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Fazenda diz que recursos para Planos Safra "serão cada vez mais comedidos"

Subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, avalia os desafios do Plano Safra

14 minutos de leitura 12/07/2024 - 05:00

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Daumildo Júnior | daumildo.junior@estadao.com

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Lançado na primeira semana de julho, o Plano Safra 2024/2025 prevê R$ 476,59 bilhões em crédito rural para pequenos, médios e grandes produtores. Apesar do valor recorde, os aumentos ano após ano devem ficar mais contidos ou até mesmo serem corrigidos pela inflação, na visão do subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt.

Com mais de 15 anos no serviço público federal, o subsecretário é um dos responsáveis por organizar a política de crédito rural no Brasil. Entre idas e vindas no executivo federal, Bittencourt já passou por diversos cargos dentro do Ministério da Fazenda, da Casa Civil, do Ministério do Planejamento e do Ministério do Desenvolvimento Agrário. 

O Agro Estadão conversou com ele para entender o fluxo do recém anunciado Plano Safra e questionou alguns pontos colocados pelo setor, como a falta de redução nas taxas de juros da maioria das linhas. Bittencourt também rebateu críticas apontadas ao governo federal e apoiou a fala do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de que o Plano Safra não foi o ideal, mas sim o possível. Confira. 

Agro Estadão – Você já participa da elaboração de planos safras há algum tempo e tem uma grande experiência nesse assunto. Como o governo atual, especialmente, o Ministério da Fazenda, avalia a política agrícola de crédito que é adotada hoje no Brasil?
Gilson Bittencourt – Eu participei diretamente de 15 dos últimos 24 planos safras. Cada um tem uma característica e depende muito da disponibilidade de fontes e de recursos para pagamento, de como foi o comportamento do ano anterior e a situação do setor. Então, é um mix com diferentes elementos. Ao longo da história, a construção do plano cada vez vai se tornando mais complexa, seja pelo tamanho da nossa agricultura, seja pela capacidade do Estado brasileiro em conseguir atender o maior número de produtores ou o maior número de situações possíveis. Há 20 anos, um plano safra da Agricultura Familiar era de R$ 2 bilhões ou R$ 3 bilhões. As fontes de recursos, talvez a que mais se ampliou nesse período, foi a LCA [Letras de Crédito Agrícola], mas o tamanho era muito pequeno e era mais simples a construção do plano. 

Agro Estadão – E na agricultura empresarial
Gilson Bittencourt –  No caso da Agricultura Empresarial, os volumes eram maiores, mas nós falávamos algo em torno de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões. Eram valores infinitamente menores. O próprio custo do plano acabava ficando pequeno frente ao tamanho que você tinha na época, mas logicamente que a produção agrícola seja de milho, de soja, de pecuária de corte, de leite, de café, arroz, todas eram menores do que a gente tem hoje. O Pronaf não é mais R$ 2 bilhões, estamos falando em R$ 70 bilhões. Para a Agricultura Empresarial, a gente sai de R$ 15 bi para R$ 400 bi em 20 anos. Você pode atualizar a inflação que você quiser, não vai subir nesse patamar. Historicamente, o plano safra vem crescendo mais do que a inflação. Hoje, temos 25 instituições operando um conjunto grande de programas, tem bem mais linhas, volume infinitamente maior e um certo esgotamento das fontes de recurso mais barato. Não que não tenha recurso para financiar o Agro. Você tem fontes. O problema é que elas são, para efeito de equalização, cada vez mais caras. Então hoje, para você construir um plano safra é bem mais difícil. Com a Selic que a gente tem, a situação fica ainda pior. 

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Agro Estadão – A Selic está em 10,5%, mais baixa que no ano passado.
Gilson Bitencourt – Mas ano passado tinha uma Selic de 13,75% e esse ano tá 10,5%. Os custos do dinheiro aumentaram do ponto de vista em que reduziu a disponibilidade de poupança, reduziu o depósito à vista que eu tenho para emprestar, aumentaram os spreads. O plano safra não é baseado somente na Selic do momento. A Selic do momento interfere muito no custo do primeiro ano e do segundo ano. Mas você calcula da data da contratação estimada até o último dia da vida deste contrato. Então, tem operações que demoram 20 anos. Na prática, em relação ao ano passado, o plano está custando mais do que a gente previu. Porque quando a gente fez o plano em junho do ano passado, a expectativa era que neste momento a Selic já estivesse em torno de 9,5% a 9,75% até chegar lá no final do ano em 8,5% a 9%. Como isso não se concretizou, nós vamos gastar mais do que prevíamos. Depois de 15 anos, talvez este foi um dos mais difíceis de você conseguir encaixar fontes com recurso disponível para tentar chegar a um plano de Safra. Então, a gente sabe que há questionamentos, mas não dá para você reduzir as taxas de forma linear só porque caiu a Selic. Eu diria que o ideal seria ter conseguido reduzir ainda mais as taxas de juros, especialmente daqueles programas que estão com mais de dois dígitos e nós até tentamos. Só que quando a gente foi trabalhar na discussão do custo, nós “empacamos” nisso. E aí foi uma decisão muito técnica. O que que eu faço? Eu reduzo as taxas de juros e reduzo mais os limite de recursos que eu vou equalizar ou consigo manter um valor mínimo, inclusive com o crescimento no volume, principalmente, de investimento?  A opção foi a segunda, porque mesmo assim o custo ao longo da vida deste plano safra subiu de R$ 5,1 bilhões para R$ 5,9 bilhões. Então, teve um aumento aí de 16,4%, que é quatro vezes a inflação. E se você pegar as taxas de mercado, é Selic mais 4% ou 5%. Então, 10,5%, que é a maior parte dos programas, não é uma taxa absurda considerando a nossa economia atual.

Agro Estadão – Você comentou que este foi um dos planos safra mais difíceis. Na sua visão, o que foi mais desafiador nessa tomada de decisão do Ministério da Fazenda e da parte de conciliação com os pedidos que vieram dos demais ministérios?
Gilson Bittencourt – O primeiro desafio que independia da discussão de custo era funding. Lá em maio a gente começou a trabalhar e o Banco Central faz uma estimativa de quanto ele acha que vai ter [das fontes de recursos]. Aí em maio, ele me disse o seguinte, ‘no ano passado tinha R$ 78 bilhões de depósito à vista e neste ano você vai ter R$ 58 bilhões’. Já de cara, tenho R$ 20 bi a menos do que eu tinha. O segundo dado, sobre poupança, no ano passado tínhamos R$ 77 bilhões e, neste ano, R$ 43 bilhões. Então, só aqui foram mais R$ 30 bi vezes 3,5%, que é a diferença da taxa da poupança para o CDI, que é onde terei que buscar esses R$ 30 bi. Como eu tenho um plano safra que ao longo dos anos ele vai crescendo e cada vez mais eu estou emprestando mais para investimento e o que tá retornando dos investimentos passados é menor do que o que eu tô emprestando, até que a gente tenha uma estabilidade na aplicação, eu vou começar a apertar. Parte desse problema no passado era resolvido com o crescimento da captação. Então, se eu tenho mais a Selic baixa, a tendência do comparativo entre aplicar num fundo ou numa LCA ou numa poupança, reduz. E aí eu tenho mais estímulo da aplicação em poupança. Porém, nesse último período, não teve aumento da captação e não compensou. Então eu perdi uma fonte que, a princípio, não me custa nada de equalização [depósito à vista] e também uma outra, que na média custa 3,5% a mais. Passaram também a disponibilidade das outras fontes de recursos e fomos olhar a aplicação dos bancos, que a maioria ficou acima de 50%. Aí conseguimos fechar o volume de recursos e fechamos as fontes. 

