
Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
A norma antidesmatamento européia (EUDR) e o Agronegócio Brasileiro
A preocupação global com o desmatamento e suas consequências ambientais têm gerado intensos debates nas últimas décadas, especialmente em relação à Amazônia, um dos maiores patrimônios naturais do planeta
07/03/2025 - 05:00

A crescente pressão internacional por práticas ambientais responsáveis levou a União Europeia a adotar uma das regulamentações mais ambiciosas para o combate ao desmatamento: a European Union Deforestation Regulation (EUDR). Aprovada em 2023, essa regulamentação impõe rigorosos requisitos de rastreabilidade e sustentabilidade para produtos agrícolas importados pela Europa, incluindo soja, carne bovina, óleo de palma, café e cacau.
A EUDR busca garantir que as cadeias produtivas europeias não estejam associadas ao desmatamento ilegal ou à degradação florestal. No entanto, seus impactos extrapolam as fronteiras da Europa, afetando diretamente países exportadores de commodities agrícolas. Como maior exportador mundial de soja e carne bovina – dois dos principais produtos sob vigilância da EUDR –, o Brasil enfrenta um desafio significativo: adaptar-se rapidamente às novas exigências ou correr o risco de acesso a um mercado estratégico.
O cenário não é trivial. A regulamentação europeia representa não apenas um desafio para o agronegócio brasileiro, mas também uma oportunidade para o país consolidar sua imagem como um líder ambiental, especialmente em um momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30. Para isso, a necessidade de adaptação à EUDR exige decisões estratégicas do agronegócio brasileiro.
Impacto Econômico da EUDR no Brasil
A implementação da EUDR pode gerar impactos econômicos consideráveis para o Brasil. A União Europeia é um dos principais destinos das exportações agrícolas brasileiras, representando aproximadamente 15% das vendas externas do país. Produtos como soja, carne bovina e café, responsáveis por bilhões de dólares em exportações anuais, estão diretamente na mira das novas exigências europeias.

Exportando para um mercado tão relevante, há necessidade de rápida adaptação à EUDR. De acordo com a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), a nova regulamentação pode impactar até 20% das exportações de carne bovina para a Europa, dependendo da capacidade dos produtores de rastrear suas cadeias produtivas e garantir que não haja ligação com desmatamento.
Evidentemente, a exigência de rastreabilidade completa desde a origem da matéria-prima até o produto final eleva os custos operacionais e administrativos, afetando principalmente pequenos e médios produtores, que têm menos recursos para implementar sistemas de monitoramento sofisticados. Até agora, o governo brasileiro criticou a regulamentação, classificando-a como um instrumento de protecionismo disfarçado, destinado a criar barreiras comerciais não-tarifárias para dificultar o acesso de produtos agrícolas do Mercosul ao mercado europeu. Ao mesmo tempo, associações do setor produtivo têm intensificado diálogos com autoridades europeias na tentativa de flexibilizar algumas exigências e ampliar prazos de adaptação. Há também um esforço para promover a imagem de sustentabilidade do agronegócio brasileiro, destacando que cerca de 66% do território nacional é preservado com vegetação nativa, conforme dados do MapBiomas.
Há também medidas proativas para atender às novas exigências. Iniciativas como o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e o uso de tecnologias de georreferenciamento para monitoramento de propriedades têm sido fundamentais para a rastreabilidade das cadeias produtivas. A EUDR pode acelerar o cumprimento das metas ambientais já assumidas pelo Brasil, incentivando a rastreabilidade completa das cadeias produtivas, a recuperação de áreas degradadas e o fortalecimento da fiscalização ambiental.
Oportunidades e Desafios na COP30
A proximidade da COP30, a ser realizada em Belém, em 2025, oferece ao Brasil uma oportunidade estratégica de demonstrar seu compromisso com a sustentabilidade e o combate ao desmatamento. O evento será uma vitrine global, permitindo que o Brasil apresente seus avanços na produção agrícola sustentável e no uso de tecnologias de rastreabilidade e monitoramento.
O sucesso da adaptação às exigências da EUDR dependerá de políticas públicas eficazes, parcerias estratégicas e um esforço coordenado para modernizar as cadeias produtivas. Se bem-sucedido, o Brasil poderá não apenas manter sua competitividade no mercado global, mas também liderar a transição para uma agricultura sustentável. Não sendo assim, corre o risco de testemunhar perda de mercado pelas demandas irrefreáveis da preocupação ambiental.

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