
José Carlos Vaz
Advogado e consultor, mestre em direito constitucional, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Política Agrícola: se não puder ajudar não atrapalhe
Suspender financiamentos para investimento, em geral, e para custeio para médio e grande produtor, a taxas subsidiadas, não seria problema, mas sim a elevação do dólar, da taxa de juros, do custo dos insumos, que não se resolve via medida provisória
24/02/2025 - 08:00

A semana de 16 a 22 de fevereiro se arrastava lentamente em Brasília, na espera, como tudo no Brasil, do carnaval, quando a Secretaria do Tesouro Nacional resolveu “chutar o pau da barraca” e determinou a suspensão de novas contratações de financiamentos de crédito rural subvencionados pelo Tesouro Nacional, exceto o custeio do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Isso porque o orçamento de 2025 ainda não foi aprovado pelos congressistas (que provavelmente estão em suas bases, para reuniões com seus eleitores nos bailes pré-carnavalescos).
E porque a proposta orçamentária que está lá no Congresso já está defasada, não dando margem para o Executivo manobrar a possibilidade de uso de um doze avos da proposta orçamentária.
E porque continuar a gastar configuraria uma “pedalada orçamentária” nos moldes das que derrubaram a presidente Dilma, e os funcionários do Tesouro tem trauma profunda com relação a isso: “cão mordido por cobra tem medo de linguiça”.
A inesperada suspensão causou grande alarde no público que não lida cotidianamente com a política agrícola, que ficou preocupado com o abastecimento de alimentos, com a elevação do custo de vida, com uma “quebradeira” dos bancos que financiam a agricultura.
Quanto ao abastecimento, nada a temer com a suspensão dos financiamentos, até porque a safra já está plantada. Milho e soja terão safras boas, com oferta igual ou superior à demanda. Mas o excesso de calor ou outra intempérie pode causar, como vem causando, a falta momentânea de um ou outro tipo de alimento. Algum dia pode faltar aquilo que se deseja comer, mas não algo apropriado para se comer. A agricultura sempre é refém do clima.
Quanto aos preços, igual. O problema não está na suspensão de financiamentos, mas na elevação do dólar, da taxa de juros, do custo dos insumos (a “coisa pode pegar”). ”Quebradeira” dos bancos que financiam a agricultura também não é o caso. O setor rural está bem, em geral, e os bancos estão capitalizados e provisionados.
Os recursos subvencionados pelo Tesouro representam cerca de 35% do Plano-Safra (para custeio e investimento), e o Plano-Safra é menos de 40% da necessidade anual de custeio. Ou seja, a maior parte da produção é bancada com recursos próprios dos produtores ou recursos captados no mercado a taxas livres.
Deixar de financiar comercialização ou investimento no primeiro semestre do ano não teria significância. O novo ano agrícola começa em 1º de julho. O custeio do Pronaf está aberto, assim como os fundos constitucionais e os recursos controlados (depósitos à vista).
Fui refletir sobre o que o governo poderia fazer, então, sem depender do Congresso e do orçamento:
1) aumentar os percentuais da exigibilidade de crédito rural sobre os depósitos à vista, poupança rural e LCA.
2) descomplicar o crédito rural e reduzir seu custo operacional (que depois tem que ser bancado pelo Tesouro).
Eis que, ao final da tarde da sexta-feira, 21, o ministro da Fazenda anunciou a retomada das linhas de financiamento subvencionadas pelo Plano Safra 2024/25. Da quinta para sexta-feira, foram achados R$ 4 bilhões! Descobriram que bastava editar uma medida provisória concedendo crédito extraordinário (isso depois que conseguiram uma vacina anti-pedalada no TCU).
Um episódio demonstrativo de falta de gestão e de coordenação no âmbito do governo. Mais um desastroso ruído de comunicação causado pelo próprio governo.
Faltou conversa política do Executivo com o Congresso. Faltou articulação entre ministros (muita disputa para ser quem vai perder a eleição…). Faltou determinação e precaução aos escalões técnicos (não viaja, ministro…).
Também é mais um alerta quanto à necessidade de mudança do modelo de política agrícola no Brasil, velho, obsoleto, anacrônico. Crédito rural já deu o que tinha que dar. Os médios produtores estão cada vez mais desamparados.
Aguarde-se, pois, o carnaval.
Siga o Agro Estadão no Google News, WhatsApp, Instagram, Facebook ou assine nossa Newsletter

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
O Agro Brasileiro e a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza
2
Por que a reciprocidade trumpista não funciona: o caso do etanol
3
Vamos seguir sem deixar nenhuma mulher para trás
4
Política Agrícola: se não puder ajudar não atrapalhe
5
A norma antidesmatamento européia (EUDR) e o Agronegócio Brasileiro

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Opinião
Vamos seguir sem deixar nenhuma mulher para trás
No Dia Internacional da Mulher, não venho fazer homenagens. Venho falar sobre as dores que, nesta data, muitos jogam debaixo do tapete

Teresa Vendramini

Opinião
A norma antidesmatamento européia (EUDR) e o Agronegócio Brasileiro
A preocupação global com o desmatamento e suas consequências ambientais têm gerado intensos debates nas últimas décadas, especialmente em relação à Amazônia, um dos maiores patrimônios naturais do planeta

Welber Barral

Opinião
O Agro Brasileiro e a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza
Como um dos maiores produtores e exportadores mundiais de alimentos, o Brasil tem responsabilidade central no combate à insegurança alimentar, contribuindo com a produção de grãos, carnes, frutas e outros produtos essenciais

Tirso Meirelles

Opinião
Por que a reciprocidade trumpista não funciona: o caso do etanol
Em declarações recentes, o ex-presidente Donald Trump ressuscitou o conceito de “reciprocidade” nas relações comerciais, afirmando que “se eles nos cobram, nós cobramos deles”

Welber Barral
Opinião
Rota Bioceânica: Oportunidade Histórica para o Agronegócio Brasileiro
O mercado asiático é um dos principais parceiros comerciais do Brasil e isso não é novidade para ninguém

Teresa Vendramini
Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em fevereiro
No segundo mês de 2025 será importante acompanhar as safras brasileira e argentina, além do cenário econômico e político mundial

Marcos Fava Neves
Opinião
O Brasil e seu NDC: ambição verde versus realidade
Não serão poucos os efeitos internacionais dos impactantes atos executivos assinados por Trump ao assumir novamente a presidência

Welber Barral
Opinião
Novidades na pesquisa agropecuária e um problema antigo
Um conjunto de ações em andamento deve contribuir para que diferentes setores da agropecuária brasileira sejam beneficiados com inovações neste e nos próximos anos

Celso Moretti