Inovação
Controle do percevejo-marrom: entenda como vespa brasileira pode ser ferramenta para combate à praga na soja
Vespa parasita pode aumentar a produtividade de lavouras entre quatro a sete sacos por hectare e o peso do grão em até 30%
6 minutos de leitura 01/08/2024 - 05:00
Daumildo Júnior | Piracicaba | daumildo.junior@estadao.com
A nova ferramenta de controle do percevejo-marrom é uma vespa brasileira de porte milimétrico – não ultrapassa um milímetro de comprimento (difícil até de ver a olho nu). Com o nome científico Telenomus podisi, ela é chamada de Theros no mercado. Apesar de ter a característica de uma vespa, o inseto não oferece perigo para humanos e outros animais. Além disso, ele não tem um ferrão que inocula toxinas, como outras espécies de vespas. Mas, por ser um parasita de ovos, tornou-se um dos principais inimigos naturais do percevejo.
O percevejo-marrom é uma das maiores pragas da sojicultura, como o Agro Estadão mostrou na primeira reportagem da série. Ele tem predileção pelo grão, produto desejado do agricultor, por isso os danos causados impactam diretamente no retorno econômico da lavoura. Estimativas apontam que só na safra 2022/2023 esse sugador foi responsável por uma perda de R$ 12 bilhões dos produtores de soja no Brasil.
Na busca por uma tecnologia de enfrentamento, o segmento de agronegócio da Nitro em parceria com a Vivus, empresa de controle biológico, conseguiu desenvolver uma tecnologia de agentes parasitários capaz de ser uma alternativa – usando a vespa como ferramenta.
Como a vespa age no combate ao percevejo-marrom?
O coordenador de macrobiológicos da Nitro, Tarcísio Júnior, explica que a vespa parasita os ovos de percevejo-marrom. Basicamente, ela insere os seus próprios ovos dentro dos ovos do percevejo, ou seja, isso faz parte do seu ciclo reprodutor e, por isso, é um inimigo natural desses sugadores. É possível ver uma mudança na coloração dos ovos, de amarelo (sem parasitar) para preto (já parasitado).
“O processo de parasitismo nada mais é do que a vespa colocar o ovo dentro do ovo do percevejo, que passa pelo processo de larva e depois pulpa para depois emergir um adulto. Por ser uma vespinha muito específica, ela não tem outra função a não ser parasitar. Então, ela tem essa necessidade de encontrar esses ovos e parasitar”, conta o coordenador.
Uma vez parasitado aquele ovo já não terá a capacidade de gerar um novo percevejo. Em larga escala, isso provoca uma queda nessa população dos sugadores antes mesmo de causar qualquer dano à soja.
Como funciona a vespa na lavoura?
O primeiro passo do controle de percevejo-marrom é a liberação da vespa. De acordo com o coordenador, a empresa oferece duas formas para esse processo, ambas acontecem por meio de drones.
O primeiro e mais utilizado é soltando ovos de percevejos já parasitados. A cada um hectare são jogados de seis a sete mililitros de ovos, o que garante uma média de 6.500 vespas adultas. O segundo método é liberando as vespas já eclodidas.
A vantagem apontada pelo coordenador da Nitro é que essas duas formas não se excluem, ou seja, não necessariamente o agricultor precisa optar por uma só. Isso faz com que o tempo de aplicação desse controle biológico aumente de três dias para seis dias e oferece mais margem ao produtor.
Uma vez lançados os ovos, os machos serão os primeiros a eclodir e as fêmeas surgem um dia depois. Em seguida, os dois copulam e a fêmea começa sua caçada aos ovos de percevejo que estão naquela área. No caso da liberação direta das vespas, ocorre uma aceleração do ciclo de controle porque a atuação da vespa é imediata.