Agro Estadão – E onde entrou a negociação com os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário?
Gilson Bittencourt – O Mapa fez uma proposta com redução de taxas e mandou para o cálculo. A gente fez uma proposta do ponto de vista técnico, inclusive pensando numa redução em algumas linhas pontuais, só que a gente não tinha custo. Quando a gente juntou a proposta do Mapa, com a nossa proposta, com o que os bancos informaram, que tinham menos dinheiro de poupança para equalizar e quando a gente fez as contas, não bateu. Não bateu tanto do MDA quanto do Mapa. As contas davam um crescimento sobre o ano anterior que era insuportável de alocar no orçamento seja de 2024, seja de 2025, seja quando a gente olhava os demais anos. 

Agro Estadão – Foi preciso rever?
Gilson Bittencourt – Em alguns casos, o MDA reviu e manteve a taxa, em outros ele revisou e teve que compensar e diminuiu o volume. A proposta inicial deles era muito maior. Do Mapa, a conta foi muito difícil. Aí foi se fazendo ajustes e foi uma decisão do Mapa – deixa de ser uma decisão da Fazenda – ou seja, a Fazenda tem esse limite e tem que chegar o mais próximo possível. Então o Mapa, corretamente, foi ver Pronamp, PCA, Renovagro, que tem taxas de até 8,5% e viu que estava ok e decidiram não mexer. Nos demais eles foram fazendo conta. Aí falavam, ‘Tesouro reduz meio ponto aqui’. O Tesouro calculava e dizia, ‘para reduzir meio ponto aqui, você tem que reduzir x do volume’. Foi-se calculando até chegar na redução da taxa mais elevada [de 12,5% para 11,5% do Moderfrota]. Não foi a Fazenda que disse ‘reduza isso’. Seria interessante, seria bom? Lógico que seria bom, mas é importante comparar com outras situações que foram colocadas neste ano, de restrição de fontes e Selic alta. Ano que vem, vamos ter problema similar.

Agro Estadão – Tendo em vista o orçamento limitado e a perspectiva de que cada vez mais o plano safra tem dependido de fontes mais caras de recursos, é possível dizer que já estamos chegando a um platô em volume do Plano Safra nos próximos anos?
Gilson Bittencourt – Primeiro, efetivamente aqueles aumentos de 20%, 30%, sobre um determinado ano anterior, eu diria que é cada vez mais difícil. Uma coisa é você aumentar 30% de R$ 50 bilhões, outra coisa é aumentar 30% de R$ 100 bilhões, 30% sobre R$ 400 bilhões. Nós estamos chegando num ponto que os aumentos de cada plano Safra vão ser cada vez mais comedidos, mais próximos efetivamente até da inflação, do que necessariamente do total. Segundo, tem uma uma questão que é de princípio. Quando é para cobrar e questionar o governo, algumas organizações mudam o discurso de acordo com o interesse político. Se você olhar os discursos gerais sempre é foco para Agricultura Familiar. Esse foco está dado [com crescimento do Pronaf]. Teve um aumento do custo, porque o Pronaf é só com recursos controlados. Aí o segundo discurso é que precisamos focar no médio. O médio foi focado. No Pronamp, todo o recurso é com recurso controlado. Ou é [fonte de] depósito à vista ou é equalizador. Nós aumentamos o recurso do Pronamp em cerca de 6% em cima do ano passado. Então, também tem um aumento real. O terceiro discurso é o foco em investimento e o custeio dos médios e grandes. Só que essas mesmas pessoas têm esse discurso, hoje para bater no governo, estão dizendo que o governo tinha que equalizar recurso do custeio para os grandes produtores e com taxas cada vez menores. Mas o discurso efetivo sempre foi familiar, médio e investimento para os grandes, que é o que a gente tentou priorizar. A gente aumentou o recurso equalizado para investimento, diminuiu o custeio, mas aumentou o do investimento. Então a gente está em sintonia com o discurso geral das instituições. 

