Agropolítica
Atentado a Trump reacende temor chinês e pode impulsionar exportações brasileiras
Pragmatismo na relação com o Brasil e embate com o Brics; especialistas comentam cenários possíveis caso Donald Trump vença as eleições dos EUA
Rafael Bruno
15/07/2024 - 17:39
A tentativa de assassinato contra o ex-presidente norte-americano Donald Trump, candidato republicano à Casa Branca, deve dar um novo fôlego às eleições presidenciais dos Estados Unidos.
Por um lado, a campanha de Joe Biden se beneficia momentaneamente, já que a mídia internacional deve passar a dar mais holofote para o caso contra Trump do que explorar as narrativas das condições de Biden concorrer à reeleição, comenta ao Agro Estadão Nicholas Borges, líder de inteligência política na BMJ Consultores Associados.
No entanto, Borges diz que “esse mesmo desejo pode ter um efeito controverso, já que no longo prazo, o evento poderia fortalecer a imagem de que Trump seria uma pessoa mais vigorosa para o cargo”.
Em todos os casos, a tentativa de assassinato contra Trump sinaliza que a polarização bipartidária deve se manter como um dos principais eixos da disputa presidencial para este ano, ressalta o especialista.
Trump de volta à Casa Branca e a reação nas relações comerciais
No cenário agropolítico a vitória de Trump, precificada por muitos agentes do mercado financeiro, reacende, conforme mostrou o Agro Estadão, o receio chinês de uma escalada na tensão entre Pequim e Washington.
Para Alexandre Coelho, professor de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e líder do núcleo de estudos geopolíticos da Observa China, apesar da discreta manifestação do ministério das Relações Exteriores da China sobre o atentado ao ex-presidente, mostrando “simpatia e compaixão”, a perspectiva de um possível segundo mandato de Trump gera preocupações.
“Durante seu primeiro mandato, Trump adotou uma postura agressiva contra a China, impondo tarifas significativas e intensificando a guerra comercial. Caso ele retorne ao poder, espera-se um endurecimento das políticas comerciais dos EUA contra a China, levando a uma maior incerteza e volatilidade nas relações bilaterais,” comenta o especialista.
Alexandre Coelho destaca que a guerra comercial entre os dois países durante o primeiro mandato de Trump beneficiou inicialmente o agronegócio brasileiro, especialmente nas exportações de soja para a China, que buscava alternativas aos produtos americanos, cenário que pode se repetir.
“Se em um segundo mandato de Trump intensificar novamente as tensões comerciais, é provável que a China aumente suas importações de produtos agrícolas de outros países, incluindo o Brasil, para compensar a redução das importações dos EUA. Assim, o agronegócio brasileiro pode se beneficiar novamente, com um possível aumento nas exportações para a China,” conclui o professor da FESPSP.
Percepção confirmada pelo sócio-diretor da Markestrat, José Carlos de Lima Júnior. Para ele, o receio de uma vitória do candidato republicano possivelmente aumentará as importações chinesas da soja do Brasil já a partir deste mês de julho. “Pequim não vai esperar o resultado para confirmar e/ou rejeitar esse ‘provável’ acirramento tributário”, comenta o analista.
Relação pragmática com o Brasil e conflito com o bloco do Brics
Lima Júnior ressalta, entretanto, que, se a partir de 2025 Donald Trump retornar à presidência dos EUA, espera-se, além de um acirramento no embate comercial com a China, uma expansão dos conflitos comerciais para todos os países do bloco do Brics, assim como uma nova “confusão tributária” gestada no protecionismo de mercado se desdobrando no encarecimento do frete marítimo.
“No curto prazo, bom para o Brasil. No médio/longo prazo, acho que não, uma vez que Trump trará mais imprevisibilidade aos negócios mundiais”, diz o sócio-diretor da Markestrat, que cita como exemplo o setor pecuário brasileiro.
“Atualmente a Argentina tem cota de 20 mil toneladas ao ano para exportar carne bovina aos EUA. O Brasil tem 60 mil toneladas. Um possível desalinhamento entre o governo brasileiro e o norte-americano poderá se desdobrar em setores específicos do agro do Brasil, como o pecuário”, ressalta José Carlos de Lima Júnior.
“Trump e Lula certamente estão em campos políticos opostos. Os EUA poderão certamente fazer negócios com a Argentina e deixar o Brasil um pouco de lado, poderá também fazer negócios com o México”, comenta o cientista político e professor da FGV, Eduardo Grin.
Grin destaca ainda que Trump sempre foi um crítico do multilateralismo, pauta defendida atualmente pelo Brasil. “Justamente pelo fato do Trump ser protecionista é que eu acho que isso pode ter efeito para alguns setores da economia como o agro, porque Trump olha muito para o americano típico, republicano típico, que é o homem branco de classe média e até mesmo o trabalhador rural e do campo, então Trump será muito mais acessível aos lobbies do setor agrícola americano, que é fortíssimo, e isso pode significar redução de alguns mercados que existem para o Brasil, que tem uma agricultura muito mais competitiva – em alguns sentidos – que a americana, então é provável que Trump aumente alíquotas de importação, crie barreiras comerciais, ou crie algum outro tipo de dificuldade”, explica o especialista.
Em um cenário de vitória do republicano, o analista político Nicholas Borges aponta para um certo distanciamento em pautas mais ideológicas que uniram Biden e Lula, como a chamada aliança pela democracia e em questões ambientais.
“O grupo de Joe Biden tem priorizado questões mais sensíveis na pauta ambiental e na chamada economia verde. Com uma eventual chegada de Trump, é possível esperar que a pauta verde acabe ficando em segundo plano e o Brasil presencie um nome a menos na pressão internacional por posturas mais ambiciosas”, diz Borges, que ressalta, no entanto, que é pouco provável que o governo Lula deixe de lado a agenda sustentável, que é uma das prioridades para o próximo ano.
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