Economia
PIB: entenda por que resultado da agropecuária caiu no 2º trimestre
Efeitos climáticos, pós-pandemia e comparação com supersafra são alguns motivos apontados por especialistas; veja as perspectivas para o resto do ano

Rafael Bruno | São Paulo | rafael.bruno@estadao.com
03/09/2024 - 19:24

Superando as expectativas do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,4% no segundo trimestre deste ano, na comparação com os três primeiros meses imediatamente anteriores, segundo dados divulgados nesta terça-feira, 3, pelo IBGE. O resultado positivo foi puxado pela indústria (+1,8%) e pelo setor de serviços (+1%) e só não foi melhor por conta da queda de 2,3% da agropecuária. O recuo do setor ocorreu em comparação ao crescimento de 11,1% no primeiro trimestre de 2024.
Mas a baixa não surpreendeu o mercado, segundo Felipe Jordy, líder de inteligência e estratégia da Biond Agro. “Pelo contrário, já se esperava esse resultado, considerando uma conjuntura de fatores que influenciaram esse cenário, como condições climáticas adversas, incluindo seca no Centro-Oeste e enchentes extremas no Rio Grande do Sul, que refletiram em revisões das estimativas de produção”, analisa Jordy ao Agro Estadão.
Ele lembra que, em agosto, o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do IBGE, havia apontado para uma queda na estimativa de produção anual e perda de produtividade em culturas com safras no segundo trimestre, como milho (-10,3%) e soja (-4,3%).
Segundo a publicação do IBGE desta terça, “esses recuos suplantaram o bom desempenho de culturas como o café e o algodão, por exemplo, que cresceram 6,6% e 10,8%, respectivamente”.
Além disso, Jordy chama atenção para os preços internacionais das commodities no período. “O desequilíbrio entre oferta e demanda global, com altos estoques, e um momento deflacionário registrado após o auge da pandemia, tem pressionado as cotações internacionais, refletindo também no Brasil. A título de comparação, apenas neste trimestre, os preços da soja caíram cerca de 4% em relação ao trimestre anterior”, comenta o especialista.
2º trimestre de 2023 x 2º trimestre de 2024
Comparado ao segundo trimestre de 2023, a economia brasileira cresceu 3,3% no segundo trimestre deste ano. “Quem puxou esse crescimento para cima foi justamente a indústria, com avanço de quase 4% [3,9%] e o setor de serviços, com o crescimento de três e meio por cento [3,5%]”, explica ao Agro Estadão o pesquisador da FGV Agro, Felippe Serigati.
Nesse mesmo período de comparação, a agropecuária teve uma queda de 2,9%. “A gente não pode esquecer que essa base de comparação é elevada. O ano anterior foi justamente o ano da nossa supersafra, foi uma safra recorde”, enfatiza Serigati.
Além da comparação com o grande volume produzido na safra passada, aliada às intempéries climáticas no decorrer de 2023 e início deste ano, o coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon, ressalta um certo reequilíbrio entre os setores da economia no pós-pandemia.
“O setor agropecuário apresentou resultados importantes durante o período da pandemia e agora, em 2024, os demais setores econômicos estão retomando a sua pujança”, afirma Conchon. O coordenador da CNA ressalta que nos últimos anos o setor agropecuário apresentou crescimentos superiores à média da economia brasileira. “Isso ocorreu porque diversos setores sofreram durante e após o período da pandemia, enquanto o setor agropecuário continuou produzindo, exportando e alimentando o Brasil e o mundo”, analisa.
Apesar do recuo da agropecuária, Conchon destaca a relevância do setor para o crescimento econômico do Brasil. “A participação do setor agropecuário na economia brasileira ainda está em patamares historicamente altos, no segundo trimestre de 2024 o setor agropecuário – a produção dentro da porteira – totalizou 6,9% de tudo o que a economia brasileira produz. Nível historicamente alto”, conclui.
