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O cacau virou paixão e fez de produtor referência no sul baiano
Conheça a história de Rodrigo Costa de Araújo, que investe em sustentabilidade e planeja diversificação na produção de cacau e marca própria na indústria chocolateira

Rafael Bruno* | Ilhéus (BA) | rafael.bruno@estadao.com
24/10/2024 - 14:14

Crescer gera custos e responsabilidades. Essa é a percepção de Rodrigo Costa de Araújo, produtor de cacau em Uruçuca, município a cerca de 40 km de Ilhéus, no sul da Bahia. O proprietário da Fazenda Liberdade é a terceira geração de cacauicultores da família, além de ser considerado referência na região quando se fala em produtividade e empreendedorismo.
Hoje, um amante da propriedade rural onde vive com a esposa e dois filhos, ele conta que nem sempre foi assim. Apesar de ser filho de produtores de cacau e ter crescido em uma fazenda, Araújo lembra que não gostava da vida na roça durante a infância.
“Desde pequeno eu tenho contato com cacau, mas era só de passar o final de semana, recreativo. Por um período eu ‘odiava’ a roça porque naquela época não tinha energia, não tinha televisão, tinha que dormir cedo para acordar cedo”, comenta. A vida seguiu outros rumos, ele estudou e montou uma papelaria na cidade, negócio que ainda mantém.
Mas em 2015 a visão sobre o cacau começou a mudar. Sabendo da paixão do pai pela cultura e de olho nas possibilidades de renda, Araújo adquiriu 35 hectares de uma antiga propriedade rural, batizada de Fazenda Liberdade.
“Sabendo que meu pai gostava [de cacau] e ouvindo uns colegas dizendo que se fizesse direito era um negócio rentável, eu decidi investir. Na fazenda do meu pai eu achava, na época, que não tinha como avançar ou expandir, aí apareceu essa oportunidade aqui e eu, com ajuda do meu pai embarquei”, comenta.

Araújo prefere não comentar os rendimentos da propriedade, mas conta que o financiamento que fez na época está quitado. Quando começou, ele se enquadrava no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e hoje está se encaixa no Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).
O produtor conta que, no momento da compra, a propriedade se encontrava abandonada com uma densidade de planta muito baixa, cerca de 220, 230 plantas por hectares, e com pés antigos, entre 60 e 80 anos. Posteriormente, foi feito um processo de renovação da lavoura e hoje a média é de 1.100 plantas por hectare.
O recorde de produção ocorreu em 2020, com um resultado de quase 2 mil quilos por hectares, uma média de 130 arrobas por hectare (1.950 kgs). Nesta temporada a expectativa é de uma produtividade média entre 80 e 90 arrobas por hectare, cerca de 1.350 quilos por hectare, um número ainda alto quando comparado à media na região que é de 180, 200 quilos por hectare.
Clima e doenças são desafios na produção de cacau
O que tem impactado muito esta safra são os problemas com clima e doenças, que, além da perda dos frutos, têm elevado os custos de produção, diante da necessidade de mais aplicações de fungicidas.



