Economia
Exportações de café: 69% dos navios sofreram atrasos ou remarcações em setembro
Apesar do bom volume embarcado no ano, exportadores seguem enfrentando gargalos logísticos e acumulam prejuízos de R$ 5,9 milhões com custos extras

Rafael Bruno | São Paulo | rafael.bruno@estadao.com
16/10/2024 - 11:35

Em setembro, 69% dos navios, ou 190 de um total de 277 embarcações, tiveram alteração de escalas ou atraso para exportar café nos principais portos do Brasil, conforme o Boletim Detention Zero (DTZ), elaborado pela startup ElloX Digital em parceria com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
O maior prazo de espera, com 38 dias entre a abertura do primeiro e do último deadline, foi registrado no Porto de Santos (SP). No principal terminal escoador dos cafés brasileiros ao exterior, o índice de atraso de porta-contêineres foi de 84% no mês, o que envolveu 108 do total de 129 embarcações.
Ainda de acordo com o levantamento, no mês passado, apenas 10% dos procedimentos de embarque tiveram prazo superior a quatro dias de gate aberto por navios no Porto de Santos. Para outros 36%, o atraso foi entre três e quatro dias e para 54%, menos de dois dias.
“O nível de navios que tiveram janela aberta por menos de 48 horas alcançou seu pior índice desde janeiro de 2023, quando começamos o levantamento, e, mais preocupante ainda é o fato de que 42 navios sequer tiveram abertura de gate, ampliando o cenário de custos extras e elevados aos exportadores”, comenta o diretor técnico do Cecafé, Eduardo Heron.
Porto de Santos responde
Sobre a situação apontada pelo Cecafé o Porto de Santos informa, em nota, que “a situação é objeto de atenção da Autoridade Portuária de Santos (APS) desde quando houve a primeira divulgação. Por isso, conversas vêm sendo realizadas com os principais envolvidos nesse processo, como o próprio Cecafé, administrações de outros portos, Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), armadores, terminais de contêineres do Porto de Santos, dentre outros.”
Diz ainda que as discussões seguem, “de forma que a APS efetue seu papel de intermediação da situação, uma vez que não é responsável pela execução das operações, com vistas a se tentar achar o melhor modelo para mitigar os atrasos mencionados.”
O Porto de Santos também reforça que continua sendo a principal saída do café brasileiro em grãos para o mundo, com quase 70% do total dos embarques do produto. Além disso, a Autoridade Portuária destaca que há um crescimento de 53,5% no embarque de café por Santos entre os meses de janeiro a agosto deste ano em relação ao ano passado, passando de 1,03 milhão em 2023 para 1,59 milhão em 2024.
Por fim, o Porto de Santos afirma que a solução para extinguir ou minimizar os atrasos “é uma tarefa que demanda tempo, pois envolve diversos cenários e muitas instituições envolvidas. A APS segue à disposição para colaborar no que estiver ao seu alcance, para obter o melhor caminho para melhoria dessa situação.”
No Rio de Janeiro, maior atraso foi de 29 dias
No complexo portuário do Rio de Janeiro (RJ), o segundo maior exportador dos cafés do Brasil, o índice de atrasos das embarcações foi de 58% no mês passado, com o maior intervalo sendo de 29 dias entre o primeiro e o último deadline. Esse percentual implica que 42 dos 72 navios destinados às remessas do produto sofreram alteração de escalas.

A reportagem também solicitou a PortosRio um posicionamento sobre os dados citados e aguarda retorno.
Atrasos deixam 2,155 milhões de sacas de café sem exportação no ano
Ainda de acordo com o levantamento realizado pelo Cecafé junto a seus associados, os elevados índices de atrasos e alterações frequentes de escala de navios para exportação causaram o acúmulo de 2,155 milhões de sacas (6.529 contêineres) de café não embarcadas até setembro deste ano.

