Sustentabilidade
Inseminação artificial reduz em quase 50% pegada de carbono da pecuária
IATF na pecuária de corte e leite gera impacto ambiental equivalente à retirada de mais de 850 mil carros de circulação e à preservação de quase 200 mil hectares de floresta

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com | Atualizada às 13h43
21/05/2025 - 08:00

Uma tecnologia já bastante usada em fazendas brasileiras pode ser uma grande aliada da sustentabilidade na produção de carne e leite. A inseminação artificial em tempo fixo (IATF), reduziu em até 49% a pegada de carbono da carne bovina e em 37% a do leite, ao mesmo tempo em que ampliou a produtividade. Os dados são de um estudo liderado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ/USP), em parceria com a empresa de biotecnologia GlobalGen vet science.
Para facilitar a compreensão do impacto desses dados no dia a dia, o médico veterinário e gestor nacional de marketing da GlobalGen, Gabriel Sandoval, usa uma analogia: “Só no gado de corte, a economia de emissões equivale redução de desmatamento de 192.584 hectares. No caso do leite, o ganho ambiental corresponde à remoção de 853.883 carros de circulação”, disse ao Agro Estadão. Segundo ele, essa comparação é feita para facilitar a compreensão das pessoas que não estão diretamente conectadas ao setor.
Sandoval destaca que a IATF é uma das biotecnologias reprodutivas com melhor custo-benefício — cerca de R$ 40 a R$ 50 por animal, incluindo protocolo e sêmen, sem considerar o trabalho do médico veterinário — e efeito duradouro nos rebanhos. Além de simplificar a rotina no campo, a técnica proporciona ganhos concretos em produtividade e na redução do impacto ambiental da pecuária. O levantamento indicou que a IATF aumentou a produtividade dos rebanhos: no caso da carne, o crescimento foi de 27%; no leite, de 25%.
De acordo com o professor titular da FMVZ/USP e coordenador do estudo, Pietro Baruselli, os ganhos tem relação direta com o aumento da eficiência reprodutiva e genética do gado. “Com a adoção de tecnologias como a IATF, é possível produzir mais carne e leite utilizando menos recursos e emitindo menos carbono por quilo de alimento gerado. É uma relação direta entre eficiência zootécnica e sustentabilidade”, afirmou.
Do berço à porteira
No caso do estudo, a análise considerou o modelo conhecido como “do berço à porteira” (cradle to farm gate, em inglês), considerou todas as emissões de gases — diretas e indiretas — desde a produção de insumos até o momento em que o leite e a carne saem da fazenda, sem incluir transporte ou processamento industrial.
A pesquisa avaliou dois cenários: um com o sistema de monta natural e outro com o uso da IATF, levando em conta um ciclo completo de produção de um ano. A base incluiu dados primários da GlobalGen, bancos como Ecoinvent e referências técnicas da Embrapa.
Na produção de leite, o estudo analisou 595 mil vacas em lactação que foram inseminadas com a técnica. A produção aumentou 36%, e a pegada de carbono caiu de 1,44 para 1,06 quilos de dióxido de carbono (CO₂) equivalente por quilo de leite corrigido. Esse tipo de leite é ajustado para um padrão de qualidade baseado em teores fixos de gordura (4%) e proteína (3,3%), o que permite comparar de forma mais justa a produtividade entre diferentes vacas ou sistemas de produção.
Conforme o estudo, a redução das emissões no segmento leite está relacionada, principalmente, à antecipação do primeiro parto, à diminuição do intervalo entre partos e aos ganhos genéticos proporcionados pela técnica.
No caso da pecuária de corte, foram avaliadas 4 milhões de vacas que passaram pelo processo de sincronização reprodutiva com IATF. A produtividade aumentou 27%, e a pegada de carbono caiu de 41,46 para 27,91 quilos de CO₂ equivalente por quilo do animal vivo. As melhorias apontadas no sistema incluem: a redução da idade ao primeiro parto (de 48 para 24 meses), aumento da taxa de desmame (de 60% para 80%) e maior ganho de peso dos bezerros.
Para Laís Ângelo Abreu, doutoranda que também participou da pesquisa, a eficiência reprodutiva é o centro das emissões. “Ao antecipar partos, reduzir dias em lactação ou aumentar a taxa de prenhez, você reduz recursos por unidade de carne ou leite. Isso se traduz em menos carbono”, afirma.
Segundo Rodrigo Faleiros, diretor superintendente da UCBVET Saúde Animal, controladora da GlobalGen, o estudo comprova a sustentabilidade da IATF. “O estudo mostra que a biotecnologia da IATF, além de economicamente importante, reduz potencialmente a pegada de carbono da pecuária, portanto, é uma prática sustentável”, destaca.
Adaptação à realidade do Brasil
Como metodologia do estudo, os pesquisadores adotaram normas internacionais de Avaliação de Ciclo de Vida, além de parâmetros do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, de 2019. As emissões foram convertidas para CO₂ equivalente, que padroniza a comparação entre diferentes gases de efeito estufa como metano, dióxido de carbono e óxido nitroso.
Além disso, uma característica importante do estudo foi a adaptação da análise à realidade brasileira, com grande diversidade de sistemas de produção, manejo e biomas. Para garantir que os resultados fossem representativos, os pesquisadores incorporaram dados regionais e consideraram os impactos específicos de cada bioma — Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa.
“Usar apenas bases de dados internacionais, sem adaptações, comprometeria os resultados. Por isso, desenvolvemos uma modelagem específica para a realidade brasileira, com inventários e parâmetros técnicos nacionais”, explicou Vanessa Romário de Paula, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite e integrante do grupo responsável pelo estudo.
Crédito de carbono na pecuária
Com base na eficiência produtiva, os pesquisadores acreditam que, os resultados do estudo abrem caminho para a inclusão da pecuária em mercados de crédito de carbono. A ideia é que a redução comprovada das emissões, gerada por tecnologias como a IATF, possa ser convertida em certificações sustentáveis e até mesmo em ganhos financeiros para os produtores.
“Estamos pavimentando o caminho para a inclusão da pecuária em modelos de crédito de carbono baseados em eficiência produtiva. O carbono que deixamos de emitir ao sermos mais eficientes deve entrar na conta”, destaca a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite.

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