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Caminho do Queijo Artesanal Paulista inclui produtos maturados em cavernas
Novos ingredientes, manejos e formas de produzir fazem o diferencial dos queijos artesanais de SP

Igor Savenhago | Ribeirão Preto
17/03/2025 - 09:08

Na Fazenda Sant’Anna, em Pardinho (SP), um elevador permite o acesso do laticínio a duas cavernas. É no subsolo que são acomodados os queijos artesanais produzidos ali. Um negócio que começou há pouco mais de uma década e que aposta no ineditismo para conquistar paladares mais exigentes.
“Não reproduzimos nenhum tipo de queijo. Todas as criações são nossas”, afirma a gerente técnica, Vanessa Alcoléa. São cinco produtos, fabricados com o leite de vacas Gir e todos maturados, por um período de dois a 24 meses.
A propriedade é uma das que participam do Caminho do Queijo Artesanal Paulista, projeto criado em setembro de 2017 pela Coentro, agência de comunicação especializada em gastronomia, com apoio da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.
O roteiro é composto por 16 sítios e fazendas, de tamanhos variados, espalhados pelo interior do estado, e aceita a inclusão de novos membros, desde que os preceitos da iniciativa sejam seguidos: os queijos devem ser artesanais, produzidos em pequena escala, com predominância de processos manuais e utilização de leite próprio ou de parceiros dos arredores.
Cumprindo essas regras, as queijarias têm liberdade para criar e ajudar a construir uma identidade paulista: justamente a da inovação, diferente de lugares que mantêm receitas tradicionais. O objetivo é aproximar os consumidores de agricultores familiares e buscar a atenção do poder público para atrair subsídios e respaldo jurídico.
Com cerca de 100 animais em lactação, que rendem cerca de 1.400 litros por dia, a Pardinho Artesanal, laticínio que funciona na Fazenda Sant’Anna, usa leite cru na produção, feita em tachos de cobre importados da França. Para descansar, os queijos descem para as cavernas, que, segundo Vanessa, funcionavam antes como silos para alimentar o gado.
Ela explica que a estrutura subterrânea foi adaptada para o empreendimento e garante a umidade necessária para a obtenção de texturas e sabores únicos, além de controle de temperatura, possibilitando economizar energia elétrica.
Antes de montar a queijaria, a família Mineiro, dona da propriedade, já criava animais da raça Gir, mas eles eram voltados, exclusivamente, para a venda de genética — atividade que, desde 2012, divide espaço com a pecuária leiteira. “Quando a produção de queijos começou, tinha-se em mente a ideia de concentrar neles todas as características da raça e do lugar em que são produzidos”.
A fazenda fica numa região conhecida como Cuestas de Pardinho, que reúne belas paisagens, clima ameno e água de qualidade. Condições propícias para o trabalho com o leite cru — que mantêm micro-organismos benéficos à saúde humana, informa Vanessa. A gerente lembra, ainda, que há muito cuidado em manter o rebanho livre de doenças, como a brucelose e a tuberculose, e possuir certificações que atestam boas práticas de manejo e ambientais.
O soro do leite, por exemplo, resíduo da produção e que poderia se tornar um poluente, vai para a alimentação de 500 cabeças de porcos canastra, uma raça de origem ibérica trazida ao Brasil na época da colonização portuguesa e que quase foi extinta. “A gente decidiu resgatá-la, por causa da carne mais avermelhada e marmorizada [com gordura entremeada]”, diz Vanessa. Cortes dessa carne são vendidos, com os queijos, em uma loja que a Pardinho montou na entrada da fazenda.
Parcerias para triplicar produção
Já Ricardo Rettmann, da Queijaria Rima — nome formado pelas iniciais dos nomes dele e da esposa, Maria Clara —, em Porto Feliz, vende 90% da produção de queijos de ovelha para empórios, restaurantes e por e-commerce, além de promover um evento mensal para grupos de interessados em conhecer o processo.

Rettmann trabalhava na área de sustentabilidade. Chegou a atuar na Amazônia e nas Olimpíadas 2016, no Rio de Janeiro. Em outubro do mesmo ano, ele e a esposa decidiram voltar para São Paulo e morar no sítio da família, que, desde 1997, criava ovinos para corte, de várias raças.
O casal chegou a pensar em cultivar cogumelos e hortaliças orgânicas, mas a tradição do leite seduziu mais. Em 2008, o pai de Rettmann havia experimentado entrar no ramo de ovelhas leiteiras e ainda restavam alguns animais com genética para essa finalidade, o que permitiu um reinício.
Rettmann e Maria Clara assumiram um rebanho de 80 animais, dos quais conseguiam 30 litros de leite por dia. Hoje, são mil, da raça francesa Lacaune, produzindo 300 litros/dia. “Apesar de ser de uma região fria, onde se produz o queijo Roquefort, esta raça se adaptou bem ao Brasil e é bem rústica”, explica Rettmann.
Do laticínio, saem 15 produtos, entre queijos, iogurtes e doces de leite. Mesmo investindo em uma matéria-prima que, para o mercado queijeiro, ainda é pouco conhecida dos brasileiros, ele afirma que a procura tem superado as expectativas. “Tenho mais demanda hoje do que produto”. Tanto que planeja triplicar a produção. Está buscando parcerias com fornecedores em um raio de 100 quilômetros da propriedade e pensando em dobrar o próprio plantel. “Mas sem comprar animais. Estamos reproduzindo aqui”.
Segundo ele, a estratégia de montar o Caminho do Queijo Artesanal Paulista tem sido positiva para os consumidores descobrirem e incentivarem as potencialidades dos artesanais. “Se formos pensar especificamente nos queijos de leite de ovelha, eu diria que é preciso ainda ampliar o conhecimento das pessoas para esse tipo de produto. Agora, se falarmos dos lácteos artesanais como um todo, a procura tem crescido muito. As pessoas querem descobrir novos sabores e estão mais preocupadas com alimentação saudável”.
De cinco para 800 búfalos
Para Fábio Henrique de Barros Pimentel, a alimentação com queijos artesanais deve unir saúde, sabor e experiência. Há 30 anos, ele cria búfalas em São João da Boa Vista, onde mantém o Laticínio Montezuma — mesmo nome de uma antiga construtora do avô.

Foi o avô, aliás, que comprou a propriedade, para onde Pimentel foi logo que terminou a faculdade de Agronomia. O lugar produzia leite bovino, atividade que sustentava a economia de São João na época. “Mas o produtor de leite de vaca sofria muito. Tinha que vender o almoço para comprar a janta”, afirma.
Um amigo ofereceu algumas búfalas. Cinco, para que Pimentel mudasse o foco da atividade pecuária. “Fazia seis queijos por dia. E ia pagando uma búfala por mês”. O plantel atual é de 800 animais, com 70 em lactação, divididos em quatro propriedades. A produção é encaminhada para estabelecimentos comerciais especializados e restaurantes, além de duas lojas próprias — uma em Águas da Prata, município vizinho, e outra ao lado do laticínio —, onde ele oferece 19 tipos de queijo e um de doce de leite.
“Já entreguei para grandes redes, mas hoje a preocupação é atender comércios que trabalham com produtos artesanais, que oferecem um atendimento diferenciado. Assim, o consumidor pode saber o que e de quem está comprando. É uma relação ganha-ganha”, declara o pecuarista, que também integra o Caminho do Queijo Artesanal Paulista.
Os mil litros de leite diários se transformam em 250 quilos de produtos. Um volume que contempla queijos tradicionais e autorais, elaborados a partir do know-how que Pimentel foi buscar na Itália, na Turquia, na França e nos Estados Unidos. Quem visita o laticínio pode ter contato com os animais, ver a ordenha e fazer degustações. “Aposto no turismo porque todo mundo que vem aqui sai mais feliz do que chega”.
Nos cuidados com o rebanho, ele segue uma filosofia: “Para ter um queijo muito bom, é preciso ter um leite muito bom. Não posso, por exemplo, ter uma dieta de ocasião. A alimentação das búfalas deve ter atenção máxima, bem como todo um conjunto de fatores que propiciem bem-estar animal”.
Para manter a nutrição em dia, Pimentel produz milho, sorgo e capim irrigado para silagem. Os animais têm várias áreas de sombra à disposição e açudes para poderem se refrescar. A energia elétrica é proveniente de fonte solar e os efluentes são tratados para reaproveitamento na própria atividade.
Investir na produção de queijos artesanais foi, na visão dele, uma grande virada para um surfista criado em Santos que só foi cursar Agronomia por influência de um primo. “Hoje, não me vejo fazendo outra coisa. O queijo artesanal é um queijo com história. E, quando você compra de pequenos produtores, como os que fazem parte do Caminho do Queijo Artesanal Paulista, que não conseguem competir com os grandes, está ajudando uma cadeia inteira”.

Para conhecer mais sobre as queijarias do Caminho do Queijo Artesanal Paulista, acesse aqui o site oficial do projeto.

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