
Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
A Importância de Ser “Caminhão”
Nos últimos anos, a Receita Federal do Brasil tem reavaliado o que exatamente caracteriza um “caminhão”, diferenciando-o de outros veículos comerciais
08/11/2024 - 07:00

O entendimento, que exclui veículos com carroçaria fechada (como furgões) da definição de caminhão, gera um impacto profundo em termos de tributação e segurança jurídica, afetando diretamente o setor de transportes e logística.
Tradicionalmente, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e normas do Contran definem caminhão com base no Peso Bruto Total (PBT), classificando como caminhões os veículos de carga com PBT acima de 3,5 toneladas. Até 2020, a Receita Federal seguia essa mesma diretriz. No entanto, passou a adotar uma interpretação restritiva baseada na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI). De acordo com a visão atual da Receita, caminhões com carroçaria fechada, como os furgões, deixam de ser enquadrados como caminhões para fins tributários, ainda que cumpram o requisito do PBT acima de 3,5 toneladas.
Essa mudança de critério impacta diretamente a tributação desses veículos. Como resultado, veículos tradicionalmente classificados como caminhões agora são tributados como veículos de passeio ou comerciais leves, enfrentando alíquotas de impostos significativamente mais altas. A TIPI, utilizada como base de incidência do IPI, será aplicada também ao novo Imposto Seletivo, ampliando a carga tributária sobre veículos excluídos da categoria de caminhões, como furgões e caminhonetes.
Além do aumento de impostos, a nova interpretação ignora o Princípio da Essencialidade, previsto na Constituição, que assegura uma tributação diferenciada para produtos essenciais. Caminhões, como veículos de transporte de carga, cumprem um papel fundamental na economia e seu uso deveria estar distante de uma carga tributária similar à de veículos de passeio. Essa equiparação tributária cria insegurança jurídica e eleva os custos operacionais para empresas de transporte que dependem de veículos como furgões para operações de entrega, distribuição e logística.
O transporte rodoviário é a espinha dorsal da logística no Brasil, dada a extensão territorial do país e as deficiências de infraestrutura em muitas regiões. Veículos de carga, incluindo furgões e caminhonetes de maior porte, desempenham um papel crucial no transporte de produtos essenciais, como alimentos, medicamentos, bens de consumo e peças automotivas. Da mesma forma, ambulâncias que normalmente utilizam furgões serão impactadas, em detrimento dos orçamentos municipais. A oneração desses veículos aumenta o custo de transporte, afetando especialmente pequenas e médias empresas que dependem dessa modalidade de logística.
O impacto da redefinição da Receita é particularmente severo para transportadores autônomos e pequenas empresas de transporte, que utilizam furgões para rotas locais e regionais. Para esses profissionais, a diferenciação entre veículos de carga e veículos leves é vital para assegurar uma carga tributária condizente com a realidade de sua atividade. Ao elevar a tributação sobre veículos de carga com carroçaria fechada, a Receita impõe uma carga adicional a um segmento já desafiado economicamente, aumentando os custos com frete e pressionando a inflação.
A divergência entre a definição de caminhão adotada pela Receita Federal e aquela que prevalece em outros órgãos reguladores, como o Contran e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), gera confusão e insegurança jurídica. A legislação brasileira já possui critérios bem estabelecidos para definir caminhões, baseando-se no PBT e não no tipo de carroçaria. Essas definições são usadas em uma ampla gama de regulamentações e acordos, incluindo a política automotiva Rota 2030, a regulamentação de emissões pelo Proconve e as normas do Inmetro para segurança veicular.
A padronização da definição de caminhão é, portanto, essencial para garantir consistência e previsibilidade. Alinhar o conceito de caminhão na legislação fiscal e tributária com as definições do CTB e do Contran traria clareza ao setor de transporte e aos fabricantes de veículos. Empresas que produzem veículos comerciais no Brasil necessitam de segurança jurídica para planejar seus produtos e atender às exigências do mercado sem o risco de mudanças tributárias inesperadas.
Para resolver essa questão, é imperativo que o governo federal considere um critério único para a definição de caminhão, que seja seguido de maneira uniforme pela Receita Federal e demais órgãos reguladores. Isso eliminaria a diferenciação que a Receita vem aplicando desde 2020 e evitaria aumentos de custo que impactam toda a cadeia produtiva e de transporte. Ao harmonizar a interpretação, o governo garantiria uma aplicação mais justa do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto Seletivo, favorecendo uma política tributária que respeite o papel essencial dos caminhões na economia. Além disso, a pacificação do conceito de caminhão evitaria conflitos jurídicos desnecessários, promovendo um ambiente de negócios mais transparente e previsível para todas as partes envolvidas.
Em um cenário de reforma tributária, definir e padronizar o conceito de caminhão é um passo essencial para a modernização e justiça fiscal no Brasil. Espera-se que, com essa medida, o setor automotivo e de transporte possa operar com uma carga tributária que respeite o papel econômico dos veículos de carga e não inviabilize operações essenciais para o país.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Opinião
1
A moeda dos Brics
2
Feiras e exposições reforçam o protagonismo da pecuária paulista
3
Genes e Algoritmos: a nova engenharia do mundo
4
Política agrícola: esperando agosto
5
A transparência que devemos cultivar em Transição Energética
6
Insegurança jurídica setorial e seus reflexos na Economia e na atração de investimentos internacionais

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Opinião
Insegurança jurídica setorial e seus reflexos na Economia e na atração de investimentos internacionais
Setores como infraestrutura, energia limpa, bioeconomia e exportações também sentem os reflexos de um ambiente regulatório volátil

Marcello Brito

Opinião
A moeda dos Brics
Uma moeda comum entre os países do BRICS segue distante; o que pode evoluir são os sistemas interligados de pagamento

Welber Barral

Opinião
Feiras e exposições reforçam o protagonismo da pecuária paulista
Investimentos em genética, manejo, nutrição e bem-estar animal garantem produtos de alta qualidade para o consumo interno e para exportação

Tirso Meirelles

Opinião
Genes e Algoritmos: a nova engenharia do mundo
A convergência entre inteligência artificial e biotecnologia está transformando o mundo que conhecemos, de forma acelerada e irreversível.

Celso Moretti
Opinião
Política agrícola: esperando agosto
Depois que China, União Europeia, Japão e outros países fecharam acordos com os EUA, Brasil faz o que pode enquanto aguarda a sexta-feira

José Carlos Vaz
Opinião
A transparência que devemos cultivar em Transição Energética
Setor de biocombustíveis enfrenta dano causado por distribuidoras que não cumpriram metas de aquisição de Créditos de Descarbonização (CBIOs)

Francisco Turra
Opinião
O Brasil precisa voltar a produzir ureia – e com urgência
A vulnerabilidade na oferta de fertilizantes compromete a produtividade, eleva os custos e ameaça a competitividade do campo

Celso Moretti
Opinião
Terras raras e os interesses do Brasil
Detentor de reservas relevantes mas pouco exploradas, país precisa de estratégia para não repetir papel exportador de matérias-primas.

Welber Barral