Economia
Empresa quer cobrança de taxa de importação da Picoxistrobina; substância serve de base para produção de fungicidas
Enquanto a ADAMA pede taxa de importação do princípio ativo Picoxistrobina, setor produtivo alerta para aumento nos preços de fungicidas para soja, milho e algodão
Fernanda Farias | Porto Alegre | fernanda.farias@estadao.com
05/08/2024 - 05:00

Um pedido de aumento da tarifa de importação da Picoxistrobina de 0% para 14% está colocando em lados opostos empresas que produzem os principais fungicidas usados nas lavouras de soja, milho e algodão. Entidades representativas do agronegócio também se posicionam contrárias à solicitação que está em análise na Câmara de Comércio Exterior (Camex).
A Picoxistrobina é fabricada em países como a China, Índia e Colômbia e é a principal substância usada na produção de fungicidas para combater a ferrugem asiática da soja, a cercosporiose do milho, assim como a ramulose e a mancha de ramulária no algodão.
Atualmente, 21 produtos estão registrados no Ministério da Agricultura, com autorização para o uso da substância. Porém, os fungicidas presentes no mercado brasileiro pertencem basicamente a duas empresas: Corteva e Adama. A segunda decidiu fabricar o princípio ativo no lugar de continuar importando.
Ao Agro Estadão, a Adama afirma que enviou o pedido à Camex em fevereiro deste ano, com o objetivo de “estimular investimentos na indústria local e assegurar o fornecimento de insumos importantes para a cadeia de suprimento do agronegócio brasileiro”.
A empresa diz que desde 2018 – com o fim da proteção de propriedade intelectual da molécula da picoxistrobina – vem investindo em uma fábrica de produção local no município de Taquari (RS). Segundo a empresa, a linha de produção terá capacidade para “centenas de toneladas, atendendo significativamente à demanda do Mercosul”.
Em nota enviada ao Agro Estadão, a Corteva se posiciona contrária ao pleito. “Além de impactar a cadeia de formulação de defensivos agrícolas no Brasil, esta elevação tarifária pode limitar o acesso do agricultor às melhores ferramentas de controle de doenças e, consequentemente, prejudicar a produtividade e rentabilidade no campo. Em última instância, a medida pode resultar no aumento dos preços dos alimentos”, diz.
A empresa também ressalta a importância da própria produção de fungicidas, a partir da importação da picoxistrobina. Somente a unidade de Franco da Rocha, localizada no estado de São Paulo e responsável pela formulação de importantes fungicidas, recebeu mais de R$ 250 milhões em investimentos no período. “Hoje, os produtos formulados nesta unidade são aplicados em mais de 115 milhões de hectares em todo o país”, termina a nota.
Entidades do agro reagem
A decisão da Adama em fabricar o princípio ativo provocou um mal estar entre as entidades do agro, que chegaram a assinar uma carta em conjunto criticando o pedido de aumento da tarifa sobre a substância. Um ofício com o mesmo teor também foi enviado à Camex, mas até agora as entidades dizem que não receberam resposta.
As Associações Brasileiras dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), dos Produtores de Algodão (Abrapa) e dos Produtores de Soja (Aprosoja), além da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), argumentam que se o aumento tarifário da Picoxistrobina for autorizado, a produção agrícola brasileira irá encarecer significativamente, “aumentando o custo dos alimentos para os consumidores e afetando a renda dos agricultores”.
O pedido para elevação da tarifa foi encaminhado à Camex em fevereiro deste ano. Inicialmente, ele precisa ser discutido no Comitê de Alterações Tarifárias (CAT) da Câmara e, depois, no Comitê-Executivo de Gestão (Gecex). A expectativa é de que o tema vá para a próxima reunião do Gecex, marcada para o dia 8 de agosto.



Entenda por que as entidades são contra cobrança de importação da Picoxistrobina
O Agro Estadão conversou com as entidades envolvidas na manifestação pública contrária à tarifação da Picoxistrobina.
O presidente da Abramilho destaca, principalmente, o encarecimento do custo de produção. Segundo Paulo Bertolini, com a taxa de importação, a competitividade entre os fornecedores irá reduzir e, consequentemente, o preço do insumo subirá.
“Claro que gostaríamos que todos os insumos fossem fabricados no Brasil. Mas se parte é importada, que não tenha uma sobrecarga da importação”, afirma Bertolini. “Ao concordar com a restrição de importação de insumos vitais, a gente desfoca do entendimento que é lutar pelo livre comércio, sobrevivência e competitividade da agricultura brasileira”, completa.
Um exemplo do impacto sobre o custo de produção está nas lavouras de algodão. O consultor técnico da Abrapa, Edivandro Seron, explica que os defensivos agrícolas representam 38% do custo de produção da cultura. “Só este fungicida é usado em 8 a 10 aplicações, então é um custo que não precisa ter”, avalia Seron.
O gerente financeiro da Croplife, associação que reúne 53 empresas do agro, estima que o custo de produção pode subir mais de 10%, caso a tarifação aconteça. “A gente é contra aumento tarifário que leva a aumento de custo. É um pleito que vai deixar os alimentos mais caros para o consumidor e o agricultor com menor rentabilidade para investir”, afirma Renato Gomides.
