Economia
Embate em SC expõe dilema: vinícola e granja de suínos podem coexistir?
Ação judicial discute possíveis prejuízos econômicos, ambientais e turísticos, e aguarda decisão após quase dois anos de disputa

Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com
07/10/2025 - 17:32

Tangará, no meio-oeste catarinense, vive desde 2023 um conflito que opõe duas atividades que moldam a identidade econômica do Estado: a vitivinicultura e a suinocultura. A disputa tem como protagonistas dois empreendimentos rurais vizinhos: a Vinícola Panceri e uma granja de suínos em fase de implantação.
A controvérsia começou em 2023, quando a vinícola — que também abriga o Museu da Vitivinicultura de Santa Catarina (Muvisc) — acionou o Judiciário para barrar a construção da granja, localizada a cerca de 350 metros de suas instalações. Há cerca de um ano e oito meses, as obras estavam suspensas.
Agora, após quase dois anos de embates judiciais, discussões técnicas e pressões de entidades do setor, o embate ganhou um novo capítulo na última sexta-feira, 3. O juiz Flávio Luís Dell’Antônio, da Vara Única de Tangará, proferiu sentença julgando improcedente o pedido da vinícola e autorizando a continuidade das obras da granja. A defesa da vinícola informou ao Agro Estadão que irá recorrer da decisão.
Disputa entre vizinhos
Em janeiro de 2024, a vinícola Panceri pediu, judicialmente, não apenas a paralisação definitiva do empreendimento, mas também a anulação da licença ambiental emitida pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA), da declaração municipal que autorizou o uso do solo e a possibilidade de indenização por eventuais prejuízos.
Inicialmente, os proprietários da vinícola alegaram que a instalação da granja viola o Corredor de Interesse Turístico (CIT) do município, além de representar risco ambiental. Ademais, segundo eles, os odores, a poluição do solo e da água e a proximidade com a rota turística poderiam comprometer a experiência dos visitantes e prejudicar o desenvolvimento do enoturismo local.
A defesa do suinocultor Ian Coser rebateu, argumentando, no processo, que o terreno está fora da área de interesse turístico, que termina exatamente na área da vinícola. De acordo com a advogada do produtor, Kelly Coser, os estudos demonstraram não haver contato visual direto entre vinícola e granja, devido à mata nativa no entorno.

Quanto aos odores, Kelly Coser alega que medidas de mitigação (além do que exige a legislação) estão previstas e que a diferença altimétrica – com a vinícola em posição mais elevada – reduz os riscos de contaminação. “O empreendimento tem licenciamento ambiental, tem declaração de uso e ocupação do solo, tudo dentro da legalidade”, disse, em entrevista ao Agro Estadão.
No entanto, a advogada da Vinícola Panceri, Carolina Back, argumenta que as medidas mitigadoras previstas para a granja não eliminam os odores, apenas reduzem, o que seria insuficiente para preservar a experiência turística.
Segundo Back, houve uma tentativa de conciliação anterior ao processo. “A vinícola propôs inclusive auxílio financeiro para terraplanagem em outra parte do terreno dele, mais distante, mas isso não foi aceito”, afirmou. Porém, o produtor Ian Coser negou qualquer tratativa ou diálogo anterior ao embargo judicial.
Impacto no enoturismo
A família Cedrom, proprietária da vinícola, está na região há cerca de 70 anos. A produção de uvas evoluiu nos anos 1990 com produção de vinhos, especialmente espumantes. Além da atividade agrícola e industrial, desde 2020, o espaço recebe visitantes para degustações, piqueniques e eventos. Aos sábados, o público pode consumir os vinhos e produtos da gastronomia típica da região. “Não somos contra a produção de suínos, mas acreditamos que atividades tão próximas são incompatíveis. Nosso trabalho depende de um ambiente agradável para receber visitantes”, disse.

Foto: Vinícola Panceri/Divulgação
Para Estefânia Cedrom, uma das proprietárias da vinícola, a instalação da granja, a poucos metros da propriedade, pode comprometer a experiência oferecida aos 2,7 mil turistas em média que frequentam o local anualmente, principalmente por causa do odor. “Se o ar ao redor estiver impregnado pelo cheiro da granja, há risco de o produto absorver esse odor no processo de fermentação, o que pode colocar em risco toda uma safra”.
Prejuízo e incerteza
Para o produtor Ian Coser, a suspensão da obra representa um prejuízo financeiro significativo. Ele conta que tomou um empréstimo de R$ 1,2 milhão para a implantação da granja. Além disso, se tivesse sido concluído no prazo previsto, o empreendimento já teria gerado um faturamento de R$ 2,5 milhões. Enquanto isso, vive da produção agrícola. “Só quero trabalhar no que é meu, o sustento da minha família. É um sonho que estamos tentando realizar”, disse.
Ian afirma que o empreendimento foi planejado de acordo com as normas ambientais e que a intenção é ampliar a renda da família, sem causar impactos à vizinhança. Segundo ele, a granja segue o modelo adotado por outros produtores da região e pode gerar empregos e renda para o município.
Em Tangará, a suinocultura é responsável por 23% do PIB municipal — cerca de R$ 250 milhões — contra 1% da vitivinicultura, que movimenta R$ 7 milhões.