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Agro Estadão – E qual seria a melhor equação?
Gilson Bittencourt – A tendência, talvez, é cada vez mais o plano safra com recursos controlados, o que tende a ficar limitado e crescer cada vez menos. Isso não quer dizer que a disponibilização de recursos a taxas livres não possa crescer. Talvez não no mesmo percentual de 30%, 20% ao ano em termos de volume, como você tinha no passado. E aí é importante duas questões específicas. A primeira é que quando você olha o custo de produção este ano, está menor do que no ano passado, de 15% a 20%. Então quando você tem um plano safra que cresce 10% ou 15% dependendo se eu olho recursos livres ou se eu olho o total de recursos, na prática o crescimento é maior. Porque com os mesmos R$ 1 milhão, eu faço mais do que eu fazia antes em termos de custo de produção. 

Agro Estadão – Dentro dos diálogos com o Mapa, por que o Moderfrota foi a linha escolhida para ser a única com redução de taxa? 
Gilson Bittencourt – A proposta foi do Mapa, não foi da Fazenda. Inclusive para ter esta taxa, o Mapa optou por reduzir o volume que estava em discussão. E aí acho que eles olharam duas questões: por ser a taxa mais alta, e em função da importância do desenvolvimento tecnológico. É importante dizer que, apesar de ser 11,5%, ainda com dois dígitos, há uma demanda inclusive por linhas em dólar, onde tem além do custo financeiro, que normalmente é menor que 11,5%, tem também o risco cambial. Eles [Mapa] têm todo o direito de propor porque aí, esse ajuste final cabendo no custo, não temos o que dizer, não temos nenhuma divergência técnica quanto à escolha do Mapa. As pessoas estão olhando o Plano Safra no empresarial e dizendo: “ah, não caiu”. Mas olha as taxas, compara as taxas com o mercado. Então, não foi a taxa ideal que todo mundo queria, mas foi a possível. Eu acho que o presidente Lula foi muito feliz na hora do lançamento, dizendo, “olha não é a do sonhos, mas foi a possível”, considerando a própria cobrança do mercado sobre a gente. O próprio setor, o próprio Congresso Nacional nos cobra determinadas atitudes e a gente precisa ouvir o Congresso e aí respeitar o arcabouço. Ano que vem, talvez a gente possa ter uma situação melhor, mas dificilmente a gente vai conseguir ampliar significativamente o recurso controlado. Talvez consiga baixar um pouco mais a taxa de juros, dependendo de como estiver a Selic.

Agro Estadão – Neste ano, o governo também modificou as regras de como os bancos podem solicitar os recursos. O ministro Carlos Fávaro disse que havia instituições que pegaram muito dinheiro, mas não conseguiram aplicar de fato. Como ficaram essas regras?
Gilson Bittencourt – No passado, a gente foi muito cobrado, porque a gente fez uma distribuição de recursos pelo menor custo [spread], então às vezes sobrava dinheiro em uma instituição e faltava em outra, mas neste ano, além de olhar o spread, a gente olhou a performance. As instituições que aplicaram menos de 40% podem crescer 25% sobre o que elas aplicaram; quem aplicou de 40% a 70% do previsto pode crescer 40%; quem aplicou mais de 70% pode crescer o que quiser até alguns determinados limites. Por exemplo, ano passado teve uma instituição que pegou quase R$ 30 bilhões e aplicou R$ 8 bilhões. Quando levou o recurso era por um spread baixo, quando ela devolveu, eu não conseguia dar os mesmos R$ 20 bi que sobraram para outra instituição, porque tinha um spread mais caro. Além disso, cada instituição pode pegar 5% de cada linha para cada estado que ela opere. Ano passado, teve crítica porque teve banco vinculado a uma única montadora que pegou 30% de uma linha. Não só não aplicou tudo, como acabou sendo um privilégio para aquela instituição. Este ano, nenhuma instituição vinculada a um único grupo econômico, que tenha mais de 50% das suas operações para vender aquele produto, pode levar mais do que 5% de uma linha. E a gente também travou para instituições novas que nunca operaram ou que estão operando em linhas novas (em 3%). Então são regras que foram demandadas pelos setor, que dizia que mesmo com as taxas de juros questionadas, tinha uma demanda que não estava sendo atendida, e mesmo quando tinha devolução, a gente não conseguia realocar na mesma proporção. É um processo de aprendizado para nós.

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