Economia
Exportadores de carne bovina iniciam defesa na investigação de salvaguarda da China
Brasil vai argumentar que importações de carne bovina não afetaram a produção doméstica chinesa e que restrições adicionais podem influenciar na inflação do país asiático

Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
17/01/2025 - 13:00

No final do ano passado, a China anunciou que iniciou um processo de investigação para aplicar medidas de salvaguarda sobre a carne bovina importada. Nesta semana se encerra uma das etapas do processo chamada de habilitação. Essa fase consiste na indicação de representantes do setor privado e público que farão a defesa dos interessados no decorrer da investigação.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) será representada pela Barral Parente Pinheiro Advogados. À frente do escritório de advocacia, o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e também colunista do Agro Estadão, Welber Barral, detalhou os caminhos que a defesa brasileira deve tomar durante o processo.
“Os exportadores agora têm que se defender. A defesa aí é dizer que não há elementos para imposição da medida de salvaguarda. Isso vai passar pela apresentação dos vários requisitos da OMC [Organização Mundial do Comércio] para configurar o uso dessa medida”, comenta Barral, que também irá representar o Instituto Nacional de Carnes (INAC), do Uruguai.
O especialista no assunto explica que esse é só o início do processo de investigação conduzido pelo Ministério do Comércio da China (MFCOM), que pode demorar até um ano para ter um resultado. As fases seguintes envolvem:
- Envio de questionários aos representantes dos países que participam da investigação. Isso serve para obter um alinhamento das métricas e dados utilizados;
- Debate jurídico com apresentação de argumentos, contestações, contra-argumentos, contra-contestações;
- Audiência pública com os interessados que participam da investigação;
- Decisão do MFCOM, se será favorável ou não a medidas de salvaguarda.
O que é uma medida de salvaguarda?
Barral explica que existem, basicamente, três alternativas de defesa comercial que podem ser adotadas pelos países: medidas antidumping, medidas compensatórias e medidas de salvaguardas. “As duas primeiras são entendidas como medidas contra a concorrência desleal, ou por causa de simulação de preço ou por causa de subsídio. A salvaguarda não. Ela é uma proteção temporária que é autorizada pela OMC quando você tem um surto imprevisto de importação”, esclarece.
Uma vez comprovado esse surto de importação através de uma investigação, como a que os chineses iniciaram, o país importador pode colocar uma sobretaxa no produto ou a imposição de cotas. Também há previsão de ocorrer as duas ações simultaneamente, o que se chama cota tarifária.
Além disso, outra diferença é que as medidas de salvaguarda não se aplicam apenas a um país, como é o caso do antidumping e da compensação. Ela abrange todos os países exportadores daquele produto em que foi registrado o surto de importação. Caso sejam confirmadas as medidas de salvaguarda, Brasil, Argentina e Austrália seriam os principais prejudicados, uma vez que são os maiores fornecedores de carne bovina para os chineses, especialmente o Brasil, que em 2024 exportou 1,33 milhão de toneladas para o país asiático e foi o principal fornecedor da proteína.
Defesa vai demonstrar que não houve surto de importação
Segundo Barral, a defesa brasileira tem como principal argumento o de que não houve um surto de importação de carne bovina imprevista e que as importações não causaram dano à produção interna na China. Esse é um elemento chave e precisa ser comprovado para que a medida de salvaguarda tenha base conforme as normas da OMC.
“Uma das exigências é que as importações estejam causando dano grave para a produção local. Mas o que é dano grave? Aí tem muitas jurisprudências da própria OMC e tem a prática internacional para definir. E um dos principais argumentos que nós temos é que não há um dano grave para a indústria chinesa. Porque a China consome 12,6 milhões de toneladas e só 2,6 milhões de toneladas são importados. A maior parte da produção ainda é doméstica”, pontua o ex-secretário de Comércio Exterior.
A argumentação prevista pela defesa brasileira deve seguir uma ordem. “Primeiro você alega que não há dano grave, depois discute que não há um dano para a indústria chinesa porque eles não perderam mercado, depois você discute que a salvaguarda, se imposta, teria efeitos negativos para o mercado chinês em termos de inflação e abastecimento, depois se argumenta de que, se houver esse dano, não são provocadas pelas exportações brasileira”, esclarece.
Além disso, a representação brasileira no processo de investigação tem um duplo objetivo. O primeiro envolve fazer com que as medidas de salvaguarda não sejam aprovadas pelo MFCOM. O segundo é uma espécie de plano B. Caso a China aprove as medidas, a ideia é fazer uma contenção de danos e garantir uma cota maior de participação nas vendas de carne aos chineses, mesmo que com sobretaxa.
Faz parte ainda das ferramentas à disposição da defesa uma contestação no Comitê de Salvaguardas da OMC. “Nós vamos apresentar no comitê de salvaguardas observações sobre a investigação na China se ela não tiver seguindo as regras da OMC”, indica Barral. Esse comitê se reúne duas vezes por ano e serve como última instância para recorrer de uma decisão favorável a medidas de salvaguardas chinesas.

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