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A produtora que transformou a pimenta-rosa em símbolo do Espírito Santo
De uma amostra enviada da França, nasceu o cultivo que colocou São Mateus (ES) no mapa global das especiarias
Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
25/12/2025 - 08:00

De herança familiar a referência nacional. Assim pode ser resumida a trajetória de Ana Paula Martim Machado, produtora rural em São Mateus, no norte do Espírito Santo.
Ana é da terceira geração à frente da Fazenda Lagoa Seca, uma das propriedades mais tradicionais do Estado. O local, fundado pelo avô, foi a primeira fazenda do Brasil a cultivar pimenta-do-reino em larga escala, entre as décadas de 1970 e 1980.
Em conversa com o Agro Estadão, a produtora contou que as primeiras mudas de pimenta-do-reino vieram de Tomé-Açu (PA), onde imigrantes japoneses já produziam a especiaria em pequena escala. “E depois se deu o boom da pimenta-do-reino”, diz.
No entanto, segundo Ana, ao longo dos anos, outra especiaria ganhou semelhante notoriedade na fazenda: a pimenta-rosa. Como que por um sinal do destino, no fim dos anos 1980, o avô de Ana Paula recebeu amostras de especiarias enviadas da SIAL Paris, uma das maiores feiras internacionais do setor alimentício.
Entre os condimentos, havia um pequeno vidro com grãos rosados que chamou a atenção do agricultor. “Meu avô olhou e disse: isso aí é aroeira, uma praga de mato”, relembra rindo. “E hoje São Mateus é o maior produtor de pimenta-rosa do mundo. É daí que vem a minha história com a pimenta-rosa”, destaca.
O resultado direto da curiosidade do avô de Ana foi colhido mesmo 40 anos após a introdução das primeiras mudas no município: em 18 de julho de 2023, foi publicado o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG), na modalidade Indicação de Procedência, para o município de São Mateus, como centro produtor de pimenta-rosa. De acordo com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural, a pimenta-rosa da cidade possui qualidade superior e menor toxicidade que a especiaria produzida em outras regiões.
Da Petrobras à lavoura
Apesar de ter vivido boa parte do início de sua vida no campo, Ana Paula começou mais tarde a se conectar com a terra. Formada em administração e com carreira consolidada na Petrobras, ela não planejava seguir os passos do avô.
Em 2011, entretanto, o seu pai decidiu comprar novamente a fazenda e, naquele momento, ela se colocou contra. “Falei que não queria, porque ia sobrar tudo para mim. Na época, eu trabalhava na Petrobras e tinha um filho recém-nascido. Foi uma loucura”, contou.
A oposição de Ana não surtiu efeito. Em 2016, então, Ana decidiu deixar o emprego na estatal para se dedicar à agricultura ao lado do pai. O que ela não esperava era ter que lidar com uma das maiores dores de sua vida. “Em novembro daquele ano, meu pai faleceu. Foi uma perda muito grande. Eu não estava preparada para a sucessão, mas, mesmo assim, segui em frente”, relata.
O começo foi difícil. Sem formação agronômica, teve que aprender errando e estudando. “Errei muito, mas comecei a entender, pesquisar e desenvolver a pimenta-rosa na fazenda”, diz. O resultado veio com o tempo: passou de 5 para 15 quilos por pé, um feito inédito para uma produtora sem formação técnica. “Uma vez, a técnica do Incaper [Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural] chegou na fazenda e perguntou onde eu tinha me formado em agronomia. Eu disse: ‘sou administradora’. Ela não acreditou”, lembra Ana Paula, sorrindo.

Foto: Ana Paula Machado/Arquivo pessoal
Resiliência e persistência
A perda do pai não foi a única com a qual Ana teve que enfrentar desde que assumiu a Fazenda Lagoa Seca.
Em 2022, uma tragédia abalou a rotina da propriedade: uma funcionária, “uma mulher incrível”, como descreve a produtora, foi atropelada na BR que corta a propriedade. No ano seguinte, uma enchente histórica atingiu boa parte da lavoura, levando quase toda a produção. “Choveu 1,4 mil milímetros em um mês e meio. A lagoa que dá nome à fazenda, que estava seca há 40 anos, encheu e eu perdi tudo”, recorda.
Na época, a agricultora tinha fechado um contrato com a Natura para que a empresa verificasse, por cinco anos, o processo de rastreabilidade da produção. Sem nenhum produto a oferecer, restou a negociação. “Perguntei para eles se me esperavam refazer a lavoura. Eles disseram que sim”.
Com isso, a Fazenda Lagoa Seca se tornou fornecedora oficial da Natura para todos os produtos da companhia produzidos a partir da pimenta-rosa. “Quando achei que estava no fundo do poço, eles voltaram com o perfume pronto feito com a pimenta-rosa da fazenda. É muito gratificante”, comemora.
Além das pimentas-rosa e do reino, atualmente, há produção de macadâmia, café e pimenta-jamaica na fazenda. O lugar é utilizado ainda por universidades locais e de outros Estados como estudo de caso em pesquisas sobre especiarias. A propriedade abriga ainda uma fábrica de óleos essenciais e produtos derivados de macadâmia, como doces, biscoitos e gelatos. “As pessoas acham grandioso o que eu faço, mas para mim é natural. É fruto de estudo, persistência e fé”, resume a agricultora.
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