Gente
Dia do Agricultor: Produtores do Rio Grande do Sul recomeçam do zero
Após enchentes no Rio Grande do Sul, com perdas inestimáveis, dívidas e sem crédito, agricultores enfrentam os desafios de retomar a produção

Fernanda Farias | Porto Alegre | fernanda.farias@estadao.com
28/07/2024 - 04:01

Há quase três meses, o tom de voz do agricultor familiar Mauro Soares refletia o desespero de ver o trabalho da vida toda ser destruído. Sua propriedade em Linha Lotes, na zona rural de Cruzeiro do Sul, foi uma das mais afetadas pelas enchentes de maio no Rio Grande do Sul.
Ele perdeu a horta, mais de 40 cabeças de gado de leite e 15 suínos da raça crioula – só sobrou uma porca. Soares conversou com o Agro Estadão poucos dias depois de ser resgatado do sótão da casa, único espaço que a água não alcançou. Hoje, diz que não tem coragem de voltar a morar ali e, mesmo se quisesse, não seria possível porque a energia elétrica ainda não foi restabelecida.
“Foi uma agonia muito grande. Ficou tudo destruído, casa, galpões, terra”, lembra. Enquanto limpam o que sobrou no sítio, Soares e a esposa retomaram o plantio das hortaliças em outra propriedade, que não foi atingida. “Estamos recuperando aos poucos, tentando continuar.”
Nos próximos dias, o agricultor vai entrar com sementes na terra para mais uma safra. Mas a produção será pouca, porque não há dinheiro para investir. Ele tentou acessar o crédito rural com juros reduzidos, mas descobriu que os recursos disponíveis já se esgotaram. “Mas eu gosto da lida na roça, e agora vamos plantar feijão, milho, batata… Isso garante que a gente vai ter comida”, pondera com um otimismo que só quem trabalha na terra consegue entender.
Histórias de recuperação se repetem
Os Soares é uma das quase 20 mil famílias rurais no Rio Grande do Sul afetadas pelo desastre climático recente. Conforme a Emater-RS, mais de 206 mil propriedades rurais sofreram perdas significativas, incluindo lavouras, animais, máquinas, veículos e moradias.
Em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, a inundação devastou cerca de mil hectares de produção agrícola, incluindo hortaliças, cogumelos, arroz e pasto, além de vários animais. Foi a primeira vez que as 72 famílias de agricultores locais perderam tudo, incluindo suas casas.
Essas famílias, muitas moradoras há 30 anos, já enfrentaram outras enchentes, três só no último ano. No entanto, desta vez os danos foram tão grandes que os agricultores precisaram esperar dois meses para retomar o trabalho, devido à necessidade de limpeza e à espera de autorização do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para continuar a produção orgânica de hortaliças.


“Esperamos a análise do solo para confirmar que não tinha contaminação. Agora estamos na fase de recomeço, reconstruindo as casas, as estufas e reiniciando o plantio do arroz,” explica a agricultora Márcia Rivo, que coordena a produção de hortaliças e cogumelos.
O arroz, o principal cultivo da comunidade, teve 40% da colheita perdida. Márcia calcula que cada família teve um prejuízo médio de R$ 1 milhão, considerando todas as perdas, destacando o impacto financeiro e na produção sustentável.
“Nós trabalhamos na reconstrução do território, plantamos árvores e desenvolvemos agroflorestas. Agora, sofremos as consequências de uma irresponsabilidade que não é nossa. Fica o sentimento de revolta, desespero e desesperança.”
O agronegócio do Rio Grande do Sul precisa de atenção
O secretário de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul, Clair Kuhn, afirma que os prejuízos causados pelas enchentes, após 30 dias consecutivos de chuva, são incalculáveis. “Em todas as regiões, a água levou embora a fertilidade do solo; em algumas, a terra foi completamente levada. Nossos especialistas em solo das universidades, da Embrapa e da Emater ainda não conseguem determinar com precisão o prejuízo para os produtores.”
A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) estima perdas iniciais de R$ 3 bilhões, considerando produção e maquinário. No entanto, o problema é ainda maior, pois os agricultores já enfrentam dívidas acumuladas de dois anos consecutivos de seca e estão descapitalizados para a próxima safra, cujo plantio começa em setembro.
“A situação é complexa, pois deveríamos iniciar a semeadura da próxima safra, mas os produtores estão descapitalizados. Se esse problema não for resolvido, eles não conseguirão acessar as linhas de crédito do Plano Agrícola”, diz o presidente da Farsul, Gedeão Pereira.
O Movimento SOS Agro RS, que reúne entidades do agronegócio e produtores rurais do Estado, solicita a prorrogação das dívidas para médios e grandes agricultores e o perdão das dívidas para os pequenos. A expectativa é que o pedido seja atendido em uma Medida Provisória prometida pelo governo para o dia 30 de julho.
Siga o Agro Estadão no Google News e fique bem informado sobre as notícias do campo.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Gente
1
Bolsa de Café chega aos 103 anos em Santos; veja a história e fotos
2
Produtores têm até 30 de setembro para enviar o ITR 2025
3
Celso Moretti assume presidência do CGIAR e recebe prêmio internacional
4
Prazo para ITR 2025 termina nesta terça-feira; confira dicas
5
Pesquisadora do IAC é premiada por solução inédita para citros
6
Fazenda Nova Aliança imprime legado centenário em cada xícara de café

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Gente
Fazenda Nova Aliança imprime legado centenário em cada xícara de café
Conheça a história de Juliana e Flávio, que produzem cafés de baixo carbono, com sustentabilidade que vai além da produção

Gente
Agro emprega mais de um quarto da força de trabalho do país
Número de mulheres no agronegócio sobe e setor atinge novo recorde de empregos

Gente
Prazo para ITR 2025 termina nesta terça-feira; confira dicas
Declaração pode ser feita, inclusive, de forma online pelo site da Receita Federal

Gente
Vagas no Agro: inscrições para residência do Senar terminam nesta sexta-feira
Programa oferece 200 vagas para estudantes recém-formados em 21 estados com bolsas de até R$ 2,5 mil
Gente
Vagas no Agro: IDR-Paraná abre seleção com salários de até R$ 9,4 mil
Inscrições gratuitas começam em 4 de outubro. Há oportunidades para agrônomos, veterinários, engenheiros e técnicos
Gente
Produtores têm até 30 de setembro para enviar o ITR 2025
Declaração é obrigatória para todos os proprietários de imóveis rurais, exceto isentos
Gente
Celso Moretti assume presidência do CGIAR e recebe prêmio internacional
Ex-presidente da Embrapa é o primeiro brasileiro a liderar rede internacional e recebe prêmio Norman Borlaug
Gente
Pesquisadora do IAC é premiada por solução inédita para citros
Tecnologia com N-acetilcisteína levou Alessandra Alves de Souza ao reconhecimento do Ingenias LATAM