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Pecuária

Ração suspeita de matar 284 cavalos não foi recolhida, denunciam revendedores

Criadores e comerciantes contabilizam prejuízos com mortes de cavalos e rações inutilizadas; Nutratta não se manifestou mais sobre ocorrido

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Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com

01/09/2025 - 15:16

Agropecuária de Marinês Oliveira, em Minas Gerais, tem mais de 50 sacos de ração no estoque, aguardando retirada. | Foto: Marinês Oliveira/Arquivo Pessoal
Agropecuária de Marinês Oliveira, em Minas Gerais, tem mais de 50 sacos de ração no estoque, aguardando retirada. | Foto: Marinês Oliveira/Arquivo Pessoal

Mesmo após o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) confirmar a morte de 284 cavalos e suspender a produção e comercialização de rações da Nutratta, revendedores denunciam que os produtos contaminados continuam em seus estoques. Segundo eles, a empresa não recolheu os lotes nem prestou apoio aos pontos de venda.

O Ofício-Circular nº 39/2025, emitido pelo Ministério em 26 de junho, detalhou como o recolhimento deveria ocorrer: “a devolução deverá ser realizada mediante contato direto entre adquirente e fabricante, sem intermediação do serviço oficial, observadas as disposições aplicáveis do Código de Defesa do Consumidor e da legislação civil vigente”. 

De acordo com o Mapa, a empresa foi notificada a realizar o recolhimento dos lotes afetados. Procurada pela reportagem, nesta semana, a empresa não respondeu ao pedido de posicionamento.

Entenda o caso

Em junho, o Mapa iniciou uma investigação das rações da empresa Nutratta, após a morte de centenas de cavalos relacionadas ao produto. A primeira notificação foi em 26 de maio, por meio do canal Fala.BR, de casos no estado de São Paulo. Depois da inspeção na fábrica e de novas denúncias, o Ministério emitiu um alerta da suspensão imediata do consumo das rações e, em 25 de junho, análises laboratoriais confirmaram a presença de monocrotalina nas rações — substância considerada tóxica e proibida para equídeos.

Segundo o último boletim emitido pelo MAPA, 284 cavalos morreram em decorrência da ração. Porém, um levantamento extraoficial realizado por um grupo de criadores aponta um número superior a 1.800 animais intoxicados, sendo que 859 animais vieram a óbito.

Em nota publicada no site no início de junho, a Nutratta lamentou as mortes e citou a interdição feita pelo Ministério da Agricultura, “por meio de termo de suspensão cautelar de fabricação, como parte dos procedimentos de fiscalização em curso”.

A mesma nota ainda justifica ausência de comunicados da empresa. “Ressaltamos que o nosso pronunciamento, nesse momento, não se deu por omissão, mas sim por respeito à busca pela verdade — um dos valores inegociáveis da empresa. Preferimos adotar uma postura responsável e conservadora, ao invés de emitir alertas sem fundamentação técnica ou orientações precipitadas diante de um cenário desconhecido, sensível e sem precedentes. Esta postura foi adotada em nome da transparência, da ética e da integridade do processo de apuração.” Nenhum novo posicionamento foi emitido desde então.

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Revendedores acumulam prejuízos

Comerciantes de diferentes estados afirmaram ao Agro Estadão que precisaram agir por conta própria para alertar criadores, interromper vendas e tentar minimizar os prejuízos. Eles acumulam dezenas de sacos no estoque e ainda enfrentam cobranças por boletos em aberto — sem qualquer expectativa de reembolso.

Os relatos são parecidos. Quando os primeiros casos surgiram, a Nutratta reconheceu “problemas” em um lote específico, produzido em abril. Depois, os empresários receberam apenas informações vagas, seguidas de silêncio. 

Em diferentes regiões, lojistas reclamam que os sacos ocupam muito espaço e a “exibição” da embalagem afugenta consumidores.

Minas Gerais

A empresária Marinês Oliveira, proprietária de uma agropecuária em Mariana (MG), conta que trabalha há anos com as rações da Nutratta. “É um alimento que, até então, era espetacular, dificilmente achava concorrente no mercado, sabe?”.

Em 30 de abril, ela recebeu 290 sacos de ração, sendo 200 fabricados em 27 de março, da linha Forage Horse, e 90 da linha Energy, de 28 de março. A comerciante acredita que somente o segundo estava contaminado. “Dia 31 de março, comecei a vender, porque eu não tinha nada no estoque. No dia 5 de maio, vendi último saco da Energy. Mais ou menos no dia 10 de maio, um cliente me ligou, me relatou e falou: ‘olha, engraçado que meus animais não estão querendo comer’”, lembra.  

