Pecuária
Ministério da Agricultura suspende vacina após morte de centenas de animais em cinco Estados
Casos surgiram dez dias após a aplicação da vacina contra clostridioses; laboratório Dechra disse que recolheu o imunizante

Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com
21/08/2025 - 15:43

Mais de 500 animais, entre bovinos, ovinos e caprinos, podem ter morrido após terem sido imunizados contra clostridioses no mês passado, no Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Maranhão e Ceará. Todos receberam a vacina Excell 10, do laboratório Dechra Brasil. As informações são do secretário de Desenvolvimento Rural de Simões (PI), Rosenalvo Coelho dos Reis. Desde o mês passado, o município registrou mais de 150 mortes.
Nessa quarta-feira, 20, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) suspendeu o uso e a comercialização dos lotes 016/2024 e 018/2024, conforme ofício enviado pela pasta aos estados. A Dechra Brasil afirmou, por meio de nota enviada nesta quinta-feira, 21, que tomou conhecimento de relatos de reações adversas, principalmente em cabras, ovelhas e bovinos, após a administração da vacina Excell 10, que suspendeu as vendas e que recolheu os produtos existentes dos lotes mencionados — acatando a decisão do Mapa.
Uma investigação dos casos foi iniciada, a fim de identificar a causa dos óbitos e se há relação com a aplicação do imunizante. “As equipes técnicas e de qualidade da Dechra estão a investigar ativamente a situação em estreita colaboração com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Embora as reações adversas possam estar associadas à administração da vacina, a causa exata ainda está a ser determinada”, informou a empresa.
Ao Agro Estadão, o secretário de Desenvolvimento Rural de Simões explicou que os relatos de óbitos estão sendo reunidos — como no caso Nutratta — em um grupo de WhatsApp. “No Brasil, passa de 500 animais já. Essa base, a gente tem um grupo de criadores que tiveram perdas. À medida que vão surgindo criadores, a gente vai adicionando a esse grupo”, conta.
De acordo com o secretário piauiense, as agências estaduais de defesa agropecuária estão apoiando a investigação, fazendo necropsias e coleta de materiais, como sangue e tecidos dos animais mortos, para análise. “A gente está enviando para a Universidade Federal do Piauí, para a Universidade Estadual do Ceará, e também enviamos algumas amostras para São Paulo”, conta.

Casos surgiram dez dias após imunização
Os relatos de mortes começaram cerca de dez dias após as aplicações. Um dos principais sinais, anteriores às mortes, foi o inchaço no local. “Quando começou a mortalidade, os criadores até pensavam que tinha sido outra coisa, abelhas… Mas, quando veio o óbito de mais de dois, três animais com os mesmos sintomas, aí foi que a gente começou a investigar”, disse o secretário de Simões.
O imunizante visa prevenir contra as bactérias do gênero Clostridium, responsáveis por causar doenças como tétano, botulismo, enterotoxemias e gangrena gasosa, caracterizadas pela produção de toxinas altamente letais e de evolução rápida.
Segundo Reis, a taxa de mortalidade observada é de quase 100%. “Numa faixa de 100 animais, eu diria que 1% conseguiu escapar. Quando aparece um inchaço, dá algum infarto nos animais, eles perdem os rins, aí não tem como salvar”.
No município, a maioria dos produtores são agricultores familiares. Um deles perdeu 18 dos 35 animais do rebanho. “Tem criador até chorando, se lamentando por conta dessas perdas, porque eles usam esses animais para fazer o sustento familiar, seja para vender, para comprar os seus alimentos ou até mesmo para a alimentação durante a semana da família. Então, é muito triste ver essa situação”, lamenta o secretário.
Para apoiar os produtores rurais, o governo municipal está prestando apoio veterinário e assistência psicológica. O gestor informou ainda que a secretaria pretende oferecer assessoria jurídica aos pecuaristas interessados após a conclusão da análise dos materiais coletados.
Um deles é José de Brito Júnior. O pequeno produtor rural perdeu 11 das 33 ovelhas que vacinou com o lote nº 016/2024 — quatro delas eram matrizes. Um prejuízo estimado em seis mil reais só com os animais, sem contabilizar despesas veterinárias. Apenas cinco ovelhas do rebanho não foram imunizadas com a Excell 10. A criação de caprinos é o ganha-pão da família. “Depois da seca, agora vem essa vacina. Eu plantei quase 50 tarefas de milho e perdi tudo por causa da seca. Mais esse prejuízo”, lamenta.
Criadores vizinhos utilizaram o mesmo produto, porém de lotes diferentes, e não tiveram problemas. Mas muitos outros tiveram perdas e os relatos sobre a doença prejudicam o comércio de maneira geral. “As pessoas aqui estão apreensivas, ficam com medo, né? A gente tá consumindo a carne porque o povo tem receio de comprar, essas coisas. O comércio não está querendo comprar”.
O criador aguarda os resultados das amostras colhidas pela Agência de Defesa Agropecuária para ter a confirmação sobre a causa das mortes, mas acredita que a vacina, de fato, seja a responsável. E espera, minimamente, um ressarcimento financeiro. “Eu compro ração, gasto muito dinheiro com meus animais, pra ver eles com um peso bom. É muito triste também ver eles sofrendo”.

Inativação do princípio ativo pode ser a causa das mortes
O veterinário Antônio Souza Júnior, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), doutor em biotecnologia da reprodução, tem acompanhado os casos desde o início. Ele conta que recebeu os primeiros relatos no mês passado, vindos de colegas veterinários de Sergipe e Maranhão. Em princípio, a suspeita era de contaminação oriunda de plantas e silagem. Mas, rapidamente, detectaram a aplicação em comum da vacina Excell 10.
Segundo ele, até semana passada, mais de 300 casos foram relatados no Nordeste. De acordo com o especialista, em Sergipe, só uma propriedade teve 115 mortes. “Há um prejuízo econômico muito forte e há uma preocupação nossa, porque o nosso produtor, a grande maioria, é pequeno produtor. Nós levamos 20 anos ou mais para convencê-los a vacinar. E agora, essa mortalidade, vai contribuir negativamente para a imagem da vacinação. Não somente do laboratório, mas da vacinação como um todo”, comenta.
O médico veterinário explica que as reações não aparecem imediatamente após a aplicação. Demoram entre 12 e 15 dias. “Os sinais clínicos são o edema, do pescoço até as costelas, descem para a pata e esse animal vem a óbito em dois, três dias depois”. O especialista disse que um protocolo de tratamento está em fase inicial de elaboração.
A suspeita é que a vacina não tenha sido inativada. “É uma sensação, claro, não tenho como afirmar isso nesse momento, que, na verdade, o agente causador não foi inativado para que o corpo responda ao anticorpo. Eu acho que houve uma falha nesse processo, que tem provocado esse edema maligno. É opinião sem base de resultado técnico”.
Uma equipe da Superintendência do Mapa e uma representante do laboratório já estiveram na região. Uma nova reunião está marcada para a tarde desta quinta-feira, 21.
Para relatar reações adversas relacionadas à vacina Excell 10, os produtores podem entrar em contato com o laboratório pelos telefones 0800 400 7997 e (43) 99135-1168. As comunicações também podem ser feitas pela internet, por meio do canal Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br) ou presencialmente, nas agências de defesa agropecuária estaduais.

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