Inovação
Cannabis no agronegócio: como planta pode ser aproveitada além do uso medicinal
Variedades de cannabis apropriadas para uso industrial podem ser uma alternativa para início do cultivo regulamentado no Brasil

Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
30/07/2024 - 08:00

Um dos usos mais pesquisados e conhecidos da cannabis é para fins medicinais. A planta possui propriedades que podem ajudar no tratamento de doenças ligadas à função cerebral, por exemplo. No entanto, o que ainda é pouco visto no Brasil são os usos industriais e agronômicos da cannabis.
De acordo com um levantamento feito pelo grupo de trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), existem ao menos 25 mil produtos feitos a partir ou com elementos da cannabis mundo afora. É com essa visão que a entidade está construindo um pedido de autorização para plantar a cannabis para fins de pesquisa que vão além do uso medicinal.
O Agro Estadão conversou com pesquisadores que fizeram parte desse grupo de trabalho e estão ajudando na elaboração desse pedido junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos, Daniela Bittencourt, e o pesquisador e supervisor de Gestão de Assuntos Regulatórios das atividades de PD&I da Embrapa, Fábio Macedo, falaram dos diferentes usos que a planta tem além das formas como a cannabis é classificada.
Eles ressaltam que há muitas variedades de cannabis sativa e que nem todas possuem as substâncias químicas prejudiciais. Além disso, eles destacaram que a planta é multiuso e é 100% aproveitável, o que pode se tornar uma nova opção para os produtores rurais brasileiros.
“O Brasil já é considerado o país do agronegócio, então, o nosso país tem todas as condições climáticas para o cultivo da cannabis ser feito em diferentes regiões e para diferentes finalidades.[…] Isso pode trazer um impacto muito grande para pequenos produtores e até mesmo para a questão de produção orgânica”, afirma Bittencourt.
Quais os usos da cannabis?
O uso da cannabis remonta a grandes civilizações antigas como gregos e egípcios. Com o desenvolvimento de novas tecnologias e o avanço nas pesquisas sobre a planta, uma série de produtos foram criados, desde o segmento medicinal, passando pelo alimentar e têxtil, até chegar em setores como o da construção civil. Os pesquisadores listam alguns produtos que podem ser feitos a partir da cannabis.
- Celulose
- Roupas e revestimentos automotivos
- Sementes (são ricas em proteína)
- Cervejas
- Barra de cereal
- Pães
- Ração animal
- Blocos de cimento (estilo tijolos)
- Biocombustível
- Tintas e selantes
- Bioplástico
- Óleos
O pesquisador Macedo ressalta o uso na fabricação de fibras longas que são usadas na indústria de papel. “A cannabis produz quatro vezes mais fibras por hectare do que as culturas utilizadas atualmente, como o eucalipto”.
Porém, além do uso industrial, a cannabis também pode ter utilidade no campo. De acordo com a pesquisadora Bittencourt, estudos têm demonstrado funções da planta no solo, com potencial para a recuperação de áreas degradadas e manutenção da qualidade dos solos.
“Tem estudos que já demonstraram que utilizando ela em rotação de cultura, aumenta a produtividade. Já foi feito para o milho e até em uvas. Tem capacidade de reter nutrientes e umidade no solo por ter raízes profundas”, ressalta a pesquisadora.
Cannabis medicinal x cannabis industrial
Além disso, as variedades também mudam de acordo com o uso. Essa diversidade também é refletida no cultivo. De modo geral, pode-se dividir da seguinte forma:
Cannabis industrial
- Cultivo a campo;
- São plantas masculinas e femininas, pois há o interesse na produção de sementes;
- O foco é o aproveitamento do caule, por isso tem um porte mais alto e um calibre de caule maior, além de menos galhos e folhas.
Cannabis medicinal
- Cultivo geralmente indoor, ou seja, fechado ou semiaberto;
- Prioriza plantas femininas, pois o interesse é na floração;
- O foco comercial é nas inflorescências para produção de extratos e óleos medicinais, por isso tem um porte mais baixo e com maior presença de galhos e folhas.

Como são classificadas as variedades de cannabis?
Nos países onde o cultivo e o uso são autorizados, a cannabis costuma ser classificada de acordo com os níveis de canabinóides. São ao menos dez canabinóides que podem ser extraídos da planta, porém os mais estudados e usados são o tetrahidrocanabidiol (THC) e o canabidiol (CBD).
O THC, por exemplo, é o composto que provoca os efeitos psicodélicos do uso recreativo e o motivo da proibição no Brasil. Já o CBD está associado ao uso medicinal para doenças neurológicas.
Por isso, a classificação da cannabis é dada a partir dos tipo de composição química da planta, ou seja, são divididos em quimiotipos ou quimiovariantes. A comunidade científica agrupa as cultivares de cannabis em ao menos cinco quimiotipos.
Tipo I
De forma geral tem mais THC do que CBD e por isso tem um alto potencial sedativo e relaxante. Essas variedades são direcionadas ao uso recreativo. Grande parte das classificações internacionais coloca variedades com THC maior do que 0,3% neste grupo.
Tipo II
Apresenta proporções de equilíbrio entre THC e CBD. Essas cultivares também tem potencial recreativo e medicinal, mas por ter uma proporção maior de CBD, isso abranda os efeitos prejudiciais do THC. Neste grupo, as plantas também apresentam teor de THC maior ou igual a 0,3%, porém, o nível de CBD também é maior.
Tipo III
Os níveis de THC nas plantas desse grupo são menores proporcionalmente ao CBD. Os efeitos psicotrópicos são menores e a finalidade passa a ser mais na área industrial do medicinal. Os níveis de THC são inferiores a 0,3%.
Tipo IV
Neste grupo, as plantas quase não apresentam ou têm níveis muito baixos de THC e CBD. O canabinoide mais abundante é o cannabigerol (CBG), que é uma composto químico anterior ao THC e CBD. O uso dessas variantes é principalmente industrial.
Tipo V
As cultivares aqui não apresentam nenhum teor de THC ou CBD. Elas também não têm outros canabinóides e também um uso mais industrial.
Regulação em outros países
Apesar dessa classificação estar embasada na composição química das plantas, essas proporções de canabinoides podem mudar de acordo com o país, conforme a regulamentação. Há casos, inclusive, que os níveis de THC permitidos chegam a 1% enquanto outros já proíbem o cultivo de plantas com teor acima de 0,2% de THC.
Porém, como explica o pesquisador Fábio Macedo, o mais comum é que para uso industrial as variedades de cannabis tenham teores de THC abaixo de 0,3%. “Os quimiotipos destinados para a parte industrial geralmente tem baixo THC, abaixo de 0,3%. Aqui [no Brasil], a gente acaba tratando tudo como uma coisa só, mas não é bem assim e não é como os outros países têm tratado”, afirma.
Ainda segundo o especialista, há uma série de países que já têm regulação própria para o uso industrial da cannabis. Ele cita alguns, como Uruguai, Paraguai, Canadá, Reino Unido, França, Espanha, Alemanha, China e Austrália.
Qual a diferença entre o cânhamo e a maconha?
A pesquisadora Daniela Bittencourt conta que as duas palavras representam a mesma planta, a cannabis sativa, porém, elas têm contextos diferentes. “São a mesma planta, mas quando você trata dos quimiotipos com baixo teor de THC e voltado para aplicação industrial, se fala cânhamo. Quando tem maiores teores e o nível medicinal ou recreativo, aí se fala maconha”, esclarece.
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