Ao caminhar pela cabruca, Rodrigo Araújo aponta para um talhão onde grande parte da produção foi afetada pela podridão parda e pela vassoura-de-bruxa (doenças fúngicas que afetam o cacaueiro e podem causar perdas significativas na produção). De acordo com o produtor, só naquele recorte o prejuízo estimado é de R$ 200 mil.
Formado em administração, com pós-graduação em gestão pública, o produtor consegue administrar bem a fazenda e gerir os custos. Modesto, diz achar curioso ele ser considerado um case de sucesso. “Isso demonstra quão crítica é a situação do produtor”, brinca.
Marca própria e diversificação do negócio
Apesar das dificuldades, a expansão do negócio está nos planos. Além de criar a própria marca de chocolates, ele conta que pretende investir em derivados do cacau, como nibs e mel de cacau.
“Esse negócio, para ele ser sustentável, você tem que ir para diversificação. E aí, ou você vai diversificar para outras culturas – que aqui na região temos o açaí, banana, cajá – ou você vai agregar valor ao seu principal produto, que é o cacau. E aí vem a extração do mel, que é conhecido como mel mas é o licor, tem a polpa e o chocolate. Outra possibilidade é transformar a casca em fertilizante, em adubo […] Coisas que parecem simples, mas acontecem pouco, porque a gente encontra muita dificuldade”, comenta.
Entre os desafios citados pelo produtor para a expansão da atividade, estão os investimentos em maquinários, como câmaras frias, mecanização no campo, mão de obra e questões burocráticas, como classificação de amêndoas e até lei trabalhista.
“Olha essa área, esse relevo, botar máquina fica difícil; a lei pede que tenha instalações sanitárias a depender do número de funcionários e extensão da roça, mas produzimos nosso cacau em meio à floresta, o que dificulta essas instalações ou uso banheiros móveis. Também tem a questão sustentável, não posso construir um banheiro, refeitório em qualquer lugar no meio da mata. Mas é lei, a gente dá um jeito e cumpre, porque senão é penalizado. Só acho que poderíamos debater alternativas, ter legislações diferenciadas. Uma coisa é a minha produção na cabruca, outra é quem produz o irrigado, a pleno sol”, argumenta.
O produtor segue as regras e possui em meio às lavouras áreas com instalações sanitárias, além de alojamentos e residências devidamente destinadas aos trabalhadores.
Classificação do cacau
Outra cobrança do produtor é quanto à falta de padronização entre as moageiras na hora de classificar as amêndoas. O cacau é classificado basicamente em três tipos, sendo o tipo 1 superior e o 3 dentro do regular aceitável. A classificação é baseada em especificações que consideram impurezas e defeitos no produto.
“Existe uma cartilha, mais ou menos de um passo a passo, de como seguir [produzir cacau fino tipo 1], que especifica tipo de cocho, como secar, barcaça, eu já tentei, me adequei e não consegui, não tive muito sucesso nessa classificação, mas tenho um amigo que não segue todas essas regras e às vezes consegue vender como cacau fino. Então qual é o critério?”, questiona.

A presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Anna Paula Losi, explica que existe uma instrução normativa (N° 38/2008) que define critérios de classificação da amêndoa de cacau, considerando seus requisitos de identidade e qualidade.
“Você tem hoje, para a commodity, uma legislação nacional, que é a IN 38, que tipifica o cacau – todo e qualquer produto vegetal no Brasil tem suas padronizações de tipificação, assim como o arroz e o feijão, no cacau é a mesma coisa. […] A tipificação [do cacau] vem falar de defeitos, ela não entra nessas questões de qualidade. A qualidade segue padronizações internacionais”, explica Losi.
Para exemplificar, a presidente da AIPC cita a uma das grandes empresas do setor: “Hoje, uma das grandes compradoras de cacau fino especial é a Dengo. Então a Dengo tem os parâmetros dela, que ela determina e que tem a ver com qualidade, mas também tem a ver com sustentabilidade ambiental, social e econômica”, conta. Segundo ela, os padrões exigidos por uma empresa não seguem somente a tipificação de qualidade, vão além. Assim, o produtor pode ter um cacau tipo 1, mas não conseguir comercializar como especial fino.
Fato que o produtor Rodrigo Araújo considera muito subjetivo e por isso ele cobra que haja mais clareza e um modelo de regras mais específicas. Além do relacionamento com a indústria processadora e alimentícia, Rodrigo também mantém contatos com empresas de insumos e lidera um grupo de produtores que se reúnem para debater modelos rentáveis e sustentáveis para a região. Segundo ele, o objetivo é criar uma espécie de ‘manual’, com orientações e procedimentos a serem seguidos.

Referência
Apesar de não fazer questão do rótulo de liderança local, hoje o cacauicultor que um dia correu da roça é referência. Nos últimos anos, a Fazenda Liberdade tem sido palco de experimentos e eventos de diversas empresas do agro.
Araujo é voz ativa em programas de sustentabilidade das principais empresas do setor como Barry Callebaut, Cocoa Life (Mondelēz International), Cocoa Plan (Nestlé ) e Promisse Cocoa Verified, (Cargill).
*Jornalista viajou para Ilhéus (BA) a convite da AIPC e CocoaAction Brasil
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