Economia
Recuperações judiciais e endividamento expõem agropecuária ao crime organizado
Promotor do Gaeco detalha como o PCC se infiltrou em usinas endividadas de SP e aponta RJs como brecha para o crime organizado

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
05/09/2025 - 07:00

A crise financeira que atinge empresas tradicionais do agronegócio abre uma brecha perigosa para a atuação de organizações criminosas no setor.
Há uma semana, o país teve um exemplo disso: a operação Carbono Oculto apontou fazendas no interior de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e quatro usinas sucroalcooleiras diretamente sob o controle do crime organizado, além de outras duas em negociação. Endividadas, muitas dessas companhias se tornaram alvos fáceis do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ao Agro Estadão, o promotor João Paulo Gabriel, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), explicou que, o que em um primeiro momento se apresenta como um aporte salvador, na prática pode significar a captura de ativos estratégicos por estruturas de ocultação, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. “Essas empresas passavam por dificuldades financeiras, muitas em recuperação judicial. O grupo aproveitou a fragilidade para entrar com recursos vultosos, usando fundos de investimento como fachada”, disse.
Levantamento recente da Serasa Experian mostrou que, no primeiro trimestre deste ano, as recuperações judiciais (RJs) no agronegócio brasileiro avançaram 21,5% em comparação com o trimestre anterior. Em relação ao mesmo período do ano anterior, houve um salto de 44,6%.
Para o promotor, esse aspecto mostra a vulnerabilidade estrutural do agronegócio. “O cenário de crise, com empresas tradicionais em dificuldade financeira, é um convite à infiltração criminosa. Esses grupos têm caixa, agressividade empresarial e disposição para dominar setores inteiros. É uma dinâmica semelhante à das máfias”, alerta.
Linha do tempo: expansão do PCC até as usinas
A trajetória do grupo remonta há cerca de 15 anos, quando iniciou operações em postos de combustíveis. De acordo com o promotor, a tática desde o início foi marcada por dois pilares: ocultação e fraude. “Eles nomeavam laranjas como sócios dos postos, fragmentando a titularidade. Aos olhos do Estado, parecia que os estabelecimentos não tinham relação entre si. Isso lhes dava liberdade para praticar todo tipo de fraude”, detalhou.
Segundo o promotor, o esquema envolvia bombas adulteradas, ausência de licença ambiental, explosões por falta de segurança, adulteração de combustível e sonegação fiscal. “O dinheiro arrecadado era enviado para empresas de fachada. Esse enriquecimento inicial deu fôlego para os passos seguintes”, diz.
Com recursos acumulados, o grupo movimentou mais de R$ 50 milhões em 2020 para comprar uma formuladora, uma refinaria e uma distribuidora de combustíveis. A operação foi disfarçada por fundos de investimento. “A partir daí, eles começaram a praticar fraudes fiscais de ICMS na importação e na distribuição de combustíveis dentro do território nacional”, relata o promotor.
As práticas chamaram a atenção do Gaeco em 2020. Dois dos principais alvos foram processados por organização criminosa e lavagem de dinheiro. “Mesmo com as licenças cassadas pela ANP, eles não apenas se reestruturaram como ampliaram a atuação. É um grupo que, quando sofre um golpe, se recompõe e cresce. Esse é o padrão”, observa o promotor.
Usinas em crise
As negociações com usinas começaram a partir de 2021. Porém, a formalização das compras ocorreu em 2022, com a aquisição de quatro unidades: Usina Itajobi Ltda Açúcar e Álcool; Usina Carolo S/A Açúcar e Álcool; Usina Virgolino de Oliveira S.A; e Usina Rio Pardo S.A.
De acordo com as investigações, em um dos casos, já em RJ, o grupo injetou R$ 182 milhões via debêntures. “Para quem está quebrado, isso soa como salvação. Mas o controle, na prática, passava às mãos da organização criminosa. Nos contratos, apareciam fundos da Faria Lima e gestores financeiros, nunca os verdadeiros donos”, detalha.
Com isso, conforme o promotor, eram criadas camadas de ocultação com executivos do mercado. Porém, na prática, quem fazia a gestão era o investigado principal — Mohamad Hussein Mourad —, que usava o pseudônimo “João” para não ser identificado.
Impacto no mercado da cana-de-açúcar
Segundo relatórios produzidos pelo MP-SP com a Secretaria da Fazenda, após a entrada do grupo no setor, o preço médio da cana-de-açúcar subiu cerca de 40% no Estado. “Isso pode ser estratégia de lavagem de capitais, inflar artificialmente os valores para esquentar dinheiro ilícito ou forma de dominar o mercado, pagando acima da média e fidelizando fornecedores. Em qualquer cenário, gera distorção”, explica Gabriel.
Outro dado chamou a atenção dos investigadores: a saída de R$ 100 milhões dos cofres de uma usina em dificuldade para um fundo de investimento, o que era incompatível com o caixa da empresa.
Na visão do promotor, a atuação do Estado precisa ir além da repressão imediata. “Se não houver monitoramento constante das RJs e rastreamento dos fundos de investimento, o risco é de que mais empresas acabem capturadas”, alerta.

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