Agropolítica
Aprovação do marco do licenciamento ambiental destrava logística, avalia setor agropecuário
Projeto foi aprovado nesta quarta-feira, 21, pelo Senado Federal depois de quase quatro anos; proposta retorna para a Câmara dos Deputados

Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com - Atualizada em 22/05/2025, às 17h50
21/05/2025 - 21:37

Os senadores aprovaram nesta quarta-feira, 21, o projeto de lei que cria um marco legal para o licenciamento ambiental no Brasil. A proposta tramitou no Senado Federal por quase quatro anos e, neste mês, ganhou celeridade com o entendimento entre os relatores da matéria. Na prática, o texto deixa claro que a atividade agropecuária, salvo algumas exceções (veja abaixo), não precisa fazer o licenciamento. Agora, a proposta retorna para a Câmara dos Deputados.
O projeto de lei estava sob as batutas dos senadores Tereza Cristina (PP-MS), na Comissão de Agricultura, e Confúcio Moura (MDB-RO), na Comissão de Meio Ambiente. Após meses de alinhamento, os relatores apresentaram nas respectivas comissões um relatório único. A aprovação nessas comissões ocorreu na última terça-feira, 20.
O texto tem o apoio do setor agropecuário, que, na terça, divulgou um manifesto pedindo rapidez na apreciação. Mais de 50 entidades do agronegócio assinam o manifesto. Entre elas, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Apesar de não ter um efeito direto na atividade em si, a entidade representativa avalia que a pauta é importante para destravar questões importantes na logística brasileira.
“Se dispensados do licenciamento, por que o setor está brigando tanto por isso? Porque tem ferrovias aí que estão há 25 anos sem licença ambiental. O custo de produção de frete, de transporte no Brasil é extremamente exagerado. Um produtor que está lá em Mato Grosso e aqui em Goiás, ele gasta quase 30% de tudo que produz pagando frete. Nos Estados Unidos, o custo de frete é 3%”, argumenta o consultor de Meio Ambiente da CNA, Rodrigo Justus.
Quem corrobora com essa visão é o diretor executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso, Edeon Vaz, que afirma que a legislação vai “destravar as obras que estão há anos aguardando esse procedimento”. Ele cita um exemplo prático de mudança que o projeto de lei irá resolver: “Se você tem uma terra indígena e quer construir uma rodovia, ela tem que estar a mais de 40 quilômetros da terra indígena. Essa área é chamada de buffer. Com esse projeto, essa área reduz para 13 [quilômetros]. Então, isso libera muitos projetos que estão emperrados com isso”.
Celeridade nos processos
Uma das reclamações comuns entre os empresários e do próprio poder público é a demora no processo para tirar uma licença ambiental. Dependendo do empreendimento ou obra, o órgão que licencia precisa acionar outros órgãos não diretamente relacionados. Por exemplo, no caso de uma rodovia que passa perto de uma terra indígena, também é preciso conferir com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Esses órgão são chamados de intervenientes e eles podem solicitar novos estudos ou pedidos adicionais.
Justus aponta que muitos órgãos fazem esses pedidos a “conta-gotas”. Segundo o especialista, há obras privadas e públicas que aguardam anos para ter esses encaminhamentos adicionais, já que não há um prazo legalmente previsto. O marco do licenciamento votado pelos senadores prevê o prazo de 30 dias para que órgãos intervenientes façam esses pedidos adicionais, com prorrogação de 15 dias.
Além disso, há uma “trava” também aos órgãos que licenciam, ou seja, uma vez feito o pedido de licenciamento, o órgão tem um limite de vezes para pedir novos estudos, por exemplo. “Quando você vai pedir, você comunica o que você quer e o órgão diz tudo o que você tem que fazer de uma vez só. E ele pode cobrar pendências e coisas adicionais? Pode, uma única vez. […] Bota uma trava na eternização do processo”, destaca o consultor da CNA.
Outro ponto que dá celeridade nos processos é com relação a obras que já têm impacto ambiental feito. “Hoje, se o DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] quiser fazer acostamento numa rodovia, ele tem que fazer todo o licenciamento ambiental. Tem que fazer o EVTEA, tem que fazer o Eia-Rima, tem que fazer todo o processo. Agora, já não vai ser mais necessário. Por quê? Porque o impacto já foi causado. Fazer um acostamento a mais ou a menos não vai mudar o impacto que a estrada já causou”, exemplifica o diretor do Movimento Pró-Logística.
O que projeto do licenciamento ambiental prevê para o produtor rural?
O projeto de lei traz um artigo específico para tratar da agropecuária e o licenciamento ambiental. Basicamente, esse dispositivo estabelece quais atividades e empreendimentos não precisarão do licenciamento. São quatro:
- atividades de cultivo agrícola, temporárias, semiperenes e perene;.
- pecuária extensiva e semi-intensiva;
- pecuária intensiva de pequeno porte.
- pesquisas agropecuárias que não têm risco biológico e com autorização prévia dos órgãos competentes.
