Sustentabilidade
Usinas biodigestoras: multinacional brasileira entra em mercado de resíduos e projeta crescimento com adesão de cooperativas e produtores rurais
Vantagens vão desde a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa a aumento de produção

Daumildo Júnior | daumildo.junior@estadão.com
24/03/2024 - 10:15

O mau cheiro causado por dejetos da produção de suínos, aves e bovinocultura de confinamento pode estar com os dias contados. Essa é uma das vantagens das usinas biodigestoras que vêm sendo desenvolvidas pela multinacional Tupy em parceria com cooperativas e produtores rurais.
“São projetos de manejo de resíduos da produção de proteínas, seja origem suína, de aves, bovina ou até mesmo de resíduos sólidos urbanos, que nós podemos tratá-los dentro de um biodigestor. A partir dali se produz o biogás, que em seguida é transformado no biometano, e passa por um processo de separação. Isso gera um coproduto, que nós fazemos um enriquecimento com uma parcela pequena de minerais e formando um biofertilizante, um fertilizante que se chama organomineral”, resume o CEO da Tupy, Fernando Cestari de Rizzo, em entrevista ao Agro Estadão.
O processo de produção é simples, porém, envolve muita tecnologia. O primeiro passo é garantir a matéria-prima, os resíduos, que são transportados das propriedades para lagoas de armazenamento instaladas nos terrenos dessas usinas biodigestoras. Depois esse material passa por um sistema de biodigestão, no qual liberam gases e um subproduto sólido. Disso, são extraídos, basicamente, dois produtos: o biometano e o biofertilizante.
O chefe da companhia explica que o biometano, por exemplo, pode servir como combustível para motores de caminhão ou até mesmo gerar energia elétrica. Já os biofertilizantes, podem substituir os insumos químicos. Apesar disso, o grande potencial enxergado na implantação de uma dessas usinas é a economia circular gerada.
Até o momento, os projetos ainda são pilotos. Um deles é o que a empresa tem em parceria com a Primato Cooperativa Agroindustrial, em Toledo (PR). A primeira fase da operação tem previsão para começar no final de maio deste ano. A expectativa é de que a unidade de produção de leitões da cooperativa, onde o projeto está instalado, seja autossuficiente em energia e gere biometano capaz de abastecer oito caminhões que rodam quase 24 horas por dia nas atividades da Primato. Além disso, a produção de biofertilizantes deve chegar a 32 toneladas diariamente quando estiver 100% operacional.
“Queremos também nos tornar referência na região. Hoje tem produtores que produzem biometano, mas todo o resíduo sólido é ele quem dá o destino. Aqui estamos falando em fazer diferente, em fechar o ciclo”, afirma o presidente da Primato, Anderson Sabadin, ao Agro Estadão.
Outra usina instalada está na propriedade da produtora de leite Antonieta Guazzelli, em Boa Esperança (MG). Por lá, as 1.300 vacas girolandas são confinadas em um galpão que mantém uma refrigeração térmica em 20ºC. A produção é de 50 mil litros de leite diariamente. Apesar disso, a fazenda não consegue gerar dejetos suficientes para suprir toda a necessidade de energia elétrica da propriedade.
“Eu acho que o caminho é esse. Não tenha dúvida nenhuma. Na área de energia limpa, energia renovável, o Biogás faz parte, tem outras, mas o Biogás faz parte e os dejetos são realmente uma riqueza para uma fazenda. Os níveis de produtividade que nós temos na fazenda por conta desses dejetos são bem mais altos. Então, eu acho que tem que fazer o investimento. Não é fácil, não é um investimento baixo, mas é o caminho para a questão da redução do custo e a solução ambiental”, avalia a produtora.

