
Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Os poltrões na aduana
Operação-padrão: prejuízo ou cautela?
15/06/2025 - 08:00

Foram de até cinco horas os atrasos no Galeão, na semana passada, em razão de uma operação-padrão de auditores em greve. A “operação-padrão” consistia, na realidade, em um único fiscal examinando desnecessariamente todas as bagagens, para provocar o acúmulo de passageiros.
Sobre o evento, o sindicato da categoria explicou que “a operação-padrão é uma das formas de mobilização adotadas nas aduanas”, que poderia provocar uma “externalidade negativa”.
É exercício exagerado de eufemismo chamar de externalidade a barafunda advinda da “operação”. O que de fato provocou foram prejuízos individuais e coletivos: passageiros cansados de muitas horas de viagem perderam conexões para o resto do país, turistas que jamais retornarão ao Brasil, além da fome e choro das crianças que não entendiam, com razão, porque seus pais estavam sendo confinados.
Além da injustiça visível, a operação nas aduanas também carrega alguma ironia. Afinal, é bem-sabido que tributos aduaneiros são parte menor do orçamento federal, e que não têm grande impacto para os interesses imediatos do Tesouro. Mas não é pela relevância para seu empregador que esses movimentos acontecem. O sequestro da população e das cargas, se não causa prejuízo imediato ao governo, afeta sua popularidade, interrompe cadeias produtivas com cargas retidas, e já chegaram a afetar a produção na Zona Franca de Manaus.
Tanto vêm se repetindo esses movimentos nos últimos anos, acabando quase sempre com alguma concessão do governo, que chegam a afetar a capacidade coletiva de indignação, que deveria ser natural para aqueles que sofrem as consequências dessa covardia.
Não se pretende aqui discutir se as reivindicações são justas ou não. As demandas envolvem maior ou menor mérito, de uma elite do serviço público, cuja demanda frequente quase sempre se resume às oportunidades de ultrapassar o teto de salários.
O que sim se recorda aqui é a necessidade de indignação moral e óbvia: é pusilanimidade utilizar passageiros como reféns; é covardia provocar danos à indústria que não tem como reajustar salários de grevistas; é poltronice provocar danos à população para conseguir atingir o governo; é indignidade reter idosos, diabéticos e crianças, em pé e por horas, sem acesso à água ou comida e sem qualquer motivação administrativa.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça considerou que se trata de atividade essencial (o que é evidente), e determinou o fim do movimento paredista. Mas nada considerou a sentença quanto a essas ações imorais, que infelizmente entraram no cotidiano dos viajantes internacionais. O mesmo STJ decidiu pela suspensão da atual greve, o que foi acatado pelo sindicato dos auditores. E espera-se que algo dessa magnitude não volte a se repetir.
Por sorte para esses alguns, a população brasileira é tão passiva que ignora visível justificativa para desobediência civil. Ronald Dworkin, o jurista norte-americano, a definiu como forma particular de contraposição — coletiva e pacífica — dos cidadãos a ato de autoridade, quando ofensivos à ordem constitucional ou aos direitos e garantias fundamentais. Há poucas situações que justificariam mais a desobediência civil do que o abuso de agentes públicos, que o Estado não consegue controlar, e que mantêm injustificadamente detidos passageiros apenas para desgaste do próprio Estado.
Em algum momento essa lição será recordada em algum aeroporto. Daí se assistirá à debandada de pais carregando bagagens e filhos, em atropelo aos que quiseram fazê-los de reféns.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
A moeda dos Brics
2
Feiras e exposições reforçam o protagonismo da pecuária paulista
3
Genes e Algoritmos: a nova engenharia do mundo
4
Política agrícola: esperando agosto
5
O Brasil precisa voltar a produzir ureia – e com urgência
6
Terras raras e os interesses do Brasil

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Opinião
A moeda dos Brics
Uma moeda comum entre os países do BRICS segue distante; o que pode evoluir são os sistemas interligados de pagamento

Welber Barral

Opinião
Feiras e exposições reforçam o protagonismo da pecuária paulista
Investimentos em genética, manejo, nutrição e bem-estar animal garantem produtos de alta qualidade para o consumo interno e para exportação

Tirso Meirelles

Opinião
Genes e Algoritmos: a nova engenharia do mundo
A convergência entre inteligência artificial e biotecnologia está transformando o mundo que conhecemos, de forma acelerada e irreversível.

Celso Moretti

Opinião
Política agrícola: esperando agosto
Depois que China, União Europeia, Japão e outros países fecharam acordos com os EUA, Brasil faz o que pode enquanto aguarda a sexta-feira

José Carlos Vaz
Opinião
A transparência que devemos cultivar em Transição Energética
Setor de biocombustíveis enfrenta dano causado por distribuidoras que não cumpriram metas de aquisição de Créditos de Descarbonização (CBIOs)

Francisco Turra
Opinião
O Brasil precisa voltar a produzir ureia – e com urgência
A vulnerabilidade na oferta de fertilizantes compromete a produtividade, eleva os custos e ameaça a competitividade do campo

Celso Moretti
Opinião
Terras raras e os interesses do Brasil
Detentor de reservas relevantes mas pouco exploradas, país precisa de estratégia para não repetir papel exportador de matérias-primas.

Welber Barral
Opinião
Sanções à ureia russa: o tiro europeu que pode acertar em cheio o agro brasileiro
Recente decisão da União Europeia sobre fertilizantes nitrogenados pode trazer efeitos colaterais ao Brasil, como inflação dos alimentos

Celso Moretti