Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Riscos e oportunidades na demografia
Além de já ter 15% da população em situação de insegurança alimentar, a Nigéria enfrenta ainda conflito armado no Norte do país, com uma agricultura de baixa produtividade, dominada por produção de subsistência
Na semana passada, um evento tormentoso teve nenhuma repercussão na imprensa brasileira: uma série de ataques, pela população local, a depósitos de grãos na Nigéria. Movidos pela busca de alimentos, a população saqueou depósitos governamentais e silos aduaneiros.
Os saques foram também consequência dos preços de alimentos na Nigéria, depois que o custo de vida atingiu os maiores níveis desde meados da década de 1990, e a inflação de alimentos subiu mais de 35% em um ano. Além de já ter 15% da população em situação de insegurança alimentar, a Nigéria enfrenta ainda conflito armado no Norte do país, com uma agricultura de baixa produtividade, dominada por produção de subsistência. O país deveria, urgentemente, garantir a segurança dos agricultores, mecanizando a agricultura e aumentando a capacidade de armazenamento para reduzir perdas e desperdícios.
O caso da Nigéria exemplifica, dramaticamente, uma situação presente em vários outros países africanos. Segurança alimentar passou a ser um tema crucial, impactado ainda por fretes com custos crescentes, riscos geopolíticos e impactos das mudanças climáticas. Além disso, é exemplo extremado de outro fenômeno africano: pobreza histórica, população muito jovem, com rápido crescimento demográfico.
Pode-se redarguir que a maldição malthusiana – alentando tragédias derivadas do rápido crescimento demográfico – foi várias vezes desmentida pela revolução agrícola e pela evolução tecnológica, que permitiu abastecer oito bilhões de pessoas no mundo. Situações de fome, dizem os otimistas, derivam mais de crises políticas do que da não-oferta de alimentos.
Entretanto, as perspectivas para a África apresentam desafios de outra magnitude. No caso da Nigéria, a população deve alcançar 400 milhões em 2050, dobrando a população atual. Trata-se de um pesadelo demográfico para o país, já assolado por pobreza, conflitos étnicos e instabilidade política. Em 2050, a Nigéria será o terceiro país mais populoso do mundo, atrás apenas da China e da Índia. Ultrapassará o Brasil, Paquistão, Indonésia e Estados Unidos, em termos de população.
Na década de 1960, a Nigéria testemunhou a Guerra da Biafra, na qual dois milhões de pessoas pereceram, a maior parte por inanição. É um precedente tenebroso de como uma crise local pode provocar danos catastróficos para uma determinada população. E mais ainda, como não prever fatores demográficos e étnicos, aliados à desigualdade, podem contribuir para a proliferação dessas crises.
E qual o papel do Brasil diante desses desafios? O Brasil é considerado um parceiro confiável, pela maioria dos países, nas garantias mundiais de segurança alimentar. Além de grande produtor, o Brasil também não utiliza barreiras às exportações de alimentos, como às vezes faz a Índia, por exemplo. E o Brasil ainda pode, com tecnologia e melhor utilização de áreas degradadas, aumentar em muito suas exportações para o mundo que demandará mais alimentos.
Há ainda uma oportunidade não explorada: a exportação de tecnologia, conhecimento e equipamentos brasileiros para países que, como a Nigéria, podem enfrentar crises alimentares num futuro próximo. A baixa institucionalidade e os riscos locais exigem que, para projetos assim, o governo seja um protagonista relevante, ao trazer acordos, financiamento, garantias. Mas é uma oportunidade que o Brasil, seguramente, deveria avaliar com maior cuidado.
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