Sustentabilidade

ESPECIAL MACAÚBA: como plantar, quais os benefícios e por que pode mudar o futuro

A palmeira brasileira deve receber US$ 2,5 bilhões em investimentos nos próximos anos e promete revolucionar geração de combustíveis renováveis

9 minutos de leitura

09/03/2024

Por: Daumildo Júnior | daumildo.junior@estadão.com

coco da macaúba
Produção de macaúba ainda é pequena e tem espaço para crescer nos próximos anos. Foto: Simone Favaro/Embrapa

A macaúba chama a atenção pelas pesquisas e investimentos para transformar os óleos extraídos do coco em biocombustíveis, como o SAF (sigla em inglês para Combustível Sustentável de Aviação) e o diesel verde. Mas de onde vem essa planta? É fácil de cultivar? O que mais ela oferece de retorno?

O Agro Estadão conversou com a pesquisadora da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Agroenergia, Simone Favaro, para responder a essas e outras dúvidas. 

O que é a macaúba?

A macaúba é uma palmeira nativa do continente americano. A palmeira pode superar os 15 metros de altura e é uma planta perene, podendo sobreviver por até 100 anos de idade. Além disso, o grande “ouro verde” são os cocos, dos quais se extraem óleos com diferentes usos. 

Ela tem troncos e folhas com espinhos e produz um cacho com cocos. O coco é formado por uma casca mais fina, a polpa, o endocarpo (envolve a semente e é resistente) e a amêndoa.

A planta é encontrada do Rio Grande do Sul até o norte do México. “Ela é considerada a palmeira com maior distribuição no continente americano”, afirma a pesquisadora. No Brasil, quase todas as regiões têm ocorrência. As maiores concentrações estão localizadas no cerrado do Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e no Pantanal.

Como é conhecida a macaúba?

É popularmente chamada de coco-baboso ou coco-de-espinho ou macajuba. Também pode ser encontrada com o nome de bocaiúva. 

Há pelo menos três espécies de ocorrência brasileira com potencial para inclusão na cadeia produtiva. Os nomes científicos dessas espécies são: Acrocomia aculeata (de ocorrência predominante no centro do país), Acrocomia totai (noroeste do Paraná, oeste de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pantanal) e Acrocomia intumescens (algumas áreas do Nordeste). 

Como cultivar macaúba?

Por ainda ser pouco explorada comercialmente, especialmente em grandes escalas, como a soja e o milho, Simone explica que a planta está passando por um processo de domesticação. “É quando você transforma uma planta do seu estado natural em uma planta que você consegue produzir e usá-la de uma forma econômica e sustentável”.

Nesse sentido, a germinação da semente não acontece facilmente de forma natural. O recomendado para um cultivo em larga escala é que seja feito um processo de pré-germinação das sementes em laboratório ou até mesmo a compra de mudas. 

Quanto ao solo, é uma planta bem adaptada a maioria das regiões do Brasil. Como qualquer outra plantação ou lavoura, requer uma adubação de acordo com as necessidades de cada solo. 

Recentemente, o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) publicou o Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático) da macaúba. A definição do zoneamento foi para as três espécies de interesse econômico e foram tipificadas tanto para áreas de sequeiro quanto para áreas irrigadas. Simone foi a responsável por coordenar o estudo do zoneamento. 

“O objetivo do zoneamento é dar uma orientação considerando as questões climáticas e as necessidades da cultura de onde as chances de insucesso são menores. Esse primeiro zoneamento foi feito considerando principalmente as plantas que já ocorrem de forma nativa no Brasil. Né? Como ainda temos poucas experimentações em áreas de cultivo, nosso trabalho foi pautado principalmente no conhecimento do que ocorre de forma natural”, explica.

Atualmente, a maior parte da colheita da macaúba é feita pelo extrativismo. A pesquisadora estima que haja 3,5 mil hectares plantados com a finalidade comercial em todo o país.

O que se faz com a macaúba?

A versatilidade da macaúba é apontada como uma das grandes vantagens. Atualmente, alguns usos da planta são:

  • extração de óleos;
  • produção de energia através da biomassa (bagaço);
  • consumo in natura da polpa;
  • produção de biocarvão ativado (utilizado por exemplo em filtros de água);
  • cosméticos;
  • produtos de limpeza;
  • farinhas; 
  • ração animal (pode-se moer todo o coco e dar aos animais em áreas com pouca vegetação).

Na cozinha, a macaúba e seus derivados também podem ter usos cotidianos. A Embrapa Cerrado tem uma cartilha com receitas de bolo, cocada, geléia, mingau e até sorvete de macaúba. 

Foto: Vivian Chies/Embrapa

Óleos da macaúba

Boa parte dos usos da macaúba são possíveis graças à extração de dois óleos da macaúba, um da amêndoa e o outro da polpa. A pesquisadora explica que eles são diferentes o que reflete nas aplicações deles. 

“O óleo da amêndoa é mais valorizado no mercado. Ele custa mais caro porque é utilizado, por exemplo, para produção de sabões, como surfactantes, que são aqueles produtos que fazem um sabão espumar”, pontua Simone.

Biocombustíveis

No entanto, o uso mais reconhecido dos óleos é na produção de biocombustíveis. Para essa finalidade, os dois tipos de óleo podem ser utilizados, inclusive juntos. 

