
Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
A guerra comercial e seus custos globais
Afora um conflito armado, poucas coisas geram tanta instabilidade quanto uma guerra comercial
12/05/2025 - 10:42

Diferentemente dos embates militares, as guerras comerciais atingem simultaneamente os agentes econômicos, alimentando incertezas, desorganizando cadeias produtivas e tornando obsoletos planos de negócios meticulosamente desenhados. A escalada recente entre Estados Unidos e China oferece uma demonstração clara desses efeitos.
Como exemplo fácil, basta imaginar uma multinacional que tenha dedicado anos à construção de uma estratégia para produção em países como México e Vietnã. Subitamente, o governo norte-americano impõe tarifas de até 40% sobre produtos vietnamitas e reduz vantagens já estabelecidas ao México. Os planejamentos logísticos, financeiros e operacionais – em geral desenvolvidos por anos – se tornam inúteis da noite para o dia. A resposta natural é uma paralisação nas decisões de investimento, agravando a estagnação.
Na guerra comercial, o dano mais imediato recai sobre a previsibilidade econômica. Decisões empresariais dependem de um mínimo de estabilidade nos marcos legais e comerciais. Sem isso, os fluxos de capital se deslocam para regiões percebidas como mais seguras — como se viu recentemente no aumento da procura por ativos de renda fixa europeus, em detrimento dos EUA.
Outro impacto relevante é a desorganização logística. Antecipando a imposição de tarifas, empresas passam a estocar produtos e acelerar embarques, inclusive por via aérea. No caso atual, isso gerou um aumento atípico nas importações dos EUA, que buscam escapar das novas tarifas. Esse movimento, no entanto, pressiona os custos e provoca gargalos nas rotas marítimas.
Há ainda um efeito colateral importante: o redirecionamento do comércio global. Produtos antes destinados aos EUA agora procuram outros mercados, aumentando a concorrência em países emergentes como Brasil, México, Índia e África do Sul. O desequilíbrio nas rotas marítimas já resulta em escassez de navios e aumento expressivo nos fretes.
Ainda, a imprevisibilidade encarece os seguros internacionais. A possibilidade de recusa das mercadorias pelo comprador devido à aplicação de tarifas eleva o risco da operação e, portanto, os prêmios de seguro. Além disso, atrasos em portos e demurrage (pela sobrestadia de contêineres) tornam-se comuns, onerando ainda mais o importador.
Outro efeito esperado é o aumento das exigências alfandegárias. Com tarifas diferentes para produtos idênticos, a depender do país de origem, as empresas precisam investir mais em rastreabilidade, certificações e controle aduaneiro. O resultado: margens corroídas ou preços mais altos para o consumidor.
No caso do Brasil, o agronegócio é diretamente afetado. Tome-se como exemplo a soja: a colheita brasileira depende de planejamento logístico preciso, envolvendo transporte, armazenagem, embarque e mão de obra. Mudanças súbitas no fluxo internacional exigem ajustes rápidos e caros — mais caminhões, mais armazéns, menos navios, mais turnos de trabalho.
Um conselho evidente é monitorar de perto os desdobramentos das negociações, sobretudo entre EUA e China, após reunião que tiveram em Genebra e que posterga as tarifas por 90 dias. O governo dos EUA tem sinalizado a possibilidade de isentar alguns setores das tarifas (automotivo e eletrônico, por exemplo), graças a pressões de grupos empresariais. No entanto, a regra ainda é a imprevisibilidade. O planejamento contingencial permanece essencial.
Outro fator estrutural agravado pela guerra comercial é a já conhecida capacidade ociosa da indústria chinesa. Sem poder direcionar seus excedentes aos EUA, a China volta-se para mercados emergentes, inclusive na América Latina. Setores como metais e petroquímicos, que operam com alta escala e baixa elasticidade de produção, são especialmente impactados. A preocupação com práticas de dumping e subfaturamento aumenta, para países como o Brasil.
A grande ameaça da guerra comercial sino-americana não está apenas no aumento de custos ou no desvio de comércio, mas na incerteza crônica que impõe ao sistema internacional. Investidores e empresas operam agora num ambiente menos previsível, com custos logísticos e regulatórios maiores, exigindo estratégias de adaptação contínua e ações de mitigação de riscos.
Para o Brasil, é essencial manter a vigilância, mas também a flexibilidade. Reforçar acordos comerciais, diversificar mercados, acelerar reformas logísticas e aprimorar os instrumentos de defesa comercial são medidas urgentes. Num mundo em transformação, sobrevivem — e prosperam — os que melhor se adaptam à instabilidade que vicejará no futuro visível.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
Brasil e Índia: potências agrícolas em busca de cooperação estratégica
2
Geopolítica da carne
3
Mercosul-União Europeia: caminhos que se bifurcam
4
A vez do EFTA
5
Política Agrícola e a pedra filosofal
6
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em outubro

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em outubro
Início de uma nova safra exige atenção dos produtores ao clima, ao dólar, aos EUA e às oportunidades em novos mercados

Marcos Fava Neves

Opinião
45 anos de contribuição do Brasil para uma agricultura sustentável no Cone Sul
Com a tecnologia de Fixação Biológica de Nitrogênio na soja, o país economiza cerca de U$ 20 bilhões por ano em fertilizantes nitrogenados

Opinião
Política Agrícola e a pedra filosofal
Seguro é tão crédito quanto financiamento, “barter” ou usar recursos próprios. Crédito decorre de confiança baseada em evidências.

José Carlos Vaz

Opinião
A vez do EFTA
Com barreiras tarifárias dos EUA e exigências da União Europeia, Mercosul mostra que ainda pode alcançar tratados modernos de comércio

Welber Barral
Opinião
Geopolítica da carne
México elevou em 198% as compras de carne bovina em 2025 e pode habilitar 14 novos frigoríficos do Brasil

Teresa Vendramini
Opinião
Brasil e Índia: potências agrícolas em busca de cooperação estratégica
Combinação de vantagens abre uma janela de oportunidades para que os dois países aprofundem parcerias comerciais, técnicas e científicas

Celso Moretti
Opinião
Mercosul-União Europeia: caminhos que se bifurcam
Num mundo de incertezas jurídicas, com as batalhas tarifárias dos EUA, o acordo com a Europa representa previsibilidade institucional; UE apresenta o texto do acordo nessa quarta-feira, 3, em Bruxelas.

Welber Barral
Opinião
Produtor rural paga conta de má política fiscal
Falta de crédito adequado e margens cada vez mais estreitas comprometem a permanência de pequenos produtores na atividade

Tirso Meirelles