Agropolítica
Farsul: “Esse governo tem dificuldade de diálogo com o setor rural, sim”
Presidente da Federação da Agricultura do RS diz que ministro se esforça para garantir bom relacionamento do governo com o setor
8 minutos de leitura 01/03/2024 - 08:30
Fernanda Farias | fernanda.farias@estadao.com
O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) é bastante direto quando avalia o atual governo e a relação com o agronegócio. Gedeão Pereira diz que o setor “não fecha com o atual governo” por questões de segurança jurídica – e cita o imbróglio do marco temporal como exemplo para essa opinião. Mesmo assim, admite que o ministro da Agricultura está desempenhando um bom papel como interlocutor. “Ele está se esforçando”, diz o presidente.
Além de estar a frente de uma das federações da agricultura mais importantes do país – o Rio Grande do Sul é o principal estado produtor de arroz – Gedeão Pereira também integra a diretoria da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), onde dirige a área de mercado internacional.
Com conhecimento da área, o gaúcho da metade sul do estado é responsável por levar pequenos e médios produtores brasileiros a feiras internacionais para apresentar os produtos, criar relacionamentos e fazer negócios. Neste mês, Gedeão embarca para o México para mais uma feira de alimentos.
O presidente da Farsul conversou com o Agro Estadão direto da sede da Federação, no centro de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Confira abaixo, os principais trechos da entrevista.
Agro Estadão – Como o senhor avalia a atuação do Ministro da Agricultura? Ele diz que sente que o setor está entendendo o governo e está mais próximo. O senhor concorda?
Gedeão Pereira – Acho que o ministro Carlos Fávaro está se esforçando, e muito, para ter uma boa interlocução com um setor que não apoia o atual governo. E por que o agro não fecha com o atual governo? Principalmente, por questões de segurança jurídica. O agro discute qualquer coisa… mais preço, menos preço, crise por seca, por mais chuva… mas o “calcanhar de aquiles” do agro é o direito de propriedade. Sem direito de propriedade nós não vamos a lugar nenhum. E quando vem os governos do PT, vem questões quilombolas, indígenas, olha o marco temporal… vai e volta…. vai e volta… O setor tem este problema com a esquerda, porque a esquerda desafia sempre aquilo que é mais sagrado para o setor rural , que é o direito de propriedade. Então, este governo tem dificuldade, sim, de diálogo com o setor. Mas tem áreas do governo que têm mantido um bom diálogo com o setor, e um deles é o ministro da Agricultura. Outro é o presidente da Apex, Jorge Viana. O MRE (Ministério das Relações Exteriores), também muito em função das missões internacionais em que a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) participa. E eu já vou tendo dificuldade de aumentar essa lista. Mas o ministro Carlos Fávaro tem feito um esforço notável de manter um diálogo com o setor.
AE – Então esse diálogo não tem sido suficiente?
GP – O ministro tem conversado com o setor, ele tem nos visitado, tem vindo às nossas feiras, temos mantido um diálogo aberto. No ministério da Agricultura está existindo um bom dialogo, não posso negar.
AE – Em que área está faltando mais “sensibilidade” do governo?
GP – Eu te diria o seguinte… parte do Plano Safra do ano passado, lançada com crédito subsidiado, não passa de mais de R$ 100 bilhões, embora o governo tenha anunciado R$ 300 bi. Então, ele poderia ter anunciado R$ 1 trilhão… porque o mercado é livre… A questão do seguro rural. Se tem um subsídio que precisamos é o prêmio do seguro. O seguro é muito caro e para regiões afetadas, como o Rio Grande do Sul, o prêmio subiu muito e a cobertura baixou tanto, a ponto de inviabilizar. Hoje, o produtor gaúcho praticamente não faz seguro. Então nós precisamos massificar o seguro e, para isso, precisamos de recursos acima do que está sendo oferecido. Nós achamos muito pouco e precisávamos de algo mais robusto.
AE – Qual a sua avaliação sobre as aberturas de mercado que vêm acontecendo para o Brasil?
GP – Nós temos algo que nos preocupa que se chama Mercosul. O Mercosul é algo que travou, e muito, a comercialização entre esse bloco e outros estabelecidos no mundo. Isso é lastimável. O mercosul praticamente não tem acordos comerciais, mas agora fez um acordo comercial com Singapura
AE – O senhor não acredita no acordo União Européia x Mercosul?
GP – Não, eu não acredito. Depois de praticamente a ex-ministra Tereza Cristina (da agricultura) ter acertado o acordo, a Europa entrou com a side letter [uma cláusula “espelho”, que obriga o país a seguir as regras ambientais da UE], com precauções ambientais que nos preocuparam. A Europa iria continuar nos vendendo Mercedes, Citroën, Mercedes Benz.. mas se por qualquer motivo eu tiver um incêndio na floresta amazônica, nos travaria as importações de produtos agrícolas do Mercosul, por uma questão de precaução. Então, não nos serviu.
Um outro exemplo é o mercado da Coreia do Sul, que é muito rico, muito importante. E a Coreia tem livre mercado com a Austrália, com a Nova Zelândia, importa muita carne bovina de lá. E nós acabamos de liberar algumas barreiras sanitárias e poder vender carne para a Coreia do Sul. Só que para entrar pelo Mercosul pagaríamos 40% de impostos. Ora, daí não compete com a Austrália e a Nova Zelândia. Por isso que o Mercosul não deslancha em acordos com outros países.
AE – O senhor viaja para o México pela CNA em março, o que esperar dessa viagem?
GP – Nós entendemos que as grandes commodities, como soja, milho, carnes, estão resolvidas. Mas parte das frutas, cafés especiais e outros produtos como gengibre e mel, precisam de mais apoio. A CNA junto com a APEX aproveita as grandes feiras do mundo e leva produtores para que mostrem seus produtos e abram janelas de negociações. é o programa Agro Br. E agora vamos ao México, para a Expo Antad 2024, em Guadalajara, com 13 produtores. Ainda estamos definindo quais e de que regiões.
AE – Qual importância de participar desses eventos, na prática?
GP – Mercado internacional é um aprendizado. É muito “fio de bigode”. Significa preço competitivo, qualidade de produto e fidelidade de entrega. Quando as pessoas fecham essas duas pontas, tanto importador e exportador, o mercado flui da melhor forma possível, mas pra isso tem que ter aproximação das pessoas. Essas feiras trazem as grandes oportunidades das pessoas se conhecerem, conhecerem os produtos e estabelecer toda uma comercialização. Evidentemente vem um aprendizado seguinte, de logística, transporte, crédito.
AE- Falando um pouco sobre o seu estado, já que é presidente da Federação… . Como está a situação do Rio Grande do Sul nesta safra, em que haverá quebra nos principais estados produtores de soja e milho? GP – Nós viemos de duas safras frustradas, em dois anos tivemos algo em torno de 30 milhões de toneladas de grãos perdidos, entre soja e milho. Realmente, tivemos uma dificuldade muito grande, mas hoje nós estamos vendo as coisas acontecerem em outros lados do país. O Brasil é um player fundamental na sustentação de vários países do mundo, principalmente asiáticos. E sempre traz preocupação ver a locomotiva do agronegócio brasileiro, que é o Mato Grosso, se confrontando com questões climáticas. Quando acontece uma crise climática, evidentemente, o mundo começa a fazer contas. Mas ainda que o Mato Grosso possa ter uma quebra importante, parece que está sendo substituído pela safra argentina, que se anuncia, a exemplo do Rio Grande do Sul, que será uma safra importante. De 25 milhões de toneladas no ano passado, os argentinos podem colher 50 milhões de toneladas. Assim como o RS, Paraguai, pode suprir a deficiência que venha do Mato Grosso. Mas ainda não estamos vendo impactos no preço da soja, continua com mercado bastante complexo, com queda de preço.
AE – Qual vai ser a quebra no RS?
GP – O Rio Grande do Sul vai sofrer a queda do preço! Não da produção, porque o clima está correndo na normalidade. Nos preocupou um pouco durante o plantio por causa do El Nino, perdemos um pouco a janela ideal, principalmente, na metade sul. Mas a soja está num bom ciclo vegetativo.
AE – Como está a situação do arroz gaúcho diante da concorrência neste ano?
GP – O arroz sempre foi o patinho feio da agricultura gaúcha, com preços baixos, lavouras com dificuldade. Nós da Farsul e a Federarroz somos muito parceiros, e aliados, conseguimos diminuir o tamanho da lavoura de arroz. O RS chegou a semear acima de 1,1 milhão de hectares, Nós baixamos de 900 hectares e este ano estimamos 930 mil ha. Isso significa que praticamente demos uma enxugada nos excedentes de mercados, visto que os acordos do Mercosul nos fazem importar arroz da Argentina, Paraguai e Uruguai. E essa diminuição da lavoura de arroz no RS ajudou a melhorar o preço do produto. Nós chegamos a comercializar ao redor de R$ 150 na entressafra do produto em alguns pontos do estado, principalmente litoral, que tem arroz de muito boa qualidade, temos hoje ao redor de R$ 120. Caiu bastante, mas ainda está bem precificado. E isso se deve à diminuição da lavoura. Mas fizemos isso levando opções ao produtor, principalmente, a dobradinha da soja.
AE – Precisa reduzir mais área de arroz?
GP – Acredito que não. Nos preocupa o contrário, porque como tem preço bom, o produtor se lança. E nós estamos afirmando para os produtores: vamos manter essa área! Temos a opção de soja em terra planas, temos milho para a metade sul, com milho irrigado, porque se não for irrigado, não nos garante eficiência produtiva. São opções que se tem pro produtor de arroz não aumentar a lavoura além do que existe hoje.
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