Economia
CNA prepara petição antidumping para leite argentino; entenda como deve ser o processo
Entidade vê indícios de subsídio do país vizinho na produção de leite interna

Daumildo Júnior | daumildo.junior@estadão.com
23/03/2024 - 07:30

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) está preparando uma petição antidumping contra a importação de leite argentino. No evento de apresentação da Agenda Legislativa da entidade para 2024, na última quarta, 20, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, comemorou a iniciativa.
“Fico feliz em saber que a CNA vai protocolar uma petição antidumping contra Argentina na semana que vem. O setor está percebendo que há práticas que não podem subsistir e quem pode movimentar o governo para investigação de dumping é a iniciativa privada, são os produtores de leite”, afirmou Teixeira.
Apesar do anúncio feito pelo ministro, internamente, a CNA não trabalha com o prazo citado. Segundo a apuração do Agro Estadão, a petição antidumping é prioridade número um do departamento que cuida da pecuária leiteira, mas ainda há processos que precisam ser bem fundamentados para a apresentação da petição.
Conforme explica Guilherme Souza Dias, assessor técnico da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, é necessário que “seja avaliado o dano e o nexo causal à indústria nacional”. Isso quer dizer que, além de apresentar os danos aos produtores de leite, será importante apurar prejuízos da indústria laticinista como um todo, o que requer mais tempo para fazer o levantamento.
Além disso, há um rito para ser seguido. A apresentação é feita ao Departamento de Defesa Comercial da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Secex-MDIC), que analisa se dá início a um processo de investigação. Essa verificação pode acontecer entre cinco e 15 dias.
Caso a petição antidumping seja aceita, a investigação pode durar até 18 meses. E se forem comprovados os indícios de prática de dumping, é aplicada uma sobretaxa à importação de leite em pó da Argentina. Um desses indícios pode ser, por exemplo, a comprovação de que houve uma aplicação direta de recursos financeiros de um governo na produção de um determinado produto exportado. Isso faz com que os preços praticados em vendas internacionais sejam bem menores do que os praticados no mercado interno, causando uma desregulação da livre competição.
O assessor técnico pontua que essa alternativa não é uma ação protecionista mas sim uma defesa comercial. “Existem basicamente três opções de defesa comercial: tarifas antidumping, aplicação salvaguardas ou de medidas compensatórias”, explica. O entendimento da CNA é de que a mais adequada é a tarifa antidumping.
Indícios de subsídio para o leite argentino
De acordo com Souza Dias, há indícios de que a Argentina subsidiou a produção de leite internamente. Esse auxílio aos produtores argentinos seria através do Programa Impulso Tambero, posto em prática no ano passado. O programa concedia uma ajuda por litro de leite para aqueles que produziam até 5 mil litros.
Mesmo com o pagamento do benefício em 2023, os efeitos ainda são sentidos na economia brasileira. Por isso, as tarifas antidumping podem ser aplicadas apesar do programa argentino não estar mais em vigor.
O impacto da medida portenha ainda está sendo calculado pela CNA, mas “os subsídios pagos diretamente aos produtores chegaram ao valor de representar R$ 0,42 por litro de leite”, já trazidos para a conversão cambial, revela o assessor técnico. “Quem atua com atividade leiteira sabe que poucos centavos fazem a diferença entre você fechar o ano no vermelho ou no azul”.
Quando se trata de importações, o Brasil comprou 2,18 bilhões de litros de leite no ano passado. Somente o país vizinho foi responsável por 54% dessa soma.
Aliado a esse cenário de compras internacionais, o setor leiteiro vem sofrendo com o achatamento das margens de lucro nos últimos anos. Souza Dias diz que em 2020 os custos de produção subiram 20,3%. Já em 2021 foram 18,6%. Isso culminou numa queda de produção de leite em 2022 de 2 bilhões de litros de leite.
Os dados mais recentes da CNA apontam que o último mês de fevereiro foi o pior mês em termos de margens desde 2020, ficando negativas. “O produtor está praticamente pagando para produzir”, afirma o assessor técnico.
Não é a primeira vez
Essa não será a primeira vez que o Brasil aplica tarifas antidumping para o leite caso seja comprovado o dumping argentino. Souza Dias lembra que no ano 2000, o país teve uma medida como essa contra o leite vindo da Europa e da Nova Zelândia.
Na ocasião, as tarifas antidumping foram renovadas duas vezes, mas por uma mudança de metodologia em 2017, não foi possível fazer a terceira renovação da taxa.
Estados se organizam para mitigar importações
Nas esferas estaduais, pelo menos dois estados já devem adotar ações contra a importação de leite, independentemente do país de origem. O mais recente é Mato Grosso, que aprovou na quarta-feira, 20, um projeto de lei que retira benefícios fiscais dados pelo governo estadual às empresas que importarem leite.
No início da semana, o governo mineiro anunciou que vai retirar do Regime Especial de Tributação empresas que comprarem leite do mercado internacional. Com isso, esses estabelecimentos passam a pagar 18% de ICMS.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
Tarifa: enquanto Brasil espera, café do Vietnã e Indonésia pode ser isento
2
COP 30, em Belém, proíbe açaí e prevê pouca carne vermelha
3
A céu aberto: produtores de MT não têm onde guardar o milho
4
Exportações de café caem em julho, mas receita é recorde apesar de tarifaço dos EUA
5
Rios brasileiros podem ser ‘Mississipis’ do agro, dizem especialistas
6
Violência no campo: roubos e furtos de máquinas agrícolas crescem 37,5% no 1º semestre

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Economia
Brasil e México vão ampliar cooperação agropecuária
Governo mexicano se comprometeu em adotar protocolo de regionalização em caso de surtos de doenças em granjas brasileiras

Economia
Colheita de café atinge 91,3% nas áreas de atuação da Cooxupé
Mais cooperativa de café arábica do mundo, a Cooxupé reúne 21 mil famílias em três regiões de Minas Gerais e uma de São Paulo

Economia
México deve habilitar 14 novos frigoríficos para exportar carne bovina brasileira
Com a autorização, serão 50 unidades aptas a exportar ao País; saiba quais Estados deverão ser contemplados

Economia
Venda de máquinas agrícolas avança, mas com alerta para colheitadeiras
Enquanto o mercado interno cresceu 83,1% em julho, as exportações caíram quase pela metade, segundo levantamento da Abimaq
Economia
Santa Catarina receberá porto da Coamo com aporte bilionário
Com investimento de R$ 3 bilhões, novo terminal terá três berços de atracação e deve começar a operar em 2030
Economia
Internet aumenta em 37% a produtividade agrícola no Paraná
Com 62% de área coberta, expansão da internet no campo gerou aumento de R$ 2 bilhões no PIB no Estado
Economia
México ocupa lugar dos EUA e se torna 2º maior mercado da carne bovina brasileira
Comitiva do ministro Geraldo Alckmin chegou ao México nesta terça-feira, 26, para negociar expansão de acordos comerciais entre os dois países
Economia
Pilão entra no mega-acordo do café e acende alerta sobre concentração de mercado
Analistas não descartam possível triangulação do café brasileiro para escapar do tarifaço após conclusão da venda da JDE Peet's para a KDP