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Agropolítica

Lei do Autocontrole: o que está em debate?

Regulamentação do credenciamento de empresas privadas para apoiar a fiscalização agropecuária divide opiniões

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Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com

26/05/2025 - 08:00

Foto: Adobe Stock
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A proposta de regulamentação do credenciamento de empresas privadas para apoiar a fiscalização agropecuária, em discussão desde fevereiro deste ano, acendeu debates no setor. O trecho está descrito na Lei 14.515, conhecida como Lei do Autocontrole (leia mais abaixo).

Apesar da Lei ter sido sancionada em 2022, ela não detalhou os critérios ou salvaguardas para esse credenciamento. Deixando isso condicionado a uma outra norma, no caso, a Portaria nº 1.275/2025, submetida à consulta pública no início de maio pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa.

Contrários à medida, os auditores fiscais agropecuários têm articulado mobilizações. Em meados de maio, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) acionou o Ministério Público Federal (MPF) contra a regulamentação do artigo 5º da Lei. O trecho permite a habilitação de pessoas jurídicas ou físicas para a prestação de serviços técnicos ou operacionais relacionados às atividades de defesa agropecuária, incluindo a inspeção do abate animal. 

Para a entidade, a medida discutida em um grupo de trabalho do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), com agentes envolvidos no tema, oferece riscos à segurança alimentar e à autonomia da fiscalização oficial. 

Na denúncia ao MPF, o Anffa Sindical pede a instauração de um inquérito civil público e a análise da legalidade e constitucionalidade da minuta da Portaria nº 1.275/2025. A entidade solicita também que o MPF recomende formalmente que o Ministério se abstenha de publicar a regulamentação nos moldes atuais.

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Do outro lado, a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), participante do grupo de trabalho, acredita que a iniciativa representa um passo necessário para modernizar o modelo atual de fiscalização no Brasil. 

Paulo Mustefaga, presidente da Abrafrigo, afirmou ao Agro Estadão, que a regulamentação do artigo permite que os frigoríficos ganhem produtividade e agilidade sem abrir mão do controle oficial. “Essa lei visa ao ganho de eficiência dos serviços de fiscalização de inspeção, através de maior responsabilização dos agentes privados, com o poder público fiscalizando de uma forma mais eficiente também, coordenando o processo através de sistemas de inteligência”, disse. 

Segundo ele, a ação não impede que os auditores federais também realizem processos de fiscalização quando acharem necessário. 

Riscos sanitários?

Outro ponto levantado como preocupação pelo Anffa Sindical é o risco sanitário que pode surgir com a flexibilização de normas e perda de controle sobre os processos. Para o Anffa, a medida provoca riscos sanitários e a perda de qualidade para a carne brasileira.

Do outro lado, a Abrafrigo rechaça a ideia de que a segurança alimentar estaria em risco, uma vez que, segundo a Associação o poder público seguirá com plenos poderes de fiscalização e auditoria. “Não significa que não vai ter fiscalização. Vai ter fiscalização coordenada pelo poder público. Mas esses agentes privados, eles terão a responsabilidade de atuar no sistema de inspeção”, disse.

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De acordo com Mustefaga, a regulamentação da medida, discutida entre os setor público e privado, se faz necessária em um cenário de sinais de esgotamento do atual modelo. “A dificuldade para contratar fiscais e as limitações operacionais têm travado a expansão de plantas e a atuação em turnos extras, especialmente aos fins de semana”, afirmou. 

Papel do autocontrole 

O médico veterinário e ex-secretário nacional de Defesa Agropecuária, Ênio Marques, pontua que o debate atual sobre a regulamentação do credenciamento de empresas privadas deve ser entendido dentro de um processo mais amplo de modernização da defesa agropecuária brasileira, iniciado há anos.

Ele explica que o chamado autocontrole não é uma novidade no setor. Segundo ele, a adoção desse modelo ganhou força no Brasil a partir da implementação do sistema de gestão de segurança alimentar HACCP, na sigla em inglês. Esse sistema visa a análise de perigos e pontos críticos de controle e ficou conhecido no país como base dos programas de autocontrole. 

A mudança, salienta Ênio, ocorreu quando ficou claro que não havia mais condições de manter equipes do serviço oficial de inspeção acompanhando presencialmente todas as etapas da produção nas indústrias. “O autocontrole é um conceito internacional, que obriga as empresas a adotarem boas práticas, mapearem seus processos produtivos e garantirem a qualidade dos produtos que colocam no mercado”, disse ao Agro Estadão. 

Segundo Marques, desde então, a atuação do Mapa ficou concentrada na fiscalização das etapas críticas, como a inspeção ante e post mortem nos frigoríficos, enquanto os demais processos passaram a ser acompanhados pelos programas internos das empresas, sempre sob auditoria do serviço oficial. “O sistema moderno é preditivo, trabalha na hipótese de um conjunto de perigos que devem ser evitados durante a produção. Não se trata mais de olhar o crachá ou ficar na linha de produção, e sim de garantir que o processo como um todo seja seguro e confiável”, explica.

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Ele reforça, no entanto, que há um limite para essa modernização, com a possibilidade de flexibilizar apenas a inspeção post mortem, enquanto a inspeção ante mortem seguirá sendo uma responsabilidade do serviço oficial. “Essa parte de inspeção ante mortem, no mundo inteiro, tem um serviço do governo que faz isso. Então, o Brasil só vai mudar essa questão da inspeção ante mortem depois que o mundo mudar”, ressaltou. 

O ex-secretário pontua ainda que o modelo brasileiro se consolidou alinhado às normas internacionais e é hoje considerado robusto, apoiado no Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), que envolve não só o governo federal, mas também estados, municípios, setor privado e até o próprio consumidor. “Nosso sistema é muito bem estruturado, embora existam vulnerabilidades pontuais, principalmente relacionadas à capacitação de pessoas em algumas regiões. Mas, de modo geral, temos um modelo que funciona e nos permite atender às exigências dos mercados internacionais”, afirma.

O Agro Estadão procurou o Mapa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Lei do Autocontrole

Sancionada em dezembro de 2022, a Lei 14.515 determina que empresas que atuam em atividades reguladas pelo Mapa – como frigoríficos, fábricas de ração e laticínios – implementem programas próprios de autocontrole. 

Segundo o artigo 5º, o Mapa e demais órgãos públicos integrantes do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) poderão credenciar pessoas jurídicas ou habilitar pessoas físicas para a prestação de serviços técnicos ou operacionais relacionados às atividades de defesa agropecuária. 

O artigo estabelece que:

  • O credenciamento e a habilitação de pessoas jurídicas ou físicas têm o objetivo de assegurar que os serviços técnicos e operacionais prestados estejam em consonância com o Suasa, não permitido aos credenciados ou habilitados desempenhar atividades próprias da fiscalização agropecuária que exijam o exercício específico de poder de polícia administrativa
  • Norma específica do Mapa, como Instância Central e Superior, definirá os processos de credenciamento de pessoas jurídicas, os serviços cujos credenciamentos serão obrigatoriamente homologados e as regras específicas para homologação
  • Norma específica do Mapa, como Instância Central e Superior, definirá os processos de habilitação de pessoas físicas, observada a competência profissional, de acordo com o conhecimento técnico requerido para a etapa, o procedimento ou o processo para o qual o profissional será habilitado, e as regras específicas para homologação.

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