Economia
EUA investigam desequilíbrio no mercado brasileiro de etanol
Datagro descarta distorção no comércio do etanol, mas vê espaço para negociar tarifa por mais acesso ao mercado de açúcar nos EUA
Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com | Atualizado às 16:45
16/07/2025 - 12:10

Os Estados Unidos abriram uma investigação formal contra o Brasil para apurar se o país adota práticas comerciais injustas que prejudicam o comércio norte-americano. A apuração é embasada na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. Entre os temas investigados, está o acesso ao mercado brasileiro de etanol. O anúncio ocorreu na noite desta terça-feira, 15, em comunicado oficial feito pelo USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA).
De acordo com o governo dos EUA, o Brasil abandonou o tratamento quase isento de tarifas que existia até 2017 e passou a aplicar taxas elevadas sobre o etanol americano, dificultando a entrada do produto no país. Essa mudança, segundo o anúncio, prejudica os produtores americanos e desequilibra o comércio bilateral.
Conforme o documento elaborado pelo USTR, ao longo desse período, a taxa oscilou com o fim de cotas e suspensões temporárias e, desde janeiro de 2024, está fixada em 18%. “Essas tarifas impactaram fortemente as exportações americanas. Em 2018, os EUA exportaram US$ 761 milhões em etanol ao Brasil. Em 2023, esse valor caiu para apenas US$ 140 mil, e em 2024, foi de US$ 53 milhões — indicando forte desvantagem dos produtores americanos sob o regime atual”.
Etanol dos EUA é sustentado por excedente subsidiado
Caso o Brasil perca a investigação, além da tarifa de 50% já anunciada, poderá enfrentar sanções, como taxas adicionais. No entanto, o presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, avalia que não há desequilíbrio no comércio de etanol entre os dois países e que isso deve ficar claro ao decorrer da investigação.
Nastari destaca que o etanol americano é resultado de uma produção viabilizada por subsídios ao milho, prática que influencia diretamente o preço do combustível. Isso significa que a tarifa aplicada pelo Brasil ao etanol americano serve como um mecanismo de defesa comercial.
“Mesmo sem a aplicação desse imposto, o preço do etanol aqui no Brasil é tão baixo que não viabilizaria a importação de etanol dos Estados Unidos”, disse. O valor interno do biocombustível, segundo ele, está atrelado ao mercado internacional de açúcar, que tem operado em patamares baixos.
O presidente da Datagro também apontou que há espaço para negociação. Segundo ele, o Brasil poderia discutir a redução da tarifa sobre o etanol americano em troca de maior acesso ao mercado dos Estados Unidos para o açúcar brasileiro, que hoje enfrenta tarifas que chegam a 64%.
Outro caminho que o especialista vê é a ampliação da mistura de etanol na gasolina, que já é analisada pelos EUA. “Está autorizado a nível nacional, em qualquer época do ano, a adição de 10% de etanol na gasolina, e 15% em alguns estados durante algumas épocas do ano”. Se implementada, a medida poderia gerar um mercado adicional equivalente a 50% da demanda atual (cerca de 27 bilhões de litros), o que abriria novas oportunidades para exportadores. “Eu acho que cabe às autoridades brasileiras lembrarem as autoridades norte-americanas de que isso é uma possibilidade”, enfatizou
Nastari destacou que essa não é a primeira vez que os Estados Unidos iniciam uma investigação contra o Brasil envolvendo etanol. Em 1985, o país foi alvo de processos antidumping e por subsídios, mas conseguiu comprovar que suas exportações não representavam ameaça ao mercado americano.
Diálogo técnico é o melhor caminho
Em relação à taxação anunciada por Trump, Plínio Nastari considera que o governo brasileiro está agindo corretamente ao envolver o setor privado e buscar diálogo técnico com os EUA. Ele reconhece que a medida americana tem forte componente político e que a defesa do Brasil deve ser técnica, embasada em fatos de mercado, subsídios, competitividade e equilíbrio comercial. “É importante que os dois lados avaliem o dano que essa medida traz para o fluxo de comércio, tanto do lado brasileiro quanto do norte-americano”, afirmou.
Saiba mais sobre a investigação dos EUA
Além do etanol, a investigação também inclui:
- Comércio digital
- Tarifas preferenciais para outros países
- Combate à corrupção
- Propriedade intelectual
- Desmatamento ilegal
“O USTR detalhou as práticas comerciais injustas do Brasil, que há décadas restringem o acesso dos exportadores dos EUA ao seu mercado, no Relatório Anual de Estimativas de Comércio Nacional (NTE). Após consultar outras agências governamentais, assessores autorizados e o Congresso, determinei que as barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil merecem uma investigação aprofundada e, potencialmente, uma resposta”, declarou, por meio do comunicado, o embaixador Jamieson Greer, atual Representante Comercial dos Estados Unidos.
Se a investigação concluir que o Brasil está agindo de forma injusta, os EUA podem aplicar sanções comerciais ou retaliar com novas tarifas.
Brasil e Estados Unidos são os dois maiores produtores de etanol do mundo. Ainda de acordo com o documento, em 2024, os EUA produziram cerca de 16,1 bilhões de galões, enquanto o Brasil produziu quase 8,8 bilhões — juntos, respondendo por 80% da produção mundial.
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