que hoje funciona no Brasil. 

AE – E quando o senhor fala de seguro, se inclui o Seguro Rural?
ML – Sem dúvida. É o nosso carro chefe, pois é onde a gente tem mais expertise. Temos na área de saúde também, mas a nossa grande âncora é o setor rural. Um dos projetos que estamos monitorando é PL 101/2023. Não está perfeito, mas está legal.

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