
Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Por que o Brasil precisa de um Radar Sanitário Agropecuário?
Uma solução de alto valor estratégico que pode garantir a segurança sanitária e econômica do país
06/06/2025 - 08:00

O Brasil é, indiscutivelmente, uma potência agropecuária global. Nossa liderança na exportação de proteína animal, grãos, café, suco de laranja e frutas não é apenas uma conquista econômica — é uma responsabilidade estratégica. Mas esse protagonismo está sob constante ameaça: pragas, doenças, zoonoses e eventos sanitários inesperados podem abalar em questão de dias toda a cadeia produtiva, derrubar mercados e gerar prejuízos bilionários. O último susto foi o da gripe aviária. O caso mais emblemático de danos decorrentes da doença é o dos Estados Unidos, onde a disseminação da gripe aviária em granjas comerciais levou ao abate e ao descarte de mais de 170 milhões de aves desde 2022. Na Polônia, somente neste ano, mais de 11 milhões de aves foram abatidas devido a 82 focos de gripe aviária.
No Brasil, em 15 de maio de 2025, o primeiro foco de Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (H5N1 ou gripe aviária) foi confirmado pelo Ministério da Agricultura em uma granja comercial no Rio Grande do Sul. Foi um marco importante, pois até então os casos no país estavam restritos a aves silvestres. O surto, ainda que limitado, teve impactos imediatos na economia e na saúde pública. Destinos como China, União Europeia, Argentina, México e Canadá, entre outros, suspenderam as importações de carne de aves do Brasil, afetando o mercado bilionário de exportação. A China, principal importadora de carne de frango brasileira, suspendeu as compras por 60 dias, afetando cerca de 14% das exportações anuais do setor. O surto afetou a produção de aves em granjas comerciais, com medidas de isolamento e controle sendo implementadas. Houve muita especulação, com o setor de proteínas enfrentando pressão e o setor exportador sendo penalizado. O governo brasileiro decretou emergência zoossanitária por 60 dias para conter o avanço da doença. Quanto à saúde pública, apesar de o risco de transmissão da gripe aviária para humanos ser baixo, o Ministério da Saúde emitiu alerta informando sobre a importância de evitar contato com aves infectadas.
Há décadas a pesquisa agropecuária brasileira desenvolve trabalho fundamental no combate à gripe aviária, atuando desde a detecção precoce e monitoramento genético do vírus até o desenvolvimento de vacinas e suporte a políticas públicas. Estudos em virologia e genômica ajudam a entender a evolução e o risco de transmissão do vírus para humanos, enquanto pesquisas em biossegurança orientam boas práticas de manejo sanitário. A ciência também apoia a formulação de estratégias eficazes de saúde pública, compensação econômica e comunicação de risco. No Brasil, instituições como a Embrapa e o Instituto Butantan lideram ações de vigilância, vacinação e biossegurança, enquanto no cenário internacional, projetos como o FluAlert e o GISRS promovem a cooperação global e o intercâmbio de dados para prevenir surtos e preparar respostas coordenadas.
O que nos falta então para enfrentar surtos, como o da gripe aviária, e outros que ainda estão por vir? A resposta é um sistema moderno, integrado e inteligente de vigilância: um Radar Sanitário Agropecuário. Não se trata de mais um software, plataforma ou um projeto experimental. Estamos falando de uma solução de alto valor estratégico para a segurança sanitária e econômica do país. A ausência de um sistema robusto e ágil de alerta precoce e resposta coordenada é uma das principais vulnerabilidades do agronegócio nacional. Quando a informação está fragmentada, a reação é lenta — e isso custa caro. Muito caro.
O conceito do Radar Sanitário propõe exatamente o contrário: antecipar-se. Detectar sinais fracos antes que se tornem surtos incontroláveis. Unificar dados hoje dispersos — de laboratórios, serviços veterinários, dados climáticos, sensores em campo, imagens de satélite e até sinais indiretos como buscas por sintomas em plataformas digitais. Tudo isso analisado em tempo real com apoio de inteligência artificial (IA), aprendizado de máquinas (machine learning) e sistemas georreferenciados. É a era da vigilância inteligente chegando ao campo.
Não se trata de uma utopia tecnológica. A base já existe: o Sistema Brasileiro de Vigilância e Emergências Veterinárias (e-Sisbravet), a Plataforma de Defesa Agropecuária, os programas nacionais de sanidade animal, as estruturas estaduais — como o Sistema Informatizado de Gestão de Defesa Animal e Vegetal (Gedave) do estado de SP — as iniciativas de empresas integradoras e as soluções criadas por Agritechs. O que falta é integração, interoperabilidade e inteligência analítica que transforme dados em ação. O Radar Sanitário propõe isso: um sistema unificado, preditivo e acionável.
É possível estabelecer o Radar Sanitário como um projeto-piloto, com três cadeias produtivas animais (bovinos, suínos e aves) e três vegetais (soja, milho e café). A iniciativa não só é viável, como estratégica. As cadeias representam parte significativa do Valor Bruto da Produção Agropecuária nacional. Estabelecer um protótipo funcional nessas áreas pode servir de modelo escalável para o restante do sistema. As chances de geração de impacto positivo são significativas.
Há, claro, desafios relevantes: financiamento, governança, gestão de dados confidenciais e articulação entre esferas públicas e privadas. Mas esses obstáculos não devem nos paralisar — e sim nos mobilizar. A criação de um comitê gestor multidisciplinar é um passo essencial, assim como estabelecer parcerias com órgãos públicos e entidades setoriais.
Mais do que uma proposta técnica, o Radar Sanitário Agropecuário é uma visão de futuro. Um instrumento de proteção à produção agropecuária nacional, de garantia à saúde pública (especialmente diante de zoonoses) e de fortalecimento da posição brasileira nos mercados globais. Em um mundo cada vez mais atento a padrões sanitários, transparência e rastreabilidade, não podemos ser reativos — a pró-atividade é essencial. Antecipar ao invés de reagir.
Ignorar essa oportunidade é aceitar o risco de ver, mais cedo ou mais tarde, nossa competitividade ruir diante de uma crise sanitária evitável. O Radar Sanitário Agropecuário não é apenas desejável — é necessário. E o momento de agir é agora.

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