Economia
A céu aberto: produtores de MT não têm onde guardar o milho
Estado tem estrutura para estocar menos da metade da produção; leilão da Ferrogrão, previsto para 2026, é aposta para reduzir o problema
Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com
20/08/2025 - 05:00

Em Brasnorte (MT), cerca de 60 mil sacas de milho estavam expostas a céu aberto na última semana. A estimativa é do produtor rural e presidente do Sindicato Rural local, Sandro Manosso. Segundo ele, o motivo não é apenas a falta de armazéns, mas também os gargalos logísticos que dificultam o escoamento da produção, que cresce a cada dia.
O volume de grãos ao ar livre diminuiu nesta semana, conforme apurou a reportagem do Agro Estadão com agricultores da região. Isso porque, eles mesmos têm buscado saídas, como o silo-bolsa, dando uma solução temporária que permite estocar diretamente nas propriedades rurais.
Apesar disso, a imagem dos grãos expostos ao tempo só confirma um velho problema de armazenagem no estado. Dados de um levantamento do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) revelam que a capacidade de armazenagem da safra 2024/2025 é de apenas 49,41% da produção de soja e milho, estimada em 105,89 milhões de toneladas. A defasagem é agravada pela concentração da colheita: a janela ideal para retirada dos grãos se encurtou nos últimos anos, com safras colhidas em até 30 dias, o que gera picos de oferta, sobrecarga nos armazéns e congestionamento em portos e rodovias.

O município de Brasnorte, por exemplo, produziu 296 hectares de soja nesta safra. Apesar de algumas fazendas contarem com estrutura própria, os pequenos produtores acabam dependendo de armazéns localizados a 80 quilômetros da cidade. “Recebemos, aproximadamente, 600 mil sacas de soja, milho e arroz nos armazéns da cidade. Mas, para fora, deve ter saído de três a cinco vezes mais”, estima Manosso.
“Se a gente tivesse uma logística um pouquinho melhor de escoamento de produtos, aí até os armazéns que a gente tem já não dariam tanto problema. Acho que 50% do gargalo se resolveria”, afirmou. Para ele, a dificuldade está nos embarques. “Você não consegue embarcar porque não tem logística, não tem cota em porto, é uma série de situações.”
A cultura mais impactada pelo déficit de armazenagem é o milho, segundo o Imea – já que soja costuma ocupar primeiro os espaços disponíveis nos silos. Além disso, a urgência para liberar os armazéns força o produtor a vender em momentos de menores preços.

Dificuldade de expansão
Já para Zilto Donadello, vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho) e produtor em Cláudia (MT), o problema não está apenas na estrutura existente, mas na dificuldade de expandi-la. Ele tenta, há três meses, viabilizar a construção de uma unidade de armazenagem em sua propriedade. Com o custo estimado em R$ 6 milhões, o projeto está parado porque o crédito ainda não foi liberado. “Entregamos todos os documentos, mas o banco levou 30 dias só para vistoriar a propriedade”, conta.
Donadello também critica os entraves ambientais e a burocracia para aprovar os projetos. “O processo é doloroso, imoral. Para modernizar a armazenagem, o produtor acaba esbarrando em tanta coisa que não consegue seguir. A gente chega a um ponto que pensa em desistir”, desabafa.
Déficit pode chegar a 77,5 milhões de toneladas até 2034
Ainda de acordo com o levantamento, apresentado no V Simpósio Técnico da Aprosoja, realizado no início do mês, em Cuiabá, seriam necessárias cerca de 4.080 unidades de armazéns para suprir a demanda atual do estado — um investimento estimado em R$ 53,94 bilhões.
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estima que, até 2035, somente o Mato Grosso vai precisar transportar 145 milhões de toneladas de grãos. Segundo projeções do Imea, para que a capacidade estática do estado consiga absorver toda a produção local, seria necessário um crescimento anual de 11,43% na capacidade de armazenamento, o que representa quase o triplo do crescimento médio registrado nos últimos ciclos.

Ferrogrão: alternativa ao escoamento rodoviário
Uma das principais apostas para melhorar o escoamento da produção em Mato Grosso é a Ferrogrão (EF-170), projetada para ligar o porto de Miritituba (PA) a Sinop (MT), com 933 quilômetros de extensão. O projeto, no entanto, segue judicializado. A ferrovia está paralisada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa a constitucionalidade de uma lei de 2017 que reduziu a área do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que trabalha com previsão de realizar o leilão da ferrovia em 2026, com expectativa de publicação do edital até o final do primeiro semestre. Desde 2023, os estudos foram retomados para avaliar novos traçados que não afetem terras indígenas e áreas de conservação.
Para a assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA, Elisângela Pereira Lopes, um dos principais benefícios da proposta é a redução de custo para produtores rurais da região do Mato Grosso, Pará e Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). “Um dado muito interessante mostra que, se você utiliza a Ferrogrão e o Rio Tapajós, e compara com a rota existente hoje, a redução de custos é de 40%. Então, isso é visto com bons olhos”, explicou, em entrevista ao Agro Estadão.
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
China acelera compras de carne bovina à espera de decisão sobre salvaguardas
2
Brasil deve registrar recorde histórico na exportação de gado vivo em 2025
3
Adoçado com engano: apicultores denunciam uso de ‘falso mel’ na indústria alimentícia
4
Arábia Saudita quer aumentar em 10 vezes sua produção de café
5
Oferta de etanol cresce mais rápido que consumo e acende alerta no setor
6
Soja brasileira será brutalmente atingida pelo acordo entre EUA e China?
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Economia
Unica fecha acordo com associações e eleva impasse do Consecana; Orplana vê racha no setor
Indústria sucroenergética e produtores de cana tentam chegar a um consenso sobre a revisão da metodologia do Consecana-SP desde abril
Economia
Balança comercial tem superávit de US$ 1,8 bi na 3ª semana de novembro
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, valor foi alcançado com exportações de US$ 6,939 bilhões e importações de US$ 5,139 bilhões
Economia
USDA anuncia pacote de ajuda e novas compras de soja pela China
EUA pretendem comprar até US$ 30 milhões em frutas frescas para aliviar agricultores de excedentes de produção
Economia
Decisão sobre salvaguardas da China leva tensão ao mercado da carne bovina
Pequim anuncia, nesta semana, se aplicará medidas de proteção para limitar compras externas de carne bovina
Economia
Oferta limitada de gado força Tyson Foods a desativar frigorífico no Nebraska
Processadora planeja ainda reduzir abate de sua unidade em Amarillo, Texas; Tyson perdeu mais de US$ 425 milhões com carne bovina este ano
Economia
China reduz rebanho de porcas e acende alerta no mercado
Queda no consumo leva Ministério da Agricultura da China a ajustar meta nacional do rebanho, podendo afetar a demanda por soja no país asiático
Economia
Retomada das exportações brasileiras de cacau para os EUA será gradual, afirma AIPC
Suspensão de tarifas sinaliza confiança e abre espaço para recuperação das exportações, embora contratos e logística precisem de ajuste
Economia
Investigação da Seção 301 mantém risco de novas sanções dos EUA ao Brasil; entenda
Escritório do Representante Comercial norte-americano ainda precisa deliberar sobre supostas práticas desleais de comércio praticadas pelo Brasil