Experimentos demonstraram desempenho de matéria seca até 91% maior e que a dissolução do composto evita reaplicação de nutrientes
No Instituto de Química da USP de São Carlos (IQSC), é por meio do vidro que os pesquisadores enxergam um futuro sustentável para o agronegócio. Não apenas porque a transparência do material permite visualizar o que está do outro lado, mas porque o vidro tem se tornado protagonista como um fornecedor de nutrientes para as lavouras.
A universidade mantém um grupo que trabalha com materiais vítreos desde 2018, sob coordenação do professor Danilo Manzani. Mas as criações que saem dali não são de vidros comuns — desses que se instalam nas janelas —, cuja matéria-prima é o óxido de silício. