Gente
Roberto Rodrigues defende negociação com os EUA para mitigar danos econômicos
Ex-ministro da Agricultura avalia que política de tarifas de Trump muda a dinâmica do comércio agrícola global

Sabrina Nascimento | São Paulo
15/02/2025 - 08:30

A política de “tarifaço” adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está mudando a geopolítica das negociações comerciais, com impactos esperados na economia mundial.
O setor sucroalcooleiro do Brasil entrou na mira de Trump na quinta-feira, 13, após o republicano anunciar reciprocidade nas tarifas sobre as exportações do produto. Se a medida for colocada em prática, a taxa cobrada sobre o produto brasileiro sairá dos atuais 2,5% para 18%.
Em conversa com o Agro Estadão, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ponderou que o impacto direto no setor pode não ser tão grande se os Estados Unidos elevarem essa taxa. No entanto, o risco maior estaria na necessidade de o Brasil reduzir suas próprias tarifas, abrindo espaço para a entrada de etanol de outros países. Rodrigues comentou ainda, como o protecionismo de Donald Trump impacta o comércio mundial.
Como as tarifas de reciprocidade anunciadas por Donald Trump podem impactar o setor sucroalcooleiro do Brasil?
A avaliação é de que o impacto não será muito grande se os Estados Unidos aumentarem a tarifa para o nosso etanol. Mas o que pode ser grande é se nós tivermos que baixar a nossa tarifa. Isso pode criar uma invasão de produto de outros países também. Agora, o grande elemento de argumentação e com o qual concordo é que os Estados Unidos colocam uma tarifa muito alta sobre o açúcar brasileiro, quase o tamanho do preço do açúcar, o que inibe as exportações para lá. Então, seria interessante que houvesse reciprocidade também na tarifa do açúcar para os Estados Unidos, o que implica uma negociação complexa. Parece que o ponto principal é paciência: negociar cuidadosamente, não radicalizar, porque há espaço para entendimento e para uma negociação que melhore a situação para todos, sem afetar de maneira dramática a produção brasileira de etanol.
Além da questão da tarifa do açúcar, existem outros pontos na pauta de negociação?
Quem vai negociar é o governo. O setor privado vai colocar os argumentos, mas um argumento importante é que o nosso etanol de cana tem uma pegada de carbono muito menor do que o etanol de milho dos Estados Unidos. A Califórnia, que é o maior importador de etanol brasileiro, tem uma preocupação ambiental acentuada. Isso significa que a reciprocidade não faria sentido porque são produtos diferentes, mas é uma questão técnica. Seria necessário demonstrar que um etanol é diferente do outro e, portanto, a tarifa de um não pode ser considerada a tarifa do outro. Esse é um argumento técnico e pode ser interessante para uso. Mas teria que se verificar se é um ponto que os americanos consideram relevante.
Com esse cenário, qual o impacto para a economia brasileira?
Se houver uma reação em cadeia de aumento generalizado de tarifas, sobretudo sobre commodities agrícolas, o Brasil pode ter problemas sérios. Nossa grande área de faturamento internacional é o agronegócio. Se as tarifas forem elevadas de forma generalizada, isso pode prejudicar a economia, afetando produção, emprego, riqueza e renda. No ano passado, tivemos um saldo comercial de 440 bilhões de dólares, grande parte vinda do agronegócio. Se as tarifas aumentarem, pode haver um impacto significativo, mas ainda é cedo para dizer.
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que o Brasil vai recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) em caso de taxação dos produtos brasileiros. Essa é uma alternativa, na sua avaliação?
Minha experiência com a OMC é positiva. No meu período no Ministério da Agricultura, vencemos duas grandes disputas na instituição: contra os subsídios americanos ao algodão e contra os subsídios europeus ao açúcar. Isso ajudou muito o Brasil. No entanto, hoje a OMC perdeu parte de sua eficiência. Acredito que faz sentido recorrer à OMC, mas talvez não tenha um efeito rápido. O ideal seria uma negociação bem feita, equilibrada, sem rupturas drásticas.
Hoje, o Brasil tem espaço para negociar com os Estados Unidos?
O Itamaraty sempre teve uma competência negocial muito grande, reconhecida no mundo inteiro. E, adicionalmente, nós criamos no Ministério da Agricultura (MAPA), começo dos anos 2000 uma Secretaria de Relações Internacionais que é muito bem preparada. Nos últimos dois anos, o próprio ministro Fávaro anunciou que foram feitos mais de 300 acordos comerciais por setores e segmentos. Isso mostra que o Ministério ganhou uma dimensão relevante no tema de comércio externo. Então, junto com o Itamaraty, o Ministério está pronto para fazer uma negociação de alto nível com os norte-americanos ou com qualquer outro país do mundo.
Diante desse cenário de protecionismo norte-americano, quais são os impactos esperados na economia mundial?
A questão principal é que os anúncios e promessas do presidente Trump estão mudando a geopolítica comercial. Os resultados disso ainda são uma incógnita, porque pode gerar inflação nos Estados Unidos, pode gerar perda de mercado no Brasil e outros países produtores, pode ainda gerar problemas de abastecimento para a União Europeia ou para a China. Esse cenário turbulento terá um efeito relevante no comércio agrícola mundial e também no comércio técnico de minérios, materiais e serviços. É uma mexida muito grande em um tabuleiro que vinha de anos de construção, estabilidade e busca de equilíbrio. Temos que verificar qual será a efetiva imposição dessas tarifas para saber efetivamente o que vai acontecer. Acredito que ainda demore uns dois a três meses para termos uma visão mais segura do processo.
O governo pode tomar medidas preventivas para proteger o agronegócio e a economia do Brasil?
Acredito que o governo está fazendo, a exemplo da série de acordos comerciais que abram o mercado e garantam o crescimento da produção. Outro tema, que não depende do Trump, é a questão da estrutura logística. O Brasil saiu da agricultura costeira nos anos 70, 80 e fomos para o Centro-Oeste com muita competência. Mas, a infraestrutura não foi. E esse é um ponto muito relevante do ponto de vista de estabilidade na competitividade. Então, tanto acordos comerciais quanto logística não são uma demanda imediata por causa da política comercial que o Trump pretende, são uma demanda mais antiga.
Siga o Agro Estadão no Google News, WhatsApp, Instagram, Facebook ou assine nossa Newsletter

