Tiago Fischer
Engenheiro Agrônomo, professor do Insper e diretor da Stracta Consultoria
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Tiago Fischer: o desafio da digitalização no agro Brasileiro – “da fumaça ao unicórnio”
É notório o desenvolvimento de tecnologias digitais tendo o agro como foco de seus serviços, indicadores, automações e outros. O Brasil vem apresentando crescimentos vertiginosos no número de startups com foco em Agro nos últimos dez anos.
01/03/2024 - 11:18

Dentre os muitos assuntos que permeiam os debates da chamada agropecuária moderna, o tema da digitalização do agro, sem dúvida, figura entre os cinco primeiros em termos de interesse, dúvidas, expectativas e desconfianças das mais diferentes partes envolvidas.
É notório o desenvolvimento de tecnologias digitais tendo o agro como foco de seus serviços, indicadores, automações e outros. O Brasil vem apresentando crescimentos vertiginosos no número de startups com foco em Agro nos últimos dez anos.
Atualmente, estão presentes no Brasil mais de duas mil empresas de tecnologia inovadora focadas no agronegócio, as AgTechs. São empresas de soluções de manejo e de gestão, planejamento e previsão climatológica, agricultura de precisão e de decisão, automações de máquinas e equipamentos. E, ainda, fintechs com as mais diferentes soluções para a profissionalização financeira de fazendas e credores, soluções em insumos naturais e biológicos e para bem-estar animal, rastreabilidade, sustentabilidade, entre outras.
Muito deste desenvolvimento é resultado do eficiente trabalho que universidades, por meio de suas incubadoras, hubs de desenvolvimento tecnológico, entidades governamentais e para-governamentais, realizam. Além disso, fundos de investimentos especializados em diferentes estágios de uma empresa inovadora complementam o trabalho.
Todo este movimento acelera a curva de evolução tecnológica destas empresas, colocando algumas das startups brasileiras (aquelas mais desenvolvidas) em um estágio que os principais especialistas em inovação do nosso setor chamam de fase 3.0 de devolução.
Dito isso, seria natural esperarmos que, com tanta evolução e com o número crescente de ofertas tecnológicas digitais para o agro, a utilização de ferramentas digitais no campo estaria acompanhando a mesma curva de crescimento, certo? Na prática, a resposta para esta pergunta é: errado!
O agro brasileiro vive uma dinâmica concentrada mais fortemente no desenvolvimento das tecnologias e das ideias disruptivas em si do que na real adaptabilidade destas soluções “no campo”. Este fato ocorre por diferentes razões que se iniciam pelas extensões territoriais de produção brasileira, passam pela heterogeneidade da produção em termos de quantidade de cultivos e criações e seus diferentes tamanhos, terminando na curva de aprendizagem e profissionalização do produtor e sua histórica aderência a novas tecnologias.
Ou seja, o desafio é enorme! Existe um desfiladeiro entre a real necessidade dos diferentes perfis de conhecimento, gestão da produção brasileira e as soluções que estão sendo criadas nos laboratórios, hubs, incubadoras e aceleradoras do nosso país.
Isto quer dizer que os esforços no desenvolvimento destas tecnologias não são validos? Mas é claro que são! Mais que válidos, são fundamentais! Contudo, o mesmo nível de atenção deveria ser dado ao desenvolvimento de conhecimento e usabilidade por parte do produtor.
Se pararmos para verificar onde estão os reais casos de sucesso da implementação prática de tecnologias no campo, invariavelmente vamos cair nos programas de automação liderados, principalmente, pelas indústrias de máquinas. Mas isso se deve ao fato de que estas indústrias estão na frente de outros setores e segmentos do agro? Na minha visão, não! Em meu entender, isso se deve ao investimento e dedicação destas indústrias na transformação do conhecimento não apenas do produtor que compra a máquina, mas fundamentalmente dos operadores e técnicos de assistência mecânica.
Mas quais outros segmentos possuem a mesma estratégia e dedicação de transformação do usuário? Provavelmente, como respostas, receberemos desculpas, discursos bonitos cheios de termos rebuscados e tecnicidades de difícil entendimento ou mesmo apontamentos das razões da ineficiência, o que no jargão corriqueiro dos fóruns de inovação chamamos de “fumaça”.
A disrupção digital no agro brasileiro é, antes de qualquer outro tema, um processo de transformação humana e desenvolvimento de novas competências no campo. O mais incrível é que, se analisarmos em profundidade as soluções das mais de duas mil startups brasileiras, veremos pouquíssimas EdTechs (empresas digitais focadas em educação) focadas no produtor e nos trabalhadores.
Provavelmente, quando nos dedicarmos às pessoas e suas habilidades tanto quando estamos nos dedicando ao desenvolvimento de um algoritmo, conseguiremos ter nacionalmente os tais “unicórnios” no mercado de agtech.
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
Tarifas e a suprema corte dos EUA
2
Marcos Fava Neves: 5 pontos do agro para acompanhar em dezembro
3
COP 30: biodiesel brasileiro ganha protagonismo no debate global
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos do agro para acompanhar em dezembro
Safra, dólar, tarifas e crédito verde: conheça os assuntos que os produtores devem monitorar neste fim de ano
loading="lazy"
Marcos Fava Neves
Opinião
Tarifas e a suprema corte dos EUA
Mesmo que a Casa Branca perca e as tarifas sejam consideradas inconstitucionais, Washington ainda dispõe de meios para impor barreiras comerciais.
loading="lazy"
Welber Barral
Opinião
COP 30: biodiesel brasileiro ganha protagonismo no debate global
Biodiesel tornou-se símbolo de uma equação rara entre eficiência energética, impacto ambiental positivo e desenvolvimento social.
loading="lazy"
Francisco Turra
Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em novembro
Clima, China e Estados Unidos definem o futuro de oferta e preços dos grãos
loading="lazy"
Marcos Fava Neves
Opinião
Swap EUA-Argentina como estratégia geopolítica
Apoio de Trump ao governo de Milei deixa claro que a ajuda é condicional e persiste enquanto houver convergência ideológica
loading="lazy"
Welber Barral
Opinião
O campo pede respeito
Aumento de impostos e ineficiência federal ameaçam competitividade e empregos rurais
loading="lazy"
Tirso Meirelles
Opinião
A maturidade do biodiesel nacional na COP 30
Com impacto direto no agronegócio, biodiesel se consolidou como uma solução mais efetiva de curto prazo para a descarbonização
loading="lazy"
Francisco Turra
Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em outubro
Início de uma nova safra exige atenção dos produtores ao clima, ao dólar, aos EUA e às oportunidades em novos mercados
loading="lazy"
Marcos Fava Neves