Indústria nacional x agricultura nacional
As entidades argumentam que a proteção à indústria nacional é importante, mas precisa existir equilíbrio. Para a CNA, a produção nacional interessa desde que o produto seja mais barato do que o importado. “Mas se fosse mais barato, não teria porquê elevar a alíquota de importação”, comenta André Dobeshi, presidente da Comissão de Cereais, Fibras e Oleaginosas da CNA.
Outro item que preocupa é a quantidade necessária de Picoxistrobina para a produção dos fungicidas. Por ano, o Brasil importa dois milhões de toneladas da substância, lembra o gerente da Croplife. “Não existe garantia de que a empresa vai fabricar todo o volume necessário”, destaca Gomides.
A Aprosoja Brasil é mais direta na avaliação. “Daqui a 50 anos, pode ser que ela [Adama] produza 100% do que o Brasil precisa, mas agora serão 5% ou 10%. Para o resto, as empresas terão de continuar importando, e mais caro”, avalia Leonardo Minaré, técnico da Aprosoja Brasil.
Qual a saída para o impasse?
O consultor Welber Barral, que já foi secretário de Comércio Exterior do Brasil e atualmente é conselheiro da Fiesp, avalia como delicada a situação, porém natural.
“Quando você tem uma oferta nacional, é comum elevar a tarifa de importação. Mas quando a oferta nacional não é suficiente, aí tem um problema”, pontua Barral, lembrando que a picoxi é uma commodity química e, portanto, tem praticamente o mesmo preço no mundo todo.
Ele vê duas saídas, mas para ambas, o governo precisa ter clareza da capacidade de produção da empresa nacional. A primeira seria não elevar a tarifa e deixar o mercado se acomodar; a segunda, seria estabelecer uma cota de importação para o excedente necessário caso a empresa não produza o volume total da demanda brasileira.
Barral cita que há um mês, o governo brasileiro adotou essa medida com produtos de aço: “Elevou a tarifa, mas manteve a demanda atual livre para permitir maior concorrência”.
O consultor ainda ressalta que a empresa nacional que decidir produzir Picoxistrobina já terá outras vantagens em relação à substância importada, como logística, armazenamento e distribuição. E avalia que o impacto será geral, caso a elevação tarifária seja aprovada.
“Hoje, a produção agrícola é o principal fator de superávit comercial do Brasil, então corre o risco de atrapalhar um setor que está indo muito bem”, conclui Barral.
Confira mais respostas da Adama sobre a Picoxistrobina
Em nota enviada ao Agro Estadão, a Adama afirma que o investimento gera empregos diretos e indiretos, fomenta a cadeia de abastecimento e estimula investimentos secundários em diversos setores, promovendo o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil, contribuindo para menor dependência do setor agrícola brasileiro de fatores externos.
Sobre a reclamação de aumento nos preços dos produtos, a Adama diz que “o impacto do pleito tarifário de uma única molécula não reflete diretamente no preço do produto formulado para o agricultor, que é regulado pela concorrência e pela disponibilidade de outras soluções de igual valor no mercado, e não diretamente pelos custos de formulação”.
Siga o Agro Estadão no Google News e fique bem informado sobre as notícias do campo.
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
Brasil deve registrar recorde histórico na exportação de gado vivo em 2025
2
Arábia Saudita quer aumentar em 10 vezes sua produção de café
3
Adoçado com engano: apicultores denunciam uso de ‘falso mel’ na indústria alimentícia
4
Oferta de etanol cresce mais rápido que consumo e acende alerta no setor
5
Soja brasileira será brutalmente atingida pelo acordo entre EUA e China?
6
Decisão sobre salvaguardas da China leva tensão ao mercado da carne bovina
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Economia
Produtor do Brasil é o Ayrton Senna da agricultura mundial, diz especialista
Debatedores esboçaram, durante o Estadão Summit Agro 2025, em São Paulo, suas visões em relação ao futuro do agronegócio
Economia
Em crise histórica, Cotribá busca proteção judicial para evitar colapso financeiro
Com dívidas que ultrapassam R$ 1 bilhão, cooperativa centenária tenta ganhar tempo para reorganizar operações e negociar com credores
Economia
Futuro do agro passa por Seguro Rural e pagamento por serviços ambientais, avalia SRB
No Estadão Summit Agro 2025, presidente da Sociedade Rural Brasileira avaliou questões geopolíticas, como as tarifas dos EUA e o acordo Mercosul-UE
Economia
COP 30 superou o temor de ser um tribunal de acusações contra o agro
Estadão Summit Agro debate nesta quinta-feira, 27, em São Paulo, sustentabilidade, relações comerciais e desafios do agronegócio brasileiro
Economia
China cancela compra de soja de 5 empresas brasileiras
A detecção de resíduos de pesticidas em um carregamento de 69 mil toneladas do grão teria sido o motivo da suspensão temporária
Economia
Estadão Summit Agro 2025 vai debater as principais tendências e desafios para o setor
Evento reúne especialistas nesta quinta-feira, 27, para discutir o legado do agro depois da COP 30, oportunidades com o acordo Mercosul-UE e o uso de IA
Economia
Parlamento Europeu aprova adiamento da lei antidesmatamento
Texto final ainda precisa ser publicado no Jornal Oficial da UE até o fim de 2025 para que o adiamento entre em vigor; veja o que muda
Economia
Justiça homologa plano de recuperação do Grupo Lavoro
Credores serão divididos em dois grupos com condições diferentes de pagamento; decisão ainda cabe recurso