
Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
O adiamento da lei antidesmatamento e suas implicações
É no mínimo curioso que uma das regiões do mundo que mais desmatou suas matas e florestas nativas ao longo dos séculos imponha limitações para seus fornecedores

A União Europeia (UE) decidiu postergar a aplicação da lei antidesmatamento para dezembro de 2025, para grandes operadores e comerciantes. Para micro e pequenos empreendedores será em junho de 2026.
A postergação foi solicitada por países que têm o mercado europeu como importante destino de suas exportações, como Brasil, países do Mercosul e Estados Unidos. Membros da própria UE, como Itália, Espanha e Alemanha também solicitaram o adiamento. A lei antidesmatamento da UE preconiza que o bloco deixará de comprar produtos agrícolas oriundos de áreas que foram desmatadas a partir de 31 de dezembro de 2020. A entrada em vigor da medida depende da aprovação do parlamento europeu. No caso brasileiro, o setor de carne bovina estima uma redução de até 90% do volume vendido para o bloco. Além da carne, produtos como soja, café, cacau, borracha e óleo de palma, dentre outros, também terão sua exportação afetada.
As razões para a postergação são variadas e passam pela necessidade de se dar mais tempo aos fornecedores para se adequarem à legislação. Todavia, o que está por trás do adiamento é a preocupação acerca dos impactos políticos, sociais, ambientais e econômicos que tal medida trará. O movimento do bloco é mais uma demonstração do enfraquecimento da agenda verde que vem perdendo terreno no velho continente. Adicione-se a este fato a preocupação com possíveis riscos à segurança alimentar e aumento da inflação. Este último é um fantasma que havia desaparecido do radar europeu há um bom tempo e voltou a assombrar, como verificado no Reino Unido, que recentemente experimentou inflação de dois dígitos.
A mudança de data para funcionamento pleno do dispositivo legal vem impactando o preço de diversas commodities exportadas pelo Brasil. Os exportadores (traders) vinham trabalhando na adequação às regras exigidas para fornecimento para a UE. A adequação implica, obviamente, no pagamento de prêmios adicionais para produtores que atendem às exigências. Em última análise, com a mudança de data os importadores europeus poderiam optar por comprar commodities mais baratas de produtores que não investiram na adequação à legislação. Tal movimento pode, inicialmente, beneficiar o Brasil onde, apesar de existir tecnologia de rastreamento, nem sempre é simples demonstrar que as commodities oferecidas são oriundas de áreas livres de desmatamento.
Apesar das questões políticas e comerciais envolvidas, um ponto que é raramente lembrado nesse debate é a existência de uma legislação brasileira que é uma das mais restritivas do mundo para abertura de novas áreas: o Código Florestal (CF). Aprovado pela esmagadora maioria dos parlamentares em 2012, depois de mais de dez anos de debate no Congresso Nacional, o CF disciplina o percentual da área da propriedade que pode ser desmatado legalmente. Assim, no bioma amazônico 80% da propriedade deve ser preservada, deixando-se para o uso agropecuário apenas 20%. Um produtor neste bioma que desmatou 16% de sua propriedade pode, em tese, desmatar legalmente mais 4%, totalizando os 20% da legislação. Pela aplicação da lei antidesmatamento da UE, nada do que for produzido nestes 4% desmatados legalmente agora poderá ser exportado para o bloco. É no mínimo curioso que uma das regiões do mundo que mais desmatou suas matas e florestas nativas ao longo dos séculos imponha tais limitações para seus fornecedores. Obviamente que quem compra estabelece suas regras e quem quer vender deve se adequar a elas.
O debate acerca da aplicação da lei, suas consequências e a teoria de que se trata de barreira não-tarifária disfarçada de preocupação ambiental continua prosperando. Críticos da legislação europeia acreditam que os países, principalmente o Brasil como grande interessado no processo, aceitaram de forma cândida a imposição das diversas restrições, não debatendo no limite os impactos sobre a balança comercial brasileira. Outros entendem que a lei é uma aberração do ponto de vista de multilateralidade. O adiamento abre a possibilidade, ainda que remota, de que a questão volte à mesa, ainda que a chance de prosperar seja mínima. É mais uma lição aprendida.
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