Segundo o estudo, maioria dos entrevistados nunca come esse tipo de alimento; entre os que apreciam, tilápia supera espécies de água salgada
Uma pesquisa desenvolvida pelo Núcleo Pescado para Saúde investigou os hábitos de consumo de pescados pela população do Estado de São Paulo e concluiu que a frequência está bem abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Por outro lado, os dados coletados demonstram um mercado em ascensão: o de tilápias, peixe de água doce que conquistou o paladar dos paulistas e tem mudado uma tradição antiga de preferência por espécies marinhas.
O Núcleo Pescado para Saúde surgiu em outubro de 2022, para promover esse tipo de alimento como opção saudável na alimentação. É formado por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesca, ligado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), que mantém parcerias com a Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Com financiamento garantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) até 2027, eles foram a campo descobrir como cerca de 2 mil moradores do estado se comportam em relação aos pescados – que, além de peixes, incluem alguns tipos de algas. Um questionário com 23 perguntas foi apresentado, de forma online e presencial, a 1947 pessoas, com predomínio de mulheres (62%), de todas as faixas etárias, sendo a maioria de 40 a 59 anos.
Quando perguntados sobre o consumo em casa, 52% dos entrevistados responderam que nunca comem pescado, 33% apenas em ocasiões especiais e pouco mais de 10% de uma a três vezes por semana. Fora de casa, 46% nunca consomem, 27% em ocasiões especiais e 21% de uma a três vezes por semana. Os filés congelados são os mais procurados, mas o preço é considerado o fator mais limitante para o crescimento desses números.
Segundo Jéssica Levy, pós-doutoranda na USP e uma das participantes do núcleo, a OMS recomenda que cada pessoa consuma pelo menos 12 quilos de pescados por ano – divididos em uma a duas refeições por semana. Um índice do qual o Brasil está muito distante, pois o consumo esporádico no país resulta em uma média inferior a seis quilos por pessoa/ano. Para Jéssica, entre os motivos para a baixa adesão, está a desinformação sobre riscos relacionados às espinhas e odores naturais, que são confundidos com os de alimentos estragados.
Para mudar essa realidade, os membros do Pescado para Saúde estabeleceram sete tarefas que pretendem cumprir nos próximos anos. O levantamento em São Paulo é parte da primeira – que contempla, também, outras regiões brasileiras. Entre as outras tarefas, estão caracterizar amostras das espécies mais consumidas, quanto aos níveis nutricionais, e melhorar a comunicação com a sociedade – por meio de concursos de receitas, estímulo à elaboração de produtos como linguiças, salsichas e almôndegas, e inserção de pescados na alimentação escolar, em lares para pessoas idosas e presídios.
Também existe uma confiança no potencial de aumento do consumo nos próximos anos. “As pessoas estão migrando para hábitos mais saudáveis e sustentáveis, o que pesa de maneira favorável aos pescados”, afirma Jéssica.
O estudo apurou que tipos de pescados são mais consumidos pelos paulistas. Nas primeiras posições, aparecem tilápia, salmão, atum, sardinha, cação, bacalhau e camarões. Isso consolida uma mudança de hábitos – já que, até o final da década de 2010, a preferência era pelas espécies de água salgada. Atributos como maciez, fácil preparo, sabor agradável e valores mais acessíveis ao bolso são citados pelos pesquisadores como fatores que ajudam a explicar esse comportamento.
A predominância da tilápia no gosto dos paulistas é fundamental, também, para que o estado ocupe a segunda posição entre os maiores produtores do país, atrás apenas do Paraná. Conforme a Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR), os criadores paulistas colocaram no mercado 75 mil toneladas em 2023.
Só a Fider Pescados, que tem sede em Rifaina, perto da divisa de São Paulo com Minas Gerais, responde por quase 15% desse volume. No ano passado, foram dez mil toneladas processadas. A empresa, que inaugurou seu frigorífico em 2014, trabalha exclusivamente com tilápia, com produção verticalizada.
A Fider também aposta no fortalecimento – expressivo – da demanda. Tanto que, nos próximos dois anos, pretende ampliar a capacidade de abate em 80%, com a instalação de um novo reservatório em Estreito, vizinho a Rifaina. Serão 400 novos tanques-rede, sendo que 100 já estarão em operação a partir do próximo mês de abril. Com isso, a expectativa é aumentar o faturamento da empresa em 30% até o final de 2025, atingindo R$ 200 milhões.
O diretor da Fider, Juliano Kubitza, projeta que, até 2030, o Brasil vai saltar das atuais 600 mil toneladas de tilápias produzidas para mais de um milhão. Ele afirma que 95% do mercado atendido pela empresa está em São Paulo, principalmente em locais onde o filé fresco pode chegar rápido, para não comprometer a qualidade – como as regiões de Ribeirão Preto, Campinas, Sorocaba e São Paulo.
Para Kubitza, a procura pela tilápia cresce na medida em que os consumidores conhecem a versatilidade do peixe. “Aceita qualquer tempero”. Por isso, na visão dele, o setor precisa investir mais em marketing. “A gente faz algumas ações em lojas de varejo para falar com pessoas que não comem tilápia e a praticidade surpreende”.