Agropolítica
Novo Plano Safra deve incluir CPRs direcionadas
Considerado um dos mais difíceis de ser construído, Plano prevê impacto da Selic e de renegociações

Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
17/06/2025 - 05:00

O governo federal pretende passar a contabilizar, como parte do Plano Safra, as Cédulas do Produto Rural (CPRs) direcionadas. A medida já havia sido ventilada no ano passado, mas o governo apresentou as ofertas de crédito separadamente. De acordo com o subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, o cálculo da política de financiamento rural terá esse valor na parte de recursos a taxas livres.
“Este ano a gente vai passar a incorporar no Plano Safra também a CPR, mas não a CPR que um produtor vai lá e faz com uma trading, com um fornecedor de insumos. Esta é uma coisa completamente fora. Eu estou falando daquela CPR que tem origem no recurso direcionado”, disse Bittencourt em entrevista exclusiva ao Agro Estadão.
Esse veículo de financiamento dos produtores vem da poupança rural e das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). A partir de 1º de julho, 70% da captação da poupança rural deve ter o direcionamento para crédito rural, dos quais até 5% podem ir para as CPRs. Também a partir da mesma data, a exigibilidade das LCAs mudará, passando para 60% dos recursos orientados para o crédito rural. Desse montante, 55% poderão ser utilizados para as CPRs.
Por isso, o subsecretário pontua que a base de comparação não são os R$ 476,5 bilhões do Plano Safra 2024/2025, mas sim R$ 584,5 bilhões — incluindo os R$ 108 bilhões das CPRs anunciados no ano passado. Segundo ele, o governo vem observando uma migração da demanda: de financiamentos direcionados a taxas livres para as CPRs. O resultado é que a estimativa de R$ 108 bilhões foi superada, sendo que em abril os valores com CPRs direcionadas chegaram a R$ 150 bilhões e com perspectiva de chegar na casa dos R$ 170 bilhões até o fim de junho.
“As instituições financeiras estão preferindo operar mais o direcionamento com LCAs do que com crédito rural. E aí tem um debate sobre recuperação judicial que poderia estar interferindo. Então, não tem mais como você não trazer para dentro, porque é um recurso direcionado, ele compõe o Plano Safra. Eu diria que grande parte do que caiu nas operações de crédito a taxa livre, sai de uma conta e vem para outra [as CPRs]. Então, nesse Plano Safra a gente vai deixar isso mais explícito”, comentou.
Ele ainda explica que não houve essa incorporação antes porque até pouco tempo atrás a Fazenda “não tinha noção e controle mínimo deste recurso”. Agora, os dados estão “mais confiáveis”. “Esperamos que ao longo dos próximos anos, e o Banco Central tem nos prometido isso, a gente tenha um controle ainda maior sobre as CPRs. E que virá, em grande medida, uma alternativa mais simplificada de concessão de crédito. Com taxas muito próximas do que seria uma taxa de crédito rural livre, se não iguais em muitos casos”.
Mudanças e manutenções
A taxa Selic em patamares elevados é apontada como um dos grandes desafios para a formulação do próximo Plano Safra. Na época da construção do Plano Safra 2024/2025, essa taxa estava em 10,5%. Agora, está em 14,75% com perspectiva de aumentar. Por isso, o governo estima um crescimento considerável dos custos sobre o que é equalizado. Para a agricultura familiar, em média 40%, para médios produtores entre 60% e 70%, e mais do que o dobro no caso dos demais produtores.
Nesse contexto, foram feitas algumas mudanças quanto às normas para as instituições financeiras poderem operar o crédito na intenção de baratear os custos para os cofres públicos. Uma dessas alterações é a inclusão de um teto para o Custo Administrativo e Tributário (CAT), que representa a soma do custo da fonte de recursos mais o spread do banco. Antes das definições do quanto cada instituição poderá operar, é feito um leilão no qual, basicamente, quem apresenta o menor CAT ganha.
“A gente definiu este ano que o máximo que a gente vai pagar é 100% da Selic”, afirmou Bittencourt sobre operações com recursos que vierem das LCAs. Ele também lembra que “não havia um limite para pedido de Selic” nestes casos.
Já para as linhas com recursos equalizados há a retomada de uma regra delimitando que o spread deve ser igual ou inferior ao que foi cobrado na safra anterior. No ano passado, o governo não colocou esse dispositivo porque havia o entendimento de “aumento da percepção de risco”, permitindo que as instituições verificassem se o que estava sendo cobrado condizia com o risco. Neste ano, a compreensão é de que “deu tempo para fazer o ajuste”. Além disso, foi definido que o spread só pode compreender até 85% do CAT por linha.
Também foram mantidas regras de limite que cada instituição poderá levar. Uma instituição nova na operação com recursos equalizados, por exemplo, só pode levar até 3% de determinada linha. Além disso, os limites para a instituição operar o crédito seguem sendo conforme a quantidade de estados que atendem. Um estado, tem limite de até 5% da linha e pode subir gradualmente até 30%, sendo o limite para bancos que operam em seis ou mais estados. Já os bancos de montadoras tiveram o limite reduzido de 5% da linha para 3%. “Eles podem pegar o recurso, mas não queremos que haja um vínculo entre o crédito e uma única empresa vendedora”, reforça Bittencourt.
Finalização de voto no CMN