O que dizem os laudos
A vinícola apresentou pareceres de especialistas em turismo, defendendo que o enoturismo depende da preservação da paisagem e da experiência sensorial. “O turismo do vinho é um vetor de desenvolvimento. A proximidade de uma granja pode comprometer a atratividade da região”, aponta um dos laudos técnicos.
Em setembro de 2024, o juiz determinou uma perícia ambiental para avaliar os impactos da granja. O laudo, entregue em julho de 2025 e favorável ao produtor Ian Coser, concluiu que o empreendimento não causaria prejuízos relevantes à vinícola.
O empreendimento de Ian Coser prevê a criação de suínos em sistema de terminação, com adoção de tecnologias voltadas à mitigação de impactos ambientais. Entre as medidas citadas, estão o armazenamento adequado de dejetos em estruturas impermeabilizadas, o uso de esterqueiras cobertas para reduzir a emissão de odores e a fertirrigação controlada das lavouras com efluentes tratados.
“Cumprimos todas as exigências legais. Se um empreendimento licenciado for barrado, abre-se um precedente que ameaça produtores em todo o Estado e enfraquece a autonomia dos órgãos ambientais”, afirmou a advogada da granja.
O que diz a Embrapa
O Agro Estadão entrou em contato com a Embrapa Uva e Vinho e com a Embrapa Suínos e Aves, e ambas as unidades informaram desconhecer qualquer tipo de pesquisa científica sobre a coexistência de uma vinícola e um empreendimento de produção de suínos, bem como legislação para essa situação.
“Acreditamos que seja fundamental realizar um levantamento junto ao município e verificar o que está estabelecido, bem como um levantamento dessa produção de suínos, que poderá trazer elementos esclarecedores, não apenas especificamente para o enoturismo”, informaram as unidades por meio da assessoria.
Porém, embora a ciência ainda não tenha medido com precisão o tema, uma nota técnica publicada em 2015 pela própria Embrapa Uva e Vinho reconhece que os odores da suinocultura podem afetar negativamente vinícolas.
Segundo o documento, os odores da suinocultura podem afetar de duas formas: comprometendo o ambiente de recepção turística e comercialização, ao transmitir a sensação de má qualidade e causar desconforto, e, em hipótese ainda não comprovada, atingindo uvas e vinhos próximos, prejudicando sua nitidez olfativa e a aceitação comercial. A extensão desse segundo impacto, porém, ainda não foi mensurada cientificamente.
A nota técnica também reconhece a complexidade do problema e destaca que a convivência entre suinocultura e vitivinicultura exige uma abordagem integrada, com participação de produtores, autoridades, pesquisadores e comunidades. “Isso pode demandar o estabelecimento de diretrizes e regulamentos baseados na ciência para a localização e licenciamento dos estabelecimentos (criadouros de suínos, vinícolas e seus projetos de enoturismo), o manejo adequado de resíduos na criação dos animais, a adoção e o desenvolvimento de tecnologias modernas de controle de odores, mais eficientes e economicamente viáveis”, diz o documento.
Expectativa pelo desfecho
A sentença, publicada na última semana, autoriza a retomada das obras, suspensas desde 2024. Segundo a decisão, o empreendimento cumpre as exigências ambientais e sanitárias e está localizado fora do Corredor de Interesse Turístico (CIT) do município. O juiz homologou o laudo pericial elaborado no processo e considerou viável a coexistência das duas atividades, desde que mantidas as medidas de controle de odores e de manejo de dejetos previstas na licença ambiental.
“O conjunto de provas demonstra que o empreendimento não gera prejuízos diretos à vinícola ou ao turismo local”, registrou o magistrado, acrescentando que não há elementos técnicos que indiquem contaminação de solo, água ou ar.
Em nota, a Vinícola Panceri informou que vai recorrer da decisão. A empresa afirma que o laudo pericial reconhece o risco de danos significativos e irreversíveis à vinícola e ao Museu da Vitivinicultura de Santa Catarina, localizados a menos de 300 metros do empreendimento.
A Panceri sustenta que o impacto não se limita a datas específicas, mas pode afetar também as atividades diárias de visitação e degustação, ameaçando a continuidade do museu e da própria vinícola.

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