
Francisco Turra
Presidente dos Conselhos de Administração da APROBIO e Consultivo da ABPA, ex-ministro da Agricultura
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Francisco Turra: A complexa abertura de um mercado importador
As revoluções agrícolas do campo (da tropical, do saudoso Alysson Paolinelli ao Agro 4.0 dos dias atuais) nos elevaram a novos patamares produtivos.
26/02/2024 - 12:22

Ao longo das últimas quatro décadas de minha vida dedicada ao agronegócio, pude experimentar passo a passo o processo de internacionalização do setor produtivo. Sou do tempo em que importávamos mais que exportávamos, e antes de vender para fora, o Brasil buscava garantir a oferta de alimentos dentro de nossas linhas territoriais.
As revoluções agrícolas do campo (da tropical, do saudoso Alysson Paolinelli ao Agro 4.0 dos dias atuais) nos elevaram a novos patamares produtivos. Os silos, agora cheios e saturados, são os expoentes uma enorme rede de produção de alimentos, combustíveis, insumos e tantos outros valores do campo, que aumentaram exponencialmente no fim do milênio passado e o início deste.
Muito antes disso, no entanto, já caminhávamos para o mercado internacional. No caso da carne de frango, por exemplo, nossos primeiros embarques foram para nações árabes em meados dos anos 70. Avançamos para novos mercados nas décadas seguintes, criamos uma marca internacional em fins de 90 e conquistamos o primeiro lugar entre os exportadores mundiais em 2004. Hoje, embarcamos produtos avícolas para mais de 150 países.
A breve síntese do parágrafo anterior esconde um processo extenuante por trás da abertura de um novo mercado. Como então Ministro da Agricultura e liderança setorial, participei ativamente da construção de dezenas destas pontes que findaram na viabilização de novas oportunidades de exportação. São estruturas com alicerces por vezes frágeis, influenciados por infindáveis fatores.
É o caso, por exemplo, das legislações. As nações são soberanas e cada país conta com seus regramentos próprios, exigências e padrões específicos, segundo suas próprias demandas. Um mercado islâmico, por exemplo, exige que preceitos religiosos sejam cumpridos (o chamado halal). Outros, como o europeu, impõem questões técnicas intangíveis – uma forma diferente de denominarmos “protecionismo”, com critérios diferentes para produtos praticamente idênticos, diferenciados, apenas, por uma pequena porção de sal.
As determinações técnicas alcançam até mesmo a infraestrutura da unidade produtora. A partir delas se estabelecem as habilitações destas plantas frigoríficas, que são realizadas por meio de missões oficiais das autoridades sanitárias dos países importadores de forma presencial ou virtual – uma enorme e complexa operação logística. Países como China, Canadá e Japão impõem este processo. Outros, como Reino Unido, Singapura e Egito, estabeleceram um modelo de confiança no sistema de inspeção sanitário brasileiro, o que chamamos de pré-listing.
Cada nação mantém especificidades para abrir as suas portas. Muitas delas, porém, resistem a esta abertura, ainda que sem bases técnicas para tanto e em descumprimento às normas estabelecidas aos signatários da Organização Mundial do Comércio (OMC). A Indonésia é um exemplo. Mesmo após o processo (ou painel, como é denominado na OMC) movido e vencido pelo Brasil, segue fechada às exportações. Da mesma forma, a Nigéria segue reprimindo a demanda de sua população por mais alimentos, e mantém fechada as suas portas a fornecedores internacionais. Em caminho diferente, a Índia se abriu tecnicamente às importações brasileiras, mas impõe tarifas que inviabilizam o comércio.
Cada mercado, grande ou pequeno, tem vida e regras próprias. E o Brasil se transformou em especialista no cumprimento dessa “estilização” regulamentaria e produtiva. A equipe liderada pelo Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em pouco menos de 14 meses, já viabilizou 89 aberturas para diversos segmentos, incluindo as proteínas animais. Nossas versatilidade e capacidade técnica construíram pontes que findaram em mais de US$ 166 bilhões em embarques, quase metade da pauta exportadora brasileira. Desenvolvemos o nosso grande talento de produzir, e contamos com a expertise necessária para expandirmos, cada vez mais, nossa presença internacional.

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