“Existe um conjunto de regras tão grande para todas as coisas, inclusive para o lixo, para o combustível na propriedade, que não tem o que ser regulado por licenciamento, porque tudo já está regulado por normas esparsas. E nenhum país do mundo licencia a agricultura. Por quê? Porque todo ano pode ser diferente. Eu posso estar criando cabrito e ano que vem eu resolver plantar soja”, comenta Justus.
No caso da pecuária intensiva de médio porte, está previsto um licenciamento feito de forma simplificada, por adesão e compromisso. Já a pecuária intensiva de grande porte terá que seguir o trâmite normal do licenciamento ambiental dos demais empreendimentos.
O especialista da CNA ainda ressalta que obras dentro da propriedade rural que precisam de licenciamento não estão incluídas nesse desenquadramento. Isso quer dizer que, dependendo da obra e do tipo de armazém, por exemplo, será necessário fazer o processo. Outro caso é das barragens em algum curso d’água dentro da propriedade. A proposta legislativa também não retira a responsabilidade do agricultor de solicitar a autorização de supressão de vegetação nativa nos casos de desmatamento legal.
No caso das granjas, elas se enquadram dentro da pecuária intensiva ou semi-intensiva. O tamanho do empreendimento (pequeno, médio e grande portes) será definido pelo estado ou pelo município. “Lá em Santa Catarina, [uma granja com] cem mil frangos é considerada pequeno porte, porque você tem uma imensidão de gente lá que tem um milhão de frangos”, explicou.
Atividades vão evoluir com rapidez, afirma Aprosoja
A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) avalia como positiva a aprovação no Senado. Segundo o presidente da entidade, Maurício Buffon, o projeto simplifica, tanto para a agropecuária quanto para outros segmentos econômicos, aquelas atividades que não trazem impacto ambiental.
“Lembrando que muitas atividades vão ser autodeclaratórias. Então, você já tem toda uma legislação ambiental, que hoje é muito rígida para ser cumprida, e você vai ter que cumprir se autodeclarando. Se não cumprir, vai estar infringindo a lei, da mesma forma. O que esse projeto traz é agilidade, rapidez, para que as atividades econômicas consigam evoluir também com mais rapidez”, afirma.
Perguntado sobre como a Aprosoja avalia o equilíbrio entre a simplificação das regras e a preservação da imagem internacional do agronegócio brasileiro, especialmente diante de pressões por sustentabilidade, Buffon acredita que isso vai depender de uma união de esforços. “Se falamos a verdade, mostrar que as leis brasileiras referentes ao desmatamento não se alteram, que as reservas legais serão mantidas, nada será mudado”, diz.
Ministério do Meio Ambiente vê retrocesso
A avaliação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é de que o texto aprovado no Senado representa um retrocesso. Ao Agro Estadão, o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, André Lima, indicou preocupação com o avanço da matéria.
“Com certeza não é um texto bom para o meio ambiente, muito pelo contrário, é um texto muito ruim. Realmente é um texto que desestrutura o sistema nacional de meio ambiente a pretexto de simplificar e modernizar ele. E o problema é que além dos vários pontos problemáticos do texto, o maior problema é o conjunto da obra, é o efeito, vamos dizer assim, sinérgico desses vários problemas”, afirmou Lima.
Ele considera que há pelo menos nove pontos críticos no projeto de lei. Um deles é com relação ao Conama e aos conselhos estaduais de meio ambiente. Na análise dele, o texto retira o “caráter normativo e deliberativo para os temas de avaliação de impactos ambientais e licenciamento ambiental”.
Outro ponto que causa restrições para a pasta são as Licenças por Adesão e Compromisso (LAC), que poderá ser feito através de um formulário. Segundo Lima, obras como as barragens de Brumadinho ou de Mariana seriam consideradas de médio porte e médio impacto ambiental. Com isso, elas poderiam se licenciar com uma LAC. Além disso, ele também argumenta que o texto elimina os chamados impactos indiretos de grandes obras dos processos de licenciamento.
“Por exemplo, uma nova estrada em uma área ecologicamente sensível abre caminho para ocupações irregulares, desmatamentos ilegais, incêndios florestais, grilagem de territórios indígenas e de populações tradicionais, garimpo, exploração madeireira predatória que deixarão de ser considerados nas análises para emissão das licenças ambientais”, comentou.
Especificamente sobre a agropecuária, Lima avalia que “dependendo do porte e da região”, os impactos ambientais de determinadas intervenções podem ser graves. Ele cita o exemplo de propriedades que têm 15 mil a 20 mil hectares de área para ser desmatada e que utilizam a técnica do correntão para fazer essa supressão.
“Tem vários impactos, além do uso de agrotóxicos, o desmatamento, a disponibilidade hídrica, a biodiversidade, tudo isso, dependendo do tamanho do empreendimento, deveria ser melhor analisado e medidas preventivas, mitigadoras dos impactos, precisam ser adotadas. A partir da dispensa do licenciamento ambiental, praticamente nada vai ser exigido de grandes empreendimentos agropecuários em todo o Brasil”, completou o secretário

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