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Gente
1
Do limão, uma limonada: exportação de limão-taiti muda a vida de pequenos produtores mineiros
2
Tarifas de Trump podem reconfigurar exportações globais, alerta embaixador Rubens Barbosa
3
Vinícolas com indicação geográfica: qual é a diferença entre DO e IP?
4
Aumento da safra de grãos em SP deverá ser quase três vezes maior que média nacional
5
Elas lideram o Agro: 3 histórias de sucesso e inspiração
6
Quais são os principais tipos de contrato de trabalho rural?

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Gente
Mapa dos Sabores: o café que conta histórias
Mapeamento da produção coloca Andradas (MG) na rota mundial dos cafés especiais e garante premiação inédita

Gente
Atualização cadastral dos rebanhos em SE será obrigatória para emissão da GTA
Produtores devem atualizar informações sobre seus rebanhos para garantir controle sanitário e segurança no transporte dos animais

Gente
Qual é o perfil de executivos mais procurados pelas empresas de agro?
Especialista aponta as áreas que mais têm criado vagas no país e o futuro no mercado de trabalho no campo

Gente
Imposto de Renda 2025: o que produtores rurais devem ficar atentos?
Declarações já podem ser enviadas para Receita Federal
Gente
Conab prorroga prazo para agricultores familiares enviarem propostas para PAA
Data limite era dia 20 de março, mas foi estendida após problemas na plataforma de captação
Gente
Pagamentos do Garantia-Safra 2023/24 começam nesta terça
Governo deve repassar R$ 670 milhões na primeira etapa do benefício
Gente
Produtores rurais gaúchos protestam na Expodireto por securitização de dívidas
Assembleia gaúcha apoia projetos de lei para socorrer produtores após perdas históricas
Gente
“Regularização fundiária traz segurança jurídica”, afirma deputada paulista Carla Morando
Em segundo mandato na Alesp, parlamentar vê possibilidades de ampliação da presença das mulheres no agro paulista