Inovação
Da tequila ao etanol, o agave pode revolucionar sertão nordestino
Pouco usada no Brasil, a planta tem características atrativas para se expandir no semiárido; o agave precisa de 75% menos água que a cana-de-açúcar, diz estudo
Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
11/11/2024 - 07:00
O professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gonçalo Pereira, define o agave como a “cana do semiárido nordestino”. Apesar de não ter semelhança fisiológica, assim como da cana-de-açúcar se faz cachaça, do agave se faz a famosa tequila e o mezcal. Basicamente, o ponto comum é que ambas produzem etanol, commodity que vem se valorizando na busca mundial por alternativas energéticas renováveis.
Mesmo com o histórico da produção das bebidas, o agave atualmente não é explorado com a finalidade de um biocombustível e por isso, o pesquisador vem se dedicando nos últimos anos em estudar a planta para esse fim. Empolgado, o pesquisador natural do sertão baiano não esconde o que para ele é a revolução do semiárido nordestino.
“O plantio do agave se justifica primeiro porque a gente tem o sertão e, segundo, porque as mudanças climáticas vão afetar até mesmo a cultura de cana, e o agrave pode ser uma opção para isso”.
Gonçalo Pereira, pesquisador da Unicamp
O motivo do entusiasmo é devido às características que o agave possui e que lhe conferem uma competitividade frente a outras matérias-primas utilizadas na fabricação do etanol. Ele elenca três principais.
- Baixa necessidade água: o agave se desenvolveu em ambientes com restrição hídrica, como é o caso da região de Jalisco, no México, partes da savana africana e do semiárido nordestino. Segundo uma pesquisa feita com a agave tequilana em 2020, essas plantas podem sobreviver com 300 milímetros de água por ano. Em comparação com o mínimo necessário para as culturas do milho e da cana, isso representa 40% e 75% a menos, respectivamente.
- Grande quantidade de biomassa: o mesmo estudo também mostrou que a produtividade de biomassa anualizada do agave é superior aos demais. Enquanto o milho gera de 12 a 18,5 toneladas por hectare e a cana 92 toneladas por hectare, o agave vai de 136 a 144 toneladas na mesma área.
- Acúmulo de frutose: outro ponto é a concentração de açúcar, ou seja, o composto químico do qual se origina o etanol. Diferente da cana que tem sacarose, o agave concentra inulina, que é uma cadeia extensa de frutose.
Etanol de agave
São com base nessas métricas e estudos que Pereira vem fazendo testes para colocar em marcha a operação piloto de produção de etanol de agave. A ideia faz parte do programa de pesquisa BRAVE (Brazilian Agave Development – Desenvolvimento de Agave no Brasil) que além da Unicamp é feito em parceria com a Shell Brasil e com o SENAI CIMATEC.
“O objetivo desse projeto é otimizar tudo para fazer com que o etanol do agave seja competitivo com o etanol da cana. Quem sabe até mais barato do que o etanol do milho, considerando que vamos trabalhar em regiões em que a terra ainda é muito barata”, comenta o professor.
Por isso, já no próximo ano, o projeto vai plantar cerca de 150 mil mudas de agave tequilana. Essa será a primeira vez que um número expressivo dessa variedade mexicana será plantada no Brasil. Apesar do semiárido ter uma espécie, o agave sisalana, a que vem do país norte-americano demonstra uma maior capacidade para o etanol.
Os “espinhos” no caminho
Com inegável potencial, o agave ainda tem alguns desafios para se tornar uma produção escalável. O professor da Unicamp vê esse cenário como oportunidade. A primeira é com relação ao tempo de maturidade das plantas.
“Nossa estratégia está sendo primeiro colocar indutores de crescimento para conseguir superar esse período de crescimento lento [do primeiro ao segundo ano]. A segunda coisa é o biochar – biocarvão usado com fertilizante. A gente viu que no agave uma aplicação de 20 toneladas por hectare mais que dobrou o tamanho das plantas. E também estamos vendo a irrigação de baixo gotejamento nos primeiros anos”, explica Pereira.
Outro aspecto é a mecanização da colheita, porque hoje o processo acontece de forma manual, já que não existe uma colheitadeira de agave. Com isso, uma das ramificações do BRAVE é a criação de protótipos de máquinas. Além disso, também está sendo desenvolvida uma usina piloto para o recebimento, beneficiamento e produção de etanol a partir desse agave. Essa fábrica também não existe no mundo com esse grau de industrialização, o que confere o pioneirismo brasileiro nesse ponto.