A empresária disse que pediu ao cliente uma foto e verificou que se tratava do lote da linha Energy. “Mandei a foto desse lote para o meu representante, ele mandou para a Nutratta e a empresa respondeu que o Energy tinha sofrido uma modificação na fórmula e que tinha ficado com muito mais suplemento e tal. E, por conta disso, [o animal] talvez estranhou, que era pra dar uma quantidade menor, mas que não tinha nenhum problema com a ração específica.”

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Ela explica que a informação repassou ao cliente e não teve mais relatos sobre problemas em relação ao produto. Em 1º de junho, ela recebeu o link de uma publicação a respeito das mortes de equinos relacionadas à ração. No dia seguinte, voltou a falar com o representante. “O cara me confirmou de manhã. Ele falou: ‘realmente é lamentável, mas parece que teve um lote do mês de abril que veio com problema’”. Marinês disse que ficou aliviada com a informação, já os seus lotes eram de maio, mas, ao ligar para o cliente para saber o estado do cavalo, soube que o animal acabara de ser enterrado. 

Assustada, tentou entrar em contato com todos os clientes, pedindo que suspendessem o uso da alimentação. Por conta própria, recolheu produtos e diz que tentou, como podia, ajudar no tratamento dos cavalos, oferecendo medicamentos e negociando preços de exames e consultas. “Tenho mais de 50 rações no estoque porque parei imediatamente a venda e recolhi. Tinha gente que já tinha virado no tambor. Eu falei: ‘volta com essa ração e traz para mim’”, conta.  

Ao contatar a empresa, informou sobre os relatos que estava recebendo dos proprietários, mas teve o pedido de ajuda negado. “Eu falei: ‘a gente precisa de apoio, a gente precisa de veterinário aqui para estar olhando, ajudando a gente a fazer os exames dos animais que tiveram contrato com a ração e um protocolo veterinário para a gente poder tentar reverter isso’. A empresa respondeu, formalmente, que não conseguiria ajudar a gente, nem com veterinário, nem com tratamento e mandou um questionário para a gente preencher, colocando os danos que cada proprietário teve”.

Espírito Santo

Até mesmo representantes estaduais da Nutratta relatam abandono. Deise de Almeida Alves, única representante da marca no Espírito Santo, disse que também tem boletos em aberto e não teve os produtos recolhidos. “Toda semana, eles falam que vão retirar, mas nunca buscam”, lamenta.

Por conta própria, recolheu as rações e arcou com o prejuízo estimado, até o momento, em R$ 12 mil. “Eu tinha um cliente de agropecuária em Viana que tinha comprado 25 sacos. Devolvi o dinheiro e peguei de volta o produto que já estava na rua”.

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A empresária está decidida a fechar a empresa. “A gente fica com um desgosto muito grande. É um produto que vem lacrado, que você confia e olha o que aconteceu.  Nós, pequenos, não temos suporte para aguentar um prejuízo assim”, afirma.  

“O que eu tinha mais medo mesmo era de causar morte em animais, entendeu? Porque tem cavalos aqui reconhecidos nacionalmente, campeões, e são cavalos caros, muito caros. E tem o lado sentimental também. Tenho um cliente que tem um filho autista e usa o animal no tratamento dele. Como você explica a morte de um animal desse para uma criança que tem uma necessidade especial?”, questiona.

A potra Alteza, da raça Mangalarga Marchador, foi um dos animais que morreram no centro de treinamento em Cabreúva. Foto: Tobias Federzoni/Arquivo Pessoal

São Paulo

O revendedor Tobias Federzoni, que cria animais há sete anos em Cabreúva (SP), conta que trabalhava com a marca há três anos e costumava comprar cerca de 200 sacos por mês. Ele perdeu 10 animais e estima prejuízo de mais de R$ 500 mil. 

Ao questionar o representante da marca logo que soube dos casos, foi ignorado. “Eu mandei para ele, ele falou que era ‘babési’ (bobagem). Ele nunca assumiu, sabe?”. O criador fez o recolhimento dos produtos que vendeu e teve de arcar com tratamentos de animais de clientes.

Um treinador de cavalos do interior de São Paulo, que não quis se identificar, conta que decidiu fechar o seu centro de treinamento devido aos prejuízos financeiros e psicológicos causados pela situação. Além dos próprios animais, ele treinava e cuidava de outros 12 e fornecia a ração para vários clientes no estado. “Parei, fechei. O estresse que passei nesses 30 dias, ninguém quer ficar nessa, não. O último animal que morreu, ela mordia sem parar o canto da cocheira porque afetou o sistema neurológico dela. Ela quebrou todos os dentes da frente de tanto morder. Foi triste de ver”. 

Segundo ele, além de não recolher os produtos, a empresa não deu qualquer suporte ou orientação. “Ninguém falou nada, não deram assistência nenhuma”, lamenta. Ele contou que ainda possui 30 sacos de ração e que teme sofrer protesto porque possui boletos dos produtos em aberto.

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