
Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Desindustrialização e reindustrialização na odisseia brasileira
Sendo realista quanto às chances do plano de reindustrialização, pode-se apostar que seu sucesso será proporcional às iniciativas governamentais para reduzir riscos regulatórios e para estruturar mecanismos oficiais efetivos que possam responder às demandas do setor privado.
11/03/2024 - 11:07

O termo “política industrial” já foi considerado repreensível em tempos mais neoliberais. Não é mais assim: EUA e Europa vêm repetindo o termo nas medidas que distribuem generosamente recursos para a modernização, competitividade e aggiornamento de suas indústrias locais.
Um tanto estupefato pelo espírito deste tempo, o Brasil balbucia que pretende se reindustrializar. É o país que assistiu, nas últimas quatro décadas, à agonia de um setor industrial que fora o orgulho da América Latina. Este processo se pode explicar por fatores múltiplos: moeda volta e meia apreciada, sistema tributário celerado, custos burocráticos e logísticos incomensuráveis. E, claro, a concorrência de uma Ásia que se tornou o chão de fábrica do mundo.
A consequência mais visível é a perda de participação da indústria no PIB brasileiro. Concomitantemente, a perda nas oportunidades para agregar valor a seus produtos, ou para criar empregos de qualidade, perdendo também no aumento da renda e do desenvolvimento regional.
Na discussão sobre reindustrialização, vale a pena ler o documento propositivo do Nova Indústria Brasil, plano apresentado pelo atual governo. O texto reconhece a relevância e competitividade natural das cadeias agroindustriais; promove o complexo da saúde, num país com grande população, e que está envelhecendo; indica a urgência dos investimentos em infraestrutura; aponta a eficiência decorrente da transformação digital e da transição energética; recorda a indústria de defesa, com a eclosão dos riscos geopolíticos no mundo atual.
Em linhas gerais, o plano contém um diagnóstico competente sobre os desafios e oportunidades urgentes para o Brasil. Evidentemente, pode-se retrucar com os desafios para sua implementação. Em primeiro lugar, pela dificuldade de coordenação intragovernamental, num governo em que pululam ministérios na busca de protagonismos e agendas próprias.
Ainda, pela limitação dos recursos públicos. Ao contrário dos trilhões que EUA e Europa despejarão em seus mercados, o Brasil enfrenta limites fiscais. Daí o risco que as promessas (e pressão resultante) corram o risco de se transformar em protecionismo, que sempre traz soluções setoriais imediatas, mas com efeitos deletérios para a eficiência no longo prazo.
Sendo realista quanto às chances do plano de reindustrialização, pode-se apostar que seu sucesso será proporcional às iniciativas governamentais para reduzir riscos regulatórios e para estruturar mecanismos oficiais efetivos que possam responder às demandas do setor privado.
Dois exemplos desta semana, um positivo e um negativo, sobre o mesmo assunto, podem exemplificar o último parágrafo. Em evento na Fiesp, o Ministro Geraldo Alckmin mencionou a urgência em retomar o financiamento oficial à exportação. Estes mecanismos foram suspensos por escândalos da década passada, como um conto acabado de como matar a vaca para acabar com o carrapato: indústria e serviços brasileiros viram minguar o financiamento, enquanto perderam mercados para Coréia, Índia, China e outros que – não coincidentemente – reforçaram suas agências de crédito à exportação. Reconhecer a urgência da retomada dos financiamentos é um sinal positivo para a reindustrialização brasileira.
Na mesma semana, o TCU terminou – depois de quase uma década – sua inquisição sobre os financiamentos passados, sem encontrar qualquer irregularidade. Um processo que destruiu exportações, reputações públicas e privadas, carreiras de tecnocratas de escol, e acoelhou decisores – para nada. Jamais encontraram a “caixa-preta do BNDES”, este Santo Graal dos ignaros na prática internacional de financiamento à exportação.
Que tais notícias nos ensinem e exortem a continuar a odisseia da reindustrialização. Que o termo nāo se torne apenas mais uma página virada, no folhetim de nossas tentativas de desenvolvimento econômico.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
Mesmo com queda na participação no PIB, Agro segue motor da economia
2
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em Abril
3
Protecionismo do Governo Trump: alternativas estratégicas
4
Ação e reação no mundo conectado do biodiesel e do agronegócio
5
Etanol de milho pode representar 40% da produção de biocombustíveis no Brasil até 2030
6
No fogo cruzado das tarifas, agro brasileiro precisa de estratégia (e cautela)

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Opinião
No fogo cruzado das tarifas, agro brasileiro precisa de estratégia (e cautela)
No recente embate entre China e Estados Unidos, cada lado brande tarifas acima de 100% contra seu adversário

Welber Barral

Opinião
Etanol de milho pode representar 40% da produção de biocombustíveis no Brasil até 2030
O Brasil foi o segundo maior produtor mundial de etanol em 2024, com 36,8 bilhões de litros, dos quais 6,3 bilhões foram produzidos a partir do milho

Celso Moretti

Opinião
Ação e reação no mundo conectado do biodiesel e do agronegócio
Os atuais ambientes global e nacional mostram a importância que o equilíbrio tem em um mundo interconectado e interdependente, sem espaço para levantar muros

Francisco Turra

Opinião
Marcos Fava Neves: 5 pontos para ficar de olho no mercado agro em Abril
Destaque para as medidas anunciadas por Donald Trump, que impõem tarifas importantes em países que são grandes importadores do agro

Marcos Fava Neves
Opinião
Protecionismo do Governo Trump: alternativas estratégicas
Processos produtivos em países que mantêm acordos de livre comércio com os EUA, que permitam modificar a classificação tarifária, podem manter o acesso ao mercado em condições mais favoráveis

Welber Barral
Opinião
Mesmo com queda na participação no PIB, Agro segue motor da economia
Em 2024, o setor agropecuário brasileiro enfrentou desafios que resultaram em uma redução de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB)

Tirso Meirelles
Opinião
Vamos seguir sem deixar nenhuma mulher para trás
No Dia Internacional da Mulher, não venho fazer homenagens. Venho falar sobre as dores que, nesta data, muitos jogam debaixo do tapete

Teresa Vendramini
Opinião
A norma antidesmatamento européia (EUDR) e o Agronegócio Brasileiro
A preocupação global com o desmatamento e suas consequências ambientais têm gerado intensos debates nas últimas décadas, especialmente em relação à Amazônia, um dos maiores patrimônios naturais do planeta

Welber Barral