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Embrapa cria método para identificar fraudes no mel de abelhas nativas
Pesquisa usa luz infravermelha e pode ser um passo decisivo para a certificação do produto no país

Igor Savenhago | Ribeirão Preto
17/02/2025 - 08:18

Um estudo desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (SP), em parceria com o entreposto Vida Natural, pode representar um marco importante para a certificação de mel de abelhas nativas (sem ferrão) no país. Utilizando uma tecnologia com luz infravermelha, os pesquisadores conseguiram uma taxa de acerto de 100% na diferenciação entre vários tipos do produto e na identificação de possíveis fraudes na composição.
A equipe que trabalha no projeto é formada pelo biólogo Cristiano Menezes, pela cientista de alimentos Aline Telles Biazoto Marques e pela engenheira agrônoma Simone de Souza Prado. Em 2018, eles foram procurados por Édson de Rezende, proprietário do entreposto em Artur Nogueira (SP), que buscava respostas para duas perguntas: É possível criar um método para descobrir se um tipo de mel é mesmo de determinada espécie de abelha? E para analisar se a colmeia foi alimentada com xarope de sacarose, com o intuito de fraudar a produção?
“Eram questionamentos que a ciência ainda não conseguia responder”, afirma Menezes. A partir do desafio, os pesquisadores passaram a investigar, inicialmente, a possibilidade de definir parâmetros comuns para a grande variedade de mel nativo existente no Brasil — o país tem mais de 300 espécies de abelhas sem ferrão, resultando em uma imensa gama de sabores e aromas.
“Produzimos um artigo científico e apresentamos ao Ministério da Agricultura (Mapa), que exige padrões específicos para o processamento de mel no Brasil e nos quais o produto das abelhas sem ferrão não se encaixa. Por isso, é difícil formalizar esse mercado. Não por mau manejo, mas por características naturais mesmo, como uma quantidade de água maior em relação ao mel de abelhas com ferrão”, explica Menezes.
Após avaliarem o material enviado, os técnicos do Mapa fizeram apontamentos. Queriam saber, por exemplo, como os pesquisadores poderiam ter certeza de qual espécie produziu uma carga específica de mel que chega ao entreposto. Menezes, Aline e Simone recorreram, então, ao espectrômetro NIR, equipamento que faz análise, por meio da incidência de luz infravermelha, de padrões físico-químicos de diversos compostos, como alimentos, solo, forragem, dejetos, entre outros.

Usando amostras de mel das abelhas nativas jataí, mandaguari e mandaçaia, das quais conheciam a procedência, os pesquisadores extraíram as características de cada tipo. Depois, compararam com amostras recebidas pelo entreposto. As que seguiam os padrões originais eram classificadas como legítimas, e as que não seguiam, como adulteradas. A taxa de acerto com a tecnologia foi de 100%.
O mesmo percentual foi atingido na verificação do uso de xarope de sacarose para alimentar as abelhas — prática adotada para acelerar a produção, sobretudo na ausência de néctar, gerando um produto falsificado. O equipamento permitiu, ainda, avaliar o tempo de estocagem do mel nas colmeias.
“Esse é um fator importante também, porque o mel que fica muito tempo em contato com o cerúmen das colmeias vai perdendo os aspectos florais, outro indicativo de qualidade”, conta Menezes. “A nossa expectativa, com a pesquisa, é possibilitar a estruturação de um esquema de certificação para garantir ao consumidor que ele está comprando realmente o mel desejado e também proteger o produtor de falsificadores”, complementa o pesquisador da Embrapa.
Versão portátil
A cientista de alimentos Aline Marques explica que existem duas versões disponíveis do espectrômetro NIR: o de bancada, que chega a custar até R$ 1 milhão, e o portátil sem fio, que sai por cerca de R$ 30 mil. O estudo demonstrou que ambos os equipamentos fazem análises corretas. “Isso é muito positivo porque, com um custo bem mais acessível, os entrepostos poderão ter o portátil na própria linha de envase”, explica a pesquisadora.
Outro benefício, segundo ela, é que a tecnologia não requer nenhum tipo de reagente químico e nem destrói a amostra analisada. “Não temos conhecimento de nenhum entreposto no Brasil que usa o equipamento. O Vida Natural, nosso parceiro no projeto, será pioneiro”, afirmou em entrevista ao Agro Estadão.
A empresa em Artur Nogueira existe há 40 anos. Por ano, recebe, analisa, processa e envasa cerca de 10 mil quilos de mel nativo e 300 mil quilos de mel de abelhas Apis mellifera, com ferrão. Tem 540 produtos registrados no mercado, sendo 168 provenientes de espécies sem ferrão. “A meliponicultura [criação de abelhas nativas] ainda é uma atividade imatura no Brasil, mas tem crescido muito. Procuramos a Embrapa no intuito de contribuir para um avanço ainda mais rápido do setor”, afirma o proprietário, Édson de Rezende.
O empresário lembra que a cadeia produtiva do mel está entre as três mais fraudadas do mundo. E que a chegada da tecnologia à empresa será significativa para o aprimoramento do controle de qualidade. Enquanto isso não acontece, já que a pesquisa precisa ainda passar por algumas etapas, Rezende faz um trabalho prévio de rastreabilidade, com visitas frequentes às propriedades dos fornecedores — que deverão se tornar dispensáveis em breve — e rigorosas análises laboratoriais. Cada uma exige, em média, 300 ml de mel, enquanto a quantidade necessária para o espectrômetro será de somente 3 ml.
“A meliponicultura sofre com a falta de incentivos ao consumo. O resultado é um desconhecimento por parte da população e desorganização da cadeia. Por isso, é uma satisfação saber que estou colaborando para o desenvolvimento do setor no país”, declara.

Próximos passos
Um dos desafios da pesquisa, a partir de agora, é alimentar um banco de dados com amostras da maior quantidade possível de mel de abelhas nativas. Menezes explica que isso deve abrir caminho para as análises serem cada vez mais robustas, diferenciando rapidamente, por exemplo, amostras do mesmo tipo de abelha, mas que são provenientes de regiões distintas do Brasil.
“Quanto mais amostras de mel verdadeiro a gente conseguir, mais vai ampliando a abrangência”, diz o biólogo, informando, também, que a metodologia poderá ser aplicada para o mel de abelhas com ferrão.
Para aumentar ainda mais a segurança das análises, os pesquisadores vão cumprir, ainda, uma fase de investigação genética, que deverá ser concluída até a metade deste ano. Simone Prado, responsável pela condução desse trabalho, explica que as abelhas nativas possuem dois marcadores moleculares bastante característicos. O objetivo é saber se esse material também está presente no mel produzido por elas.
“Essa é uma etapa um pouco mais longa, já que depende de enviar para sequenciamento genético. Se observamos que o mel tem os marcadores, será possível confirmar, também por essa análise, que um tipo de mel é de uma espécie específica de abelha, evitando adulterações, que são muito comuns nesse mercado”, conclui Simone.
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