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Economia

Os riscos da alienação fiduciária em meio à crise do crédito rural

Uso da modalidade cresce no crédito rural, especialmente entre arrendatários e pequenos produtores com menos ativos em garantia

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Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com

30/10/2025 - 05:00

Bancos exigem máquinas agrícolas ou a propriedade como garantia de produtores endividados. | Foto: Adobe Stock
Bancos exigem máquinas agrícolas ou a propriedade como garantia de produtores endividados. | Foto: Adobe Stock

O agravamento da inadimplência no campo tem levado bancos a recorrer com mais frequência à alienação fiduciária como garantia nas operações de crédito rural. A modalidade que transfere a propriedade do bem ao credor até a quitação da dívida, permitindo a retomada rápida em caso de não pagamento, preocupa entidades do setor e tem tirado o sono de muitos produtores rurais.

A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) vê no avanço dessa prática um reflexo direto da crise de financiamento que atinge o agronegócio brasileiro. Em relatório divulgado, a entidade apontou que o Brasil enfrenta “a maior crise de crédito desde o início do Plano Real”, com a maior taxa de inadimplência já registrada e aumento expressivo das garantias exigidas pelos bancos.

Em julho, a taxa de inadimplência no setor chegou a 5,14%, a mais alta da série histórica. No crédito controlado, o índice é de 1,86%. Já no crédito de mercado, alcança 9,35%.

CONTEÚDO PATROCINADO

Crédito mais caro, garantias mais duras

Segundo o diretor jurídico da Farsul, Nestor Hein, o sistema financeiro tem usado a modalidade de alienação fiduciária como forma de se resguardar diante do aumento dos riscos. No entanto, destaca que o instrumento é severo. “O produtor oferece ao banco uma área de terra ou uma máquina como garantia. Se ele não pagar, o banco o notifica, e em 15 dias o bem pode ir a leilão”, disse. 

O advogado lembra que, antes, as operações costumavam ser garantidas por hipoteca ou penhor agrícola, formas menos rígidas e com mais tempo para negociação. “Havia outros meios menos, digamos, menos ‘violentos’ para que as instituições financeiras pudessem receber o seu crédito”, destaca.

A preocupação é que os agricultores — já endividados por perdas climáticas — acabem sem margem para reação. “Os bancos estão exigindo isso para o produtor mais convalido, que está mais enfraquecido por sucessivas frustrações. Se ano que vem houver um novo problema climático, o produtor perde. Além do seu crédito, além da sua lavoura, ele perde a sua propriedade junto com os seus equipamentos”, destacou o advogado.

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“Eu não planto mais”

A experiência do produtor Alfredo Borges, de Lavras do Sul (RS), ilustra o risco citado pelo jurista. Após uma safra frustrada, há seis anos, Alfredo perdeu todos os equipamentos que estavam alienados. “Pedi a prorrogação de um ano, como permite o Manual do Crédito Rural. Mesmo assim, o banco vendeu as minhas máquinas e ainda sem leilão judicial”, lembra.  

Os equipamentos foram vendidos por cerca de 70% do valor original. “Hoje, eu vejo as ‘minhas máquinas’ trabalhando do lado da minha propriedade”, lamenta. Desde então, Borges reduziu drasticamente sua área plantada. “O meu endividamento hoje é equivalente a uma lavoura de mais de mil hectares. No ano passado, eu consegui plantar 100 e ainda colhi 22 sacos por hectare, que não paga nem o custo”.

Neste ano, ele optou por arrendar a propriedade e as máquinas que restaram: “eu não planto mais”. Após pagar fornecedores e demitir os dois funcionários, Alfredo mudou de ramo. Aproveita a experiência que adquiriu ao longo dos anos como corretor imobiliário.

Para ele, a alienação fiduciária promove a exclusão no campo. “Quem é pequeno não consegue mais financiar, só quem tem patrimônio”. “Os capitalizados ficam. Os outros quebram. E quando o produtor quebra, o mercado vende menos, o posto vende menos, o comércio quebra junto, todo mundo sente”.

Antes e depois da lavoura de soja do agricultor Alfredo Borges, atingido pelas chuvas de 2024 em Lavras do Sul (RS) | Foto: Alfredo Borges/Arquivo Pessoal

Endividamento afeta principalmente arrendatários e pequenos produtores

Dados divulgados pela Serasa Experian ajudam a dimensionar a gravidade da situação. A inadimplência da população rural alcançou 7,9% no primeiro trimestre de 2025, contra 6% registrado em 2022. Isso significa que mais de 780 mil produtores já estavam com dívidas em atraso superior a 180 dias.

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O levantamento mostra ainda que o endividamento afeta principalmente arrendatários e pequenos produtores, grupos que possuem menos ativos para oferecer como garantia.

Outro dado que chama a atenção é o avanço dos pedidos de recuperação judicial no campo. No segundo trimestre de 2025, o setor teve 565 solicitações da medida judicial. Frente ao mesmo período do ano anterior, que marcava 429 pedidos, houve alta de 31,7%. Os números representam o acumulado de toda a cadeia – pessoas físicas e jurídicas.

A maior parte está concentrada em estados de forte produção agrícola: Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná.

Queda dos preços e incerteza no campo

Além das questões climáticas, outro forte agravante do endividamento, para Hein, é a forte queda nos preços das commodities agrícolas. A combinação de preços baixos e juros altos complica ainda mais o cenário. “O arroz que vendíamos por R$ 120 em 2022, hoje, vale R$ 55. A soja, que já chegou a mais de R$ 200, está em torno de R$ 130. Além disso, os custos aumentaram durante todo esse tempo”, relatou. 

A recomendação é que os produtores analisem os contratos com cautela e busquem outras formas de garantia. “Nós consideramos um risco enorme esse tipo de garantia e não estamos recomendando que os produtores contraiam dívidas sobre essa modalidade. Se não tiver outro jeito, é melhor deixar de plantar”, orientou Hein.

O diretor jurídico reforça que a Federação não é contrária ao sistema financeiro, mas defende prudência. “A alienação fiduciária não é um mal. Ela se justifica na compra de um automóvel, por exemplo. Agora, numa atividade feita a céu aberto, sujeita a intempéries, uma garantia tão larga não é uma boa ideia”, afirmou.

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