Por dentro do acordo
O CEO da Tupy, Fernando Rizzo, esclarece que cada projeto tem uma dinâmica própria. No caso, da fazenda de leite, o contrato é de cinco anos (passível de renovação) e prevê a liberação do terreno para a usina e a entrega direta do biogás. A montagem da usina e o funcionamento ficam a cargo da companhia. Neste caso, o único produto gerado é a eletricidade, arcada a um preço inferior ao do mercado e que abastece a propriedade.
Já na usina da Primato, a obrigação da cooperativa é a entrega dos dejetos, disponibilização do local para a instalação da usina e a compra dos produtos (biofertilizantes, eletricidade e biometano). O contrato também é mais longo, 10 anos, e os valores da compra desses produtos são mais baixos (o biometano, por exemplo, chega a ser comercializado a 50% do valor do diesel).
Um aspecto fundamental é garantir a matéria-prima para o funcionamento da usina biodigestora. Por isso, é importante ter um nível alto de produção de dejetos. No caso de pequenos produtores, a Tupy indica que a instalação aconteça com no mínimo 10 produtores que consigam manter o fluxo de entrega dos resíduos. O caminho mais fácil é por meio das cooperativas.
Rizzo acredita que há um potencial grande de escala. Somente o rebanho estático de suínos é de 22 milhões. “A mensagem importante que nós queremos dar é que é um setor que nós vamos entrar, estamos investindo nesse setor, e a gente enxerga uma escalabilidade muito grande para esse negócio ao longo dos próximos meses e anos. A gente está discutindo com grandes empresas sim, grandes produtoras de proteínas no Brasil, para a gente instalar sistemas semelhantes em outras regiões”.
O projeto tem agradado tanto a Primato, que a ideia é expandir esse modelo de usina para outras regiões da cooperativa agroindustrial. Atualmente, a Primato conta com 10.600 cooperados, sendo que parte deles está envolvida nas atividades de suinocultura, avicultura e bovinocultura. A usina instalada só recolhe os resíduos de 32 suinocultores e da unidade creche de leitões.
O presidente Anderson Sabadin projeta vender o excedente da produção de biofertilizantes em supermercados para o uso em casa, em hortas urbanas, por exemplo. “Temos que ser especialistas para oferecer um produto similar ao químico e ser padronizado, para o produtor não ter sustos”, comenta ao dizer que os biofertilizantes terão granulações idênticas às praticadas no mercado convencional.

Vantagens das usinas biodigestoras
Sabadin conta que muitos produtores têm lagoas de dejetos nas propriedades e boa parte delas é a céu aberto. Isso causa mau cheiro e problemas ambientais, como a liberação de gases do efeito estufa, a partir da decomposição dos dejetos, e o risco de contaminação do lençol freático. Com as usinas biodigestoras, a vantagem imediata é a eliminação desses problemas. No entanto, os envolvidos também pontuam alguns benefícios a mais.
- Possibilidade de aumento da produção e da renda – Um dos impasses na produção de suínos, aves e bovinocultura de confinamento é o reaproveitamento dos dejetos da produção. Ter uma destinação para esses resíduos é fator condicionante para o crescimento ou não de uma produção desse tipo.
- Redução dos custos de produção – Algumas contas que podem diminuir são: eletricidade, combustível, gastos com destinação de resíduos e a compra de biofertilizantes mais baratos. A produtora Antonieta Guazzelli conta que a redução dos custos de produção na propriedade dela foi de 30,33%.
- Selo verde – Essas iniciativas favorecem a aquisição de certificações de produção com baixo carbono, o que agrega valor aos animais e facilita a entrada em mercados mais exigentes.
- Sistema autossuficiente – As usinas também ajudam na implementação de um sistema autossuficiente, já que a matéria-prima (dejetos) é um subproduto da cadeia de produção de proteínas animais.
“Mudança cultural”
O presidente da Primato entende que o processo ainda é novo e pode assustar a maioria dos produtores. No entanto, ele avalia que já vem acontecendo uma mudança de cultura.
“Eu diria que é uma mudança cultural. A gente está iniciando um trabalho que muda tudo que os nossos pais, aqueles que aqui chegaram, nos ensinaram. Não é tão simples. Quando nosso caminhão abastecido por biometano leva produto à propriedade, o produtor tira foto. Ele fala: ‘Mas como assim? Esse negócio funciona? Isso dá certo?’. Por isso, nós precisamos ser muito profissionais”, conclui Sabadin.

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