Quanto aos resultados do atual e do próximo trimestre, os analistas seguem de olho no clima. “Se não houver surpresas negativas no plantio e nas condições climáticas para a safra 2024/2025, que se inicia entre meados e final de setembro, prevê-se uma grande safra no país”, comenta Felipe Jordy, ressaltando que este cenário também pode refletir na continuidade da pressão baixista sobre os preços.
Outro ponto importante são as exportações, que devem ser menores este ano, devido à menor produção. “Estima-se que o volume total de exportações de soja e milho atinja 129 milhões de toneladas, cerca de 28 milhões de toneladas a menos do que na safra anterior, sendo o milho o principal responsável por essa queda, com redução de aproximadamente 19 milhões de toneladas”, afirma.
PIB avança de forma insustentável
O deslanchar da economia brasileira no segundo trimestre de 2024 teve forte contribuição do consumo nos lares, que cresceu 4,9%. Conforme o IBGE, o resultado foi influenciado pelo aumento tanto na massa salarial real como no crédito disponível às famílias e pelos juros menores.
O especialista da FGV destaca que o avanço do consumo das famílias foi puxado pelo mercado de trabalho, assim como a melhora da remuneração média que, segundo o economista, tem crescido de forma acelerada.
No entanto, Serigati faz ressalvas quanto à política fiscal expansionista que o governo tem adotado através de transferências de recursos diretos para os domicílios como previdência, funcionalismo, BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-desemprego, bolsa família e etc.
“Esse tipo de gasto é convertido rapidamente em consumo, mas não é apenas isso! Os gastos também têm aumentado na direção daquilo que a gente pode chamar de investimentos”, diz o especialista. Segundo ele, apesar de no curto prazo o cenário econômico ser positivo, há um desequilíbrio a médio prazo. Serigati chama atenção para o crescimento do volume de importações. De abril a junho deste ano, as importações de bens e serviços subiram 14,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.
“Isso significa que a gente está tendo uma expansão do consumo das famílias e que o setor produtivo não está conseguindo atender plenamente esse consumo. Então, o Brasil está importando, além de bens finais, mas principalmente, peças e componentes – com destaque para o setor industrial. Então, há um crescimento onde a economia não está conseguindo acompanhar essa demanda”, analisa Serigati.
Assim como o PIB, inflação avança e cresce a percepção sobre aumento de juros
O pesquisador da FGV Agro também argumenta que uma outra forma de ver esse desequilíbrio é pela inflação. Conforme o Boletim Focus, divulgado nesta segunda, 2, pelo Banco Central, a projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024 aumentou pela sétima semana consecutiva, de 4,25% para 4,26%. O centro da meta da autarquia financeira é de 3%.
Diante do avanço da economia, assim como da inflação, crescem as apostas em torno de uma elevação da Taxa Básica de Juros, a Selic. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central acontecerá entre os dias 17 e 18 de setembro.
“Tem agente no mercado vendo a necessidade ou a possibilidade, ainda este ano, de uma nova elevação, aliás, após esses números divulgados do PIB, voltou com alguma força a tese de que talvez esse aumento ao longo deste ano não seja só de 0,25 ponto percentual, mas de meio ponto percentual”, diz Serigati.
Especialistas ouvidos pelo Agro Estadão apontam que a elevação da taxa de juros pode comprometer a captação de recursos, além da tomada de crédito por produtores e setores agropecuários.
Aumentam-se os gastos e as incertezas
Por fim, Serigati comenta a expansão dos gastos públicos. “Está tendo um desequilíbrio grande entre receita e despesas do governo [e isso] tem gerado apreensão dentro do mercado”, explica.
“Então, por mais que no curto prazo tenhamos uma fotografia que deve garantir um mercado aquecido para o segundo semestre, um natal mais confortável para o comércio varejista, para o setor de serviços e inclusive para o universo agro… isso daqui [economia brasileira] não está crescendo em bases estáveis, então, será razoável se a gente tiver alguma reversão dessa tendência seja em 2025, seja em 2026”, conclui Serigati.
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