São pelo menos dois biocombustíveis gerados a partir dos óleos:

  • SAF – combustível que poderá substituir o querosene de aviação. O grande benefício dessa troca é a menor emissão de gases do efeito estufa, já que o querosene é de origem fóssil. Além disso, compromissos internacionais já impõe restrições de emissões para o setor de aviação, o que deve aumentar a procura por essas formas alternativas de combustível;
  • diesel verde – tem capacidade para substituir o diesel normal. Um dos pontos vantajosos é que este combustível tem uma composição idêntica ao diesel tradicional, ou seja, não vai requerer uma adaptação de motores de máquinas e veículos. Além de liberar menos emissões de gases nocivos, o diesel verde não deixa resíduos nos motores, o que é uma crítica do setor automobilístico ao biodiesel.

“Caminhão, avião e navio são muito difíceis você pensar que esses meios de transporte vão ter uma energia, por exemplo, elétrica como dos veículos elétricos. Veículos pequenos tudo bem, mas esses veículos grandes ainda não têm tecnologia para uma bateria elétrica. Então eles vão continuar utilizando algum tipo de combustível líquido. A ideia é que não seja mais fóssil, não seja mais derivado de petróleo”. 

Simone Favaro, pesquisadora da Embrapa Agroenergia

Benefícios e vantagens da macaúba

A especialista em macaúba também coloca outras vantagens competitivas que a planta apresenta. 

  • Rendimento: um hectare de macaúba, sem a adoção de melhoramentos de produtividade, é capaz de gerar de três a quatro mil toneladas de óleo. A nível de comparação, a mesma área plantada de soja produz em média de 600 a 800 quilos de óleo.
  • Integração Lavoura-Pecuária: por ter uma boa altura e uma largura de copa fixa a partir do quarto ano, a macaúba também se adapta bem nos sistemas ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta). Esse padrão de desenvolvimento ajuda no manejo, já que não é necessário podas da copa, e na estratégia de qual lavoura adotar nesse sistema, pois a entrada de sol não é prejudicada dependendo do espaçamento adotado entre uma macaúba e outra.
  • Auxílio na degradação de pastagem: “Nessas áreas [de pastagem degradada], ela vai fazer uma recuperação, uma reconstituição do solo, reduzir perda de solo por erosão, Também começa a haver um novo afloramento do lençol freático. Então há uma recomposição ali das fontes de água”, indica a pesquisadora.   
  • Alternativa ao óleo de dendê: segundo Simone, hoje quase metade de todo óleo consumido como alimento no mundo vem do dendê. No entanto, uma das implicações é que o dendê só pode ser plantado em áreas de floresta tropical, como a Amazônia, ou no sudeste asiático. Com a macaúba, a abrangência de regiões é maior, o que mantém a floresta Amazônica em pé. Outra vantagem em comparação ao dendê é que a quantidade de água necessária é bem menor.
  • Substâncias tóxicas: diferente de outras oleaginosas, a macaúba não tem substâncias tóxicas, o que permite o aproveitamento integral do coco. 
Foto: Acelen Renewables/Divulgação

Cuidados

A aposta na palmeira também requer alguns pontos de atenção. Um deles é a questão da destinação da produção. A pesquisadora da Embrapa alerta que antes de começar uma plantação de porte comercial é importante ter um plano de negócio que tenha isso em mente. 

“A macaúba sempre vai ter que estar integrada a um parque industrial. É como a cana. Você não planta cana se não tiver a usina. E a mesma coisa com o dendê. Você não planta o dendê se não tiver a unidade de esmagamento ao lado. Não adianta plantar a macaúba sem saber o que eu vou fazer com ela. Então é importante entender isso como um sistema de agroindústria.”

Simone Favaro, pesquisadora da Embrapa Agroenergia

Uma alternativa que a especialista relata é o uso para suplementação animal. Segundo ela, há casos de produtores rurais que plantam a macaúba e depois trituram o coco integralmente e oferecem na alimentação de bovinos.

Outro desafio está no tempo de pesquisa. Por se tratar de um processo ainda em desenvolvimento, nem todos os aspectos tecnológicos estão prontos. “Nós estamos no início desse processo de desenvolvimento. Então a gente tem pela frente aí anos de trabalho de pesquisa para fazer com que a macaúba possa expressar o máximo do seu potencial. Eu acho que o principal desafio é esse. Nós ainda estamos no início desse processo”, afirma .

Foto: Acelen Renewables/Divulgação

Investimentos 

No Brasil, há pelo menos três empresas com atividades relacionadas à macaúba: a S.Oleum, a Inocas e a Acelen Renewables, que investirá US$ 2,5 bilhões nos próximos 10 anos. 

A produção dos biocombustíveis por parte da empresa tem previsão de início para o segundo semestre de 2026 e a estimativa de produção de um bilhão de litros de SAF e diesel verde por ano. A expectativa da fabricante é de que o diesel verde emita 80% menos dióxido de carbono (CO²) do que o diesel à base de petróleo. 

Investimentos que também devem ser sentidos por produtores rurais da Bahia e do norte de Minas Gerais, onde a empresa pretende fazer parcerias para a plantação da macaúba. Segundo um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a iniciativa gerará mais de 90 mil empregos de forma direta ou indireta.

“Este é só o primeiro passo. O projeto é altamente escalável. Planejamos construir diversas outras unidades similares de forma a maximizar o impacto do projeto e a contribuição para um futuro mais verde”, diz o CEO da Acelen Renewables, Luiz de Mendonça.

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