Com preço médio Free on Board (FOB) de US$ 269,40 por saca (café verde, set/2024) e a média do dólar a R$ 5,5410, isso implica que o país deixou de receber US$ 580,55 milhões, ou R$ 3,217 bilhões, como receita cambial.
Para o diretor técnico do Cecafé, o cenário fica ainda mais crítico quando se analisa o prejuízo que os exportadores do grão vêm acumulando devido à falta de infraestrutura portuária adequada para cargas conteinerizadas no país.
“Nossos associados reportaram um custo extra de R$ 5,938 milhões, devido a detentions, armazenagens adicionais, pré-stacking e gate antecipado, ocasionado pelos elevados índices de atraso e alterações regulares nas escalas das embarcações. Esses entraves revelam que nossos portos não evoluíram na mesma velocidade do agro e se encontram com estruturas inadequadas para cargas conteinerizadas, expondo o esgotamento da infraestrutura e a necessidade de ampliação da capacidade de pátio, berço e do aprofundamento de calado para recebimento de embarcações maiores”, comenta Heron.
Para o executivo, o crescimento dos embarques das cargas conteinerizadas revela e reforça a falta de infraestrutura adequada nos portos brasileiros e seus impactos no comércio exterior, que desencadeiam problemas como a adição de custos logísticos às exportações, menor repasse do valor FOB aos produtores e, mais recentemente, questões envolvendo emissão de certificados fitossanitários para determinados destinos por conta dos atrasos e alterações de escalas.
“Graças ao competente e incansável trabalho das equipes de logísticas dos exportadores de café, somados ao apoio e à colaboração de alguns terminais portuários, o Brasil tem conseguido honrar seus compromissos, mesmo com a adição dos elevados custos logísticos. Contudo, é muito importante que as autoridades públicas tenham consciência desse cenário e promovam o amplo diálogo para que consigamos seguir abastecendo os nossos mercados compradores e evitemos mais prejuízos nas exportações”, conclui.
Apesar dos gargalos, Brasil segue como exportador confiável
Apesar dos entraves apontados, o Cecafé pontua que o Brasil exportou 4,464 milhões de sacas em setembro, maior volume já registrado para este mês e que representa avanço de 33,3% na comparação com os 3,348 milhões de sacas embarcadas em idêntico período do ano passado. No acumulado do ano, as exportações somam o recorde de 36,428 milhões de sacas, com alta de 38,7% em relação aos nove primeiros meses de 2023.
O presidente do Cecafé, Márcio Ferreira, enaltece o comprometimento dos exportadores brasileiros com seus clientes internacionais, abrindo mão de boa parte de suas margens, bancando os custos extras devido aos gargalos e honrando seus compromissos com os embarques.
“Nossos associados têm dado uma clara demonstração de superação. Apesar dos diversos problemas logísticos, o setor tem dado claros sinais da sua capacidade de alcançar, em praticamente todos os meses deste ano, novos recordes de exportação e essa segurança torna, dentro do possível, a relação entre importador e exportador cada vez mais sólida devido à pontualidade no cumprimento dos contratos dentro dos termos FOB”, diz Ferreira.
A opinião é compartilhada pelo diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos, que destaca que, a despeito da questão logística, os exportadores de café do Brasil estão comprometidos com o abastecimento do produto no mundo, aos mais diversos e exigentes mercados.
“Estamos mostrando que conseguimos trabalhar duas, três, quatro, cinco vezes mais e fazer o nosso café chegar a todo o mercado consumidor mundial. Apesar das dificuldades, somos capazes de nos desdobrar e garantir o abastecimento diante de todas essas adversidades, inclusive batendo recordes”, comenta Matos.
O diretor-geral ainda destaca que Cecafé está comprometido com a pauta de infraestrutura e logística, mantendo diálogos em todas as esferas governamentais e com os atores do setor privado, desempenhando um trabalho organizado entre as organizações do agronegócio e dos representantes de armadores e terminais portuários.
Para o presidente do Conselho, a capacidade de articulação junto aos principais players da logística continuará evoluindo, através de debates transparentes, “trazendo para discussão na mesma mesa” aqueles que podem influenciar positivamente, como o Cecafé e as demais entidades da cafeicultura brasileira e representantes de importadores, companhias de navegação, terminais, autoridades portuárias e os governos federal, estadual e municipal.
“Com produção crescente, sob condições climáticas adequadas, demanda aquecida e preços competitivos e remuneradores a nossos produtores, não temos outro caminho a não ser encontrar as soluções para que os cafés de maior diversidade, qualidade e sustentabilidade do mundo alcancem cada vez mais os milhões de consumidores que tanto prestigiam os cafés do Brasil”, conclui.
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