Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Recuperação de pastagens degradadas e o aumento da produção agrícola
O Brasil preserva ou protege dois terços do seu território na forma de matas e florestas nativas. Boa parte dessa preservação está dentro das propriedades rurais
Estima-se que somente os produtores rurais, nos seis diferentes biomas, sejam responsáveis por quase 30% da preservação, graças à aplicação do Código Florestal. O país usa aproximadamente outros 30% para a produção agrícola, pecuária e florestal. São ao redor de 8% para agricultura, 1% para florestas plantadas e 21% para pastagens plantadas e nativas. Esses 21% correspondem a aproximadamente 170 milhões de hectares.
Dados da Embrapa estimam que algo em torno de 110 milhões de hectares das pastagens existentes no país possuam algum grau de degradação. Pastagem degradada pode ser definida como uma área onde, em função do baixo vigor das plantas forrageiras e da infestação de plantas invasoras, a pastagem perde sua capacidade de regeneração natural.
A recuperação dessas pastagens e sua incorporação à matriz produtiva podem fazer com que o país dê um salto significativo na produção de alimentos, fibras e bioenergia. Dados da pesquisa agropecuária indicam que uma parcela de aproximadamente 25% das pastagens degradadas estaria apta para ser transformada em culturas agrícolas. Considerando-se que o país cultivou ao redor de 80 milhões de hectares (dados safra 2022/2023) em primeira e segunda safra, a incorporação dessa área contribuiria para aumentar a produção agrícola em 35%. Adicionalmente, a recuperação das pastagens degradadas também contribui para restaurar a capacidade produtiva dos solos, além de auxiliar na redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE), conservação da biodiversidade e na proteção de recursos hídricos.
É importante ressaltar que nem todas as pastagens degradadas estão em áreas com aptidão agrícola. Estudos conduzidos por diferentes instituições demonstram que baixa disponibilidade de água, salinidade e solos com fertilidade pobre, dentre outros fatores, limitam a recuperação das pastagens. O emprego do zoneamento agrícola de risco climático (Zarc), em conjunção com outras ferramentas, auxilia na identificação das áreas mais propensas à recuperação bem como quais seriam as culturas mais indicadas. O Zarc, desenvolvido pela Embrapa e parceiros, se tornou política pública e, por meio de modelos matemáticos e climáticos, indica o que, quando, como e onde plantar as diferentes culturas agrícolas. O zoneamento contempla mais de 40 cadeias produtivas que são periodicamente revisitadas para ajustar os modelos.
Com base no Zarc, cientistas da Embrapa indicaram quais as culturas podem ser empregadas nas áreas com sinais de degradação. Aveia, cana-de-açúcar, milho, feijão e trigo estão dentre as culturas que podem ser plantadas nas áreas com pastagens degradadas visando à sua recuperação.
Além da recuperação com culturas agrícolas específicas, diferentes tecnologias podem ser adotadas para a recuperação das áreas degradadas. Uma tecnologia adotada em mais de 20 milhões de hectares e que se transformou em política pública em 2006 é uma das aliadas para a mudança indicada acima: a integração lavoura, pecuária e floresta, mais conhecida como iLPF. Adotada em vários biomas brasileiros, a maioria dos sistemas integrados (ao redor de 85%) tem o componente lavoura e pecuária como destaque, ficando o componente florestal para um percentual menor.
Investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação contribuem de forma significativa para garantir a sustentabilidade da agropecuária brasileira. A adoção de tecnologias, como a iLPF, pode contribuir para a redução da emissão de gases de efeito estufa e a incorporação de pastagens degradadas ao sistema produtivo. É o agro brasileiro demonstrando para o mundo que é possível produzir e preservar. E ajudar a alimentar o mundo.
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