Tiago Fischer
Engenheiro Agrônomo, professor do Insper e diretor da Stracta Consultoria
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
O desafio das cadeias agropecuárias na concentração varejista brasileira
Poucos movimentos mercadológicos impactaram tanto o agronegócio nacional nos últimos cinco anos como as mudanças que estão ocorrendo no varejo agropecuário
O sistema varejista do agro, também conhecido como revendas agrícolas e os braços varejistas das tradicionais cooperativas do agro, tem importância fundamental na eficiência em distribuição/ logística dos insumos agropecuários de maneira em geral.
Dada a capilaridade da produção nacional, as diferentes culturas agrícolas e criações pecuárias que cada região se especializa e, principalmente considerando o perfil de tamanho das fazendas e seu grau de profissionalização, é natural entendermos que seria impossível (ou ao menos caríssimo) para as indústrias produtoras de insumos acessar cada produtor com suas próprias equipes.
Mas além de promover maior eficiência das operações logísticas, historicamente as revendas e cooperativas exercem um papel importantíssimo para o atendimento às fazendas, a presença local!
Estar próximo quando o cliente precisa, manter relacionamento frequente e participar do cotidiano dos locais de produção são funções dos varejistas tão importantes quanto a disponibilização de produtos em estoque.
Nas últimas décadas, este atendimento próximo e frequente empoderou o sistema varejista nacional tornando o acesso ao produtor o maior ativo das dinâmicas de estratégias mercadológicas atuais.
Este movimento, associado à comoditização e multiplicação da oferta das indústrias de insumos de maneira geral, impulsionou uma transformação bastante relevante na dinâmica dos mercados: a concentração varejista.
Seguindo os passos do que aconteceu em outros setores da economia como os bens de consumo e a distribuição da indústria farmacêutica, a concentração varejista no agro brasileiro se iniciou através de investimentos. Ou seja, indústrias, fundos, bancos nacionais e internacionais, assim como conglomerados varejistas já concentrados em outros países, passaram a apostar suas fichas no crescimento e retorno financeiro de um varejo brasileiro de grandes proporções.
Os modelos que originaram os atuais mega varejistas nacionais foram basicamente três: os investimentos para aquisição de revendas já constituídas; os investimentos para crescimento orgânico de um varejista já historicamente muito forte em uma região – e que por meio desse investimento cresce em número de lojas (ocorrendo mais na expansão das grandes cooperativas); e o terceiro, mas não menos pujante, nos casos de investimentos das próprias indústrias produtoras de insumos apostando na verticalização dos seus negócios, ou seja, as indústrias comprando lojas já existentes e/ou abrindo lojas próprias em regiões estratégicas.
Cada modelo possui suas próprias peculiaridades e não será tema aqui compará-los. Contudo, o que a prática nos mostra é que tais ações vêm causando uma revolução no agronegócio moderno.
Dentre todos os assuntos, críticas e expectativas que pairam sobre o tema de mega varejistas no agro brasileiro, sem dúvida, o que mais chama a atenção é a capacidade que essas gigantes estruturas possuem de mudar a dinâmica de forças das cadeias agroindustriais no Brasil.
Alguns exemplos do que chamamos de força aqui são o poder econômico, a capacidade de influência, a forte presença nos meios de comunicação, a capacidade de fazer lobby (governamental ou não). Nestes quesitos, historicamente o poder se concentrou nas mãos das indústrias, sejam elas fornecedoras ou compradoras das fazendas.
Mas, o surgimento destas megaestruturas, justamente em uma posição intermediária de acesso e distribuição às fazendas, redefine o jogo de forças nas cadeias e faz com que uma série de estratégias, ações e processos tenham que ser reestruturados e atualizados.
Essa mudança de mercado, claramente causa consequências em todo o processo de atendimento às propriedades, nas dinâmicas competitivas com outras estruturas varejistas e na dinâmica de ofertas de produtos e serviços disponíveis.
Existem muitas críticas e desconfianças do mercado em relação ao surgimento dessas empresas, dentre elas o temor da possibilidade de criação de estruturas oligopolistas na distribuição do agro nacional, a guerra de preços e redução de valor e lucro pela indústria, ou até mesmo a possível mortalidade de varejistas menores e muito tradicionais em suas regiões – efeito que claramente aconteceu em outros setores.
Muitas críticas ganham força quando analisamos os resultados efetivos (financeiros e mercadológicos) das megaestruturas nos primeiros anos de formação. Claramente, o mercado depositou muitas expectativas nos retornos e alguns deles não foram alcançados.
Mas olhando de maneira crítica e mais profunda, o que fica claro é que estamos vendo um movimento de disrupção no mercado. Estruturas varejistas destas proporções nunca foram vistas no Brasil e, por isso mesmo, tudo é novo. Das expertises das pessoas que atualmente fazem a própria gestão, os processos internos, os protocolos de atendimento às fazendas, assim como suas próprias dinâmicas de parcerias com fornecedores, tudo, absolutamente tudo, está sendo criado do zero.
E nesta nova dinâmica, grande parte dos aprendizados trazidos pelas revendas tradicionais, não é replicável em estruturas deste tamanho.
Sendo assim, é natural entender as críticas e desconfianças do mercado. Mas por outro lado, deve ser mais natural ainda observar que o próprio nascimento destes gigantes em nosso agronegócio é uma consequência do desenvolvimento que este setor vem promovendo, o que mostra muito do quanto o agro brasileiro está avançado.
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