Celso Moretti
Engenheiro Agrônomo, ex-presidente da Embrapa
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
O acordo Mercosul-União Europeia e a competência do agro brasileiro
A competitividade e a sustentabilidade da agricultura brasileira assustam os produtores europeus, sobretudo franceses, que têm um setor agropecuário altamente subsidiado
Primeiro foi a Danone, multinacional francesa que atua há décadas no mercado brasileiro na linha de produtos lácteos. A empresa suspendeu a compra de soja nacional no mês de outubro, alegando que o grão brasileiro não é produzido em condições sustentáveis. À época seus dirigentes indicaram que passariam a comprar soja da Ásia cujos padrões de qualidade eram rigorosos.
O agro nacional reagiu prontamente. Campanhas de boicote aos produtos da Danone inundaram as redes sociais. O movimento, ainda que pouco coordenado, funcionou e a gigante francesa recuou. A direção da Danone no Brasil soltou novo comunicado em que afirmava que a soja brasileira era ingrediente chave em seu processo produtivo e que continuaria a comprar o produto.
Em novembro, outra surpresa, também vinda da França. A rede de supermercados Carrefour tomou a decisão de não comprar carne oriunda de países do Mercosul. A medida, segundo os executivos da rede francesa, visava impedir que o mercado francês fosse inundado por proteína animal que não atende as normas e exigências do país. Adicionalmente, a ação era um protesto contra a assinatura do acordo comercial Mercosul – União Europeia.
Em resposta, frigoríficos brasileiros iniciaram boicote ao fornecimento de carne para as lojas do Carrefour em território nacional. Consumidores relataram que em vários supermercados havia redução de oferta ou sumiço do produto. Mais uma vez houve recuo por parte do lado francês. Em carta, o principal executivo do grupo se desculpou e assumiu que sua manifestação de apoio aos produtores franceses havia sido mal interpretada no Brasil. Adicionou ainda que reconhece a qualidade e o alto rigor técnico e normativo de sua produção.
O acordo Mercosul–União Europeia vem sendo costurado há 25 anos e foi finalmente selado hoje. Os participantes do bloco sul americano se reuniram em Montevidéu. Participaram do encontro a presidente da Comissão Europeia, Ursula vou der Leyen, que havia se manifestado nas redes sociais com um “touchdown in Latin America” ou “gol na América Latina”, em tradução livre. Ela lembra que o sucesso do acordo criará um mercado de mais de 700 milhões de potenciais consumidores.
O presidente da França, Emmanuel Macron, se apressou em dizer que o acordo “é inaceitável”, afirmando que seguirá defendendo os produtores franceses. O entendimento é que o acordo criará uma “competição desleal” no setor agrícola entre os dois lados. Não existe deslealdade quando as regras estão bem estabelecidas por um acordo celebrado entre as partes e cada um dos lados utiliza suas competências para conquistar espaço.
A reação de Macron era esperada, mesmo em vão. Afinal de contas, a competitividade e a sustentabilidade da agricultura brasileira assustam os produtores europeus, sobretudo franceses, que têm um setor agropecuário altamente subsidiado. A assinatura do acordo entre os blocos econômicos deve trazer a retirada de barreiras tarifárias para a livre circulação de mercadorias entre os dois lados. As ações da Danone e do Carrefour são reflexo da pressão de grupos de interesse franceses. São movimentos que antecipam a retirada das barreiras tarifárias buscando as não-tarifárias. A concretização do acordo deve, enfim, enterrar essa estratégia. O acordo será vantajoso para o agro brasileiro, segundo especialistas. Estudos estimam que as exportações para o bloco europeu poderão aumentar em até 6%.
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