Do momento que emergem até o fim da vida, essas vespas podem durar entre 18 e 25 dias. Porém o pico de parasitismo acontece nos primeiros 12 dias, quando a fêmea já parasitou 90% dos ovos de percevejo dentro da sua capacidade. Isso corresponde a aproximadamente 180 ovos, já que em média uma fêmea da vespa parasita até 200. O crescimento é exponencial, isto é, quanto mais oferta de ovos, maior fica a população do percevejo naquela propriedade.
“Nesses anos, o que a gente tem conseguido é um controle entre 70% e 80% com o uso da vespa. Sobra 20%. Desses, muitos [percevejos] morrem também por outras causas naturais e pelo uso dos defensivos químicos”, aponta Junior.
Quando deve ser feita a liberação e quantas vezes?
Antes de começar a controle com o macroparasitóide, a recomendação é monitorar a área para entender a situação da população de percevejos na lavoura. O normal é que a primeira soltura dos ovos parasitados ou das vespas seja feita antes do florescimento, porém isso pode mudar e vai depender do momento do aparecimento dos percevejos.
De acordo com o coordenador de macrobiológicos da Nitro, Tarcísio Júnior, a orientação é que sejam feitas de duas a três liberações com espaços de 15 dias entre elas. A primeira pode ser feita em bordadura – somente nas margens da lavoura – para pegar a chegada do percevejo. As seguintes são realizadas na área toda.
Mesmo com o bom desempenho do controle biológico, os especialistas ainda aconselham a aplicação de defensivos químicos após o período da liberação da vespa. “O uso dos defensivos químicos ainda continua sendo recomendado, porque a vespa não vai controlar as ninfas e os percevejos adultos. São ferramentas que se complementam. Um inseto vira praga quando ele foge do nível de equilíbrio e vai para o nível de controle”, lembra Júnior.
Quais as vantagens do uso de telenomus no controle do percevejo-marrom?
Um dos benefícios é a interrupção do ciclo do percevejo antes mesmo do nascimento. Até então, não existia nenhum produto capaz de fazer isso. Outro ponto é a redução de aplicações de defensivos químicos. A Nitro vê que, em média, é possível reduzir de uma a três aplicações de inseticidas na soja.
Além disso, o efeito indireto é na produtividade. Com menos percevejos, a produtividade geral aumenta, seja no peso do grão ou na quantidade de sacas. As amostragens da empresa estimam que áreas controladas pela vespa tem grãos 30% mais pesados e produzem de quatro a sete sacas por hectare.
Curiosidades sobre a vespa
O especialista do Theros apresenta ao menos três curiosidades sobre o inseto caçador de percevejos: controle do percevejo-marrom, marcação e administração dos ovos.
Atuação além do percevejo-marrom: apesar de serem específicas para esse tipo de praga, as vespas também utilizam os ovos de outros percevejos, como o barriga-verde, considerado uma praga para o milho. Os pesquisadores dizem que todos os ovos do complexo de percevejos podem servir como hospedeiros e, por isso, esse controle biológico pode servir para outras culturas que sofrem com a ação dos sugadores, como o milho e o arroz.
Marcação dos ovos: essas vespas evoluíram para não se atrapalharem entre si no ciclo reprodutivo. Após parasitarem um ovo de percevejo, elas fazem uma espécie de X no ovo para sinalizar que ele já está sendo utilizado. Isso evita que aconteça um problema na geração de novas vespas e aumenta a eficácia no controle do percevejo.
Administração de ovos: outro atributo evolutivo é a percepção de controle das populações de percevejo. Essas vespas são capazes de entender quando é o momento de parar para evitar a morte de 100% da população de percevejo. A explicação é simples: sem percevejo não há como as vespas se reproduzirem, logo, elas também morrem. Naturalmente, acontece um equilíbrio entre as populações, o que também evita descompasso ambiental.
A terceira e última reportagem da série vai mostrar uma fábrica de insetos. Essa é a primeira vez que uma equipe de jornalismo entra na fábrica da Nitro e da Vivus para mostrar como são feitos os ovos parasitados que ajudam no controle do percevejo-marrom.
*Jornalista viajou a convite da Nitro
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