Dentro desse processo fabril, uma das intenções é diminuir etapas para tornar mais barata a produção. Diferente da cana, em que a fermentação do açúcar é feita com leveduras tradicionais, a insulina do agave não é facilmente consumida por essas leveduras. Por isso, a pesquisa também já desenvolveu uma levedura capaz de otimizar esse processo.
“Como esse açúcar é um polímero, a levedura não consegue processar de forma direta, precisaria ser aquecida em alta temperatura, como os mexicanos fazem. A outra solução foi construir uma levedura geneticamente modificada que consegue quebrar esse polímero e é isso que a gente já está colocando. Temos inclusive uma levedura já patenteada”, afirma o também professor e pesquisador da Unicamp, Marcelo Carazzolle.
Um passo que também está sendo dado e com produto já registrado é um agave modificado para resistir a pesticidas. Os pesquisadores explicam que o agave cria uma espécie de microclima nas áreas do sertão que favorece o plantio de cultivares agrícolas, mas também de ervas daninhas. Por isso, a busca é também por encontrar uma espécie transgênica com capacidade para resistir ao glifosato, por exemplo.
Para que serve o agave e quais outros benefícios?
O potencial para o etanol é considerado a vantagem mais atrativa para esse cultivo, mas a planta também tem outros subprodutos, como o sisal. No Nordeste, a maioria do agave tem esse fim, mas apenas 5% do agave utilizado vira sisal. O restante é descartado. Pereira chegou a calcular, e por ano, somente esse descarte de uma espécie não própria para o etanol, poderia gerar 20,64 milhões de litros de biocombustível.
Outros usos são:
- produção de hecogenina, um composto utilizado para produção de hormônios na indústria farmacêutica;
- biogás/biometano;
- fertilizantes;
- ração animal;
- biochar.
O pesquisador baiano também destaca o benefício social da implementação de uma cultura como essa no sertão. “As biorrefinarias, usinas, tem uma coisa que pouquíssimas indústrias tem, é geração de mão-de-obra. Elas educam essa mão-de-obra, porque as operações são complexas”, elucida Pereira.
Investimento e novos projetos
Além do BRAVE, outras duas iniciativas com agave estão em andamento, de acordo com o pesquisador da Unicamp, Gonçalo Pereira. Uma delas está prevista para 2025 e se trata de uma fábrica piloto da Arrakis, uma startup que surgiu dentro da pesquisa sobre o agave.
A ideia é que ela seja um modelo de como os produtores de agave do nordeste já podem fazer para melhorar o aproveitamento da planta, que atualmente vai todo para o sisal. Segundo Pereira, a fábrica não será para produção de etanol, mas sim para sisal, biogás, biochar, ração animal e produto para fertirrigação.
Siga o Agro Estadão no Google News e fique bem informado sobre as notícias do campo.
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Inovação
1
CONTEÚDO PATROCINADO
Inteligência artificial impulsiona produtividade no campo
2
Embrapa monta biofábrica para capacitar produtores na produção de bioinsumos
3
Picolé de tilápia une nutrição e inovação
4
Tecnologia, internet e pessoas: os desafios para ampliar a conectividade do agro
5
Lavoro expande tecnologia FarmLab para Paraná e Mato Grosso
6
Novilhas de projeto de transferência de embriões em MT produzem até 200% mais leite
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Inovação
Nova fronteira tecnológica do Agro: como a computação quântica pode ajudar?
Embrapa faz primeiro trabalho sobre computação quântica voltado para agropecuária brasileira
Inovação
John Deere investe R$ 180 milhões em centro de pesquisa no Brasil
Inaugurado em Indaiatuba, (SP), unidade é a primeira do mundo com foco na agricultura tropical
Inovação
Lula assina decreto para criar o PNPIAF
Programa Nacional de Pesquisa e Inovação para Agricultura Familiar e Agroecologia tem foco na sustentabilidade dos agroecossistemas
Inovação
Uso de bioinsumos aumenta produtividade de feijão em até 193 kg por hectare
Resultado foi obtido em estudo da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul em parceria com a Emater
Embrapa desenvolve nova variedade de amora mais doce e lucrativa
BRS Terena possui maior capacidade de conservação e é focada no mercado de consumo in natura
CONTEÚDO PATROCINADO
Inteligência artificial impulsiona produtividade no campo
Recurso é um dos diferenciais das versões mais avançadas dos softwares empresariais, cada vez mais adotadas pelo agronegócio brasileiro
Picolé de tilápia une nutrição e inovação
A proteína da tilápia no palito tem sabor de leite, com cobertura de chocolate ou pistache e recebeu premiação na Seafood Innovation Show 2024
Conectividade no campo impulsiona os resultados
Com apenas 24% da área agrícola com sinal de internet, Brasil tem o desafio de conectar o produtor rural