Apesar do desafio, Bittencourt avalia que neste ano alguns processos na formação do Plano Safra estão mais adiantados do que no ano anterior. Foram estabelecidas ao menos quatro etapas de andamento, das quais duas estão concluídas.
- 1ª etapa: definição das regras do leilão e envio para as instituições financeiras. Até 30 de maio as financeiras responderam aos ofícios encaminhados apresentando suas propostas e demandas para operar o crédito rural.
- 2ª etapa: mudanças nos fundings. Esta fase também foi finalizada em maio com as resoluções do CMN que aumentaram as destinações obrigatórias das fontes de recursos.
- 3ª etapa: discussão e definição das regras gerais do financiamento. Conforme o subsecretário, a negociação que envolve Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) está concluída. Atualmente, estão desenvolvendo a redação de um voto no CMN para oficializar.
- 4ª etapa: finalização do Plano Safra, com indicação de volumes e juros. Essa é a fase em que há a decisão do governo quanto ao que vai ser apresentado. Mapa e MDA encaminham as propostas, que depois são ajustadas pelo Tesouro Nacional e, posteriormente, levadas aos primeiros escalões do governo para bater o martelo. O MDA já enviou a proposta no último dia 1º de junho. Até a semana passada, o Mapa ainda não havia encaminhado as sugestões para a parte da agricultura empresarial.
Sobre o voto no CMN da terceira etapa, Bittencourt afirma que “são questões gerais, prazos de financiamento, alguma regra sobre o que pode financiar, o que não pode, normalmente, indicativos ligados ao financiamento”. “São pequenos ajustes nas normas que todo ano tem, unificação de um programa ou outro, inclusão ou exclusão entre os itens financiados”, completou.
A expectativa é de que nesta semana o texto esteja pronto e já inicie a apresentação para Banco Central e Ministério do Planejamento, além dos outros membros do CMN. A votação deve ocorrer no final do mês.
Renegociações impactam Plano Safra
Questionado sobre os desafios para a construção do novo Plano Safra, o integrante da Fazenda indica dois motivos para ser considerado “um dos mais difíceis” de ser construído. “Depois de muito tempo, as fontes de recursos estão bastante limitadas, seja por questões vinculadas a renegociações, que vão esterilizando por um determinado tempo fontes de recursos, seja pelo aumento nos custos de equalização em função da taxa Selic”, comentou.
Quanto ao foco, Bittencourt não aponta linhas que devem ter prioridade, mas sinaliza uma tendência que já vinha sendo externada. “Há uma tentativa no âmbito do governo de tentar fortalecer produtos alimentícios e agricultura familiar e médio [produtor]”, afirmou. Porém, pondera que o tamanho desse enfoque “vai depender dessas negociações nos próximos dias”, já que a palavra final não passa apenas pela Fazenda, mas envolve uma decisão de governo.
Sobre o anúncio oficial, ele revela que “gostaria que fosse até o final deste mês”. Mas como não será “uma discussão exclusiva de MDA e Mapa com a Fazenda”, a data continua em suspenso. “Vai envolver necessariamente o Ministério do Planejamento e Casa Civil, porque é uma discussão orçamentária mais ampla. Mas gostaríamos muito e estamos tentando trabalhar para que até o final do mês a gente consiga resolver tudo”, destacou.
Linha dolarizada
Uma das bandeiras encampadas pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, é a ampliação de linhas dolarizadas com foco em produtores de grande porte. Até a última sexta-feira, 13, a Fazenda ainda não havia recebido a proposta do Mapa, por isso, o subsecretário conta que não sabe se a pasta de Fávaro solicitará a incorporação dos recursos dessa linha no novo Plano Safra.
No entanto, Bittencourt diz que para ampliar ou mesmo criar novas linhas dolarizadas, não há necessidade de normas ou posições da Fazenda, pois se trata de uma negociação com as instituições financeiras, sem custos para os cofres públicos. A entrada ou não desses recursos dolarizados na contabilidade do Plano Safra 2025/2026 dependerá do grau de “concretude”.
“Pode entrar alguma coisa? Pode. Mas tem que ser algo que a gente veja como factível para compor. Insisto que não precisa ter uma regra no Plano Safra dizendo qual será a taxa de juros. Estamos falando em câmbio, em dólar. Hoje, os normativos existentes já permitem que você faça esse tipo de operação”, finalizou.

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