Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Cinco décadas de inovação agropecuária
Moretti relembra as grandes conquistas que a inovação agropecuária trouxe para o Brasil
A inovação transformou a agricultura, a pecuária e o setor florestal brasileiros. Em menos de cinco décadas o Brasil deixou de ser um país que vivia em insegurança alimentar para se tornar um dos maiores players globais na produção de alimentos, fibras e bioenergia. No final dos anos 60 o Brasil era então conhecido como produtor de café, açúcar e cacau, as chamadas commodities da época. O país ainda importava grande parte do que consumia: arroz, feijão, carne, leite, milho, trigo e outros cereais. Em 1986 havia preocupação de que a proteína animal importada da Europa estivesse contaminada com radiação oriunda do acidente de Chernobyl.
O estoque de tecnologias disponíveis era insuficiente para fazer avançar um setor que ainda era visto com preconceito pela sociedade urbana. O país buscava seu lugar ao sol como país industrializado. Ficar na roça, no campo, era sinal de subdesenvolvimento. As universidades agrárias distribuídas em todo território nacional formavam profissionais capacitados. Mas faltava maior investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação agropecuária tropical. Em 1973 foi estabelecida a Embrapa. A cultura de vanguarda da instituição começou a ser forjada logo nos primeiros anos de existência, quando foi enviada ao exterior uma legião de mais de 1000 pesquisadores para as melhores escolas de agricultura do mundo. Paralelamente, foram criados em todo o território nacional centros de pesquisa para estudar os principais produtos agrícolas e pecuários do país.
Cinquenta anos se passaram. Um período relativamente curto quando se pensa na história dos povos ou de uma nação. Mas foi nesse reduzido intervalo de tempo que o Brasil se tornou uma das maiores potências agrícolas e ambientais do mundo. Esse extraordinário desempenho esteve basicamente calcado em três grandes pilares: a transformação dos solos ácidos e pobres, sobretudo dos cerrados, em terra fértil; a adaptação de animais e cultivos às condições tropicais; e o desenvolvimento de uma plataforma de produção sustentável. O agro brasileiro floresceu. Uma parceria entre institutos de pesquisa, universidades, órgãos de assistência técnica e extensão rural e cooperativas abriu caminhos para um setor privado ágil e pujante, composto de produtores empreendedores, corajosos e destemidos, que transformou a realidade de várias regiões brasileiras. A produção agrícola no Brasil cresceu vertiginosamente. A safra de grãos multiplicou por dez, passando de 30 milhões de toneladas em 1973 para cerca de 320 milhões de toneladas na safra 2022. Não demorará a ultrapassarmos a marca dos 500 milhões de toneladas. O agro brasileiro exporta para mais de 200 mercados em todo o globo. Responde por mais de 25% do PIB, 30% dos empregos formais e quase 50% das exportações brasileiras (2023). Produzimos e preservamos o meio ambiente como ninguém: são mais de 500 milhões de hectares protegidos ou preservados na forma de matas e florestas nativas. As atividades agrícolas, pecuárias e florestais ocupam ao redor de 30% do território brasileiro. É nesse espaço que estão mais de 100 milhões de hectares de pastagens degradadas. Com tecnologia, boa parte dessa área pode ser reconvertida em agricultura. Podemos aumentar, de forma significativa, a produção de alimentos no Brasil sem a necessidade de desmatar mais um milímetro quadrado sequer. Temos tecnologia para isso! O Brasil foi capaz de tropicalizar cultivos, assombrando o mundo. Produzimos soja acima da linha do Equador, no lavrado roraimense. Nos últimos anos trouxemos o trigo para os Cerrados. Produtores em Goiás colheram quase dez toneladas por hectare de trigo, recorde mundial de matéria fresca por dia de ciclo. Agora, é a vez da canola, que já ocupa áreas de grãos no Brasil Central.
Apesar de todos os avanços, os desafios ainda são grandes. Com o aumento da população mundial, as mudanças climáticas, a prioridade para a sustentabilidade e a crescente demanda por alimentos, fibras e energia, é fundamental que o agro brasileiro continue a trabalhar em soluções para garantir a segurança alimentar global. Adicionalmente, é preciso dar suporte aos milhões de produtores rurais que precisam de conhecimento e tecnologia para alcançar o mercado, aumentando renda e bem-estar. O mundo sabe que depende do Brasil para a garantia da segurança alimentar, o combate das mudanças climáticas e para descarbonizar a economia. Temos tecnologia tropical, agricultores competentes e lideranças capazes. Que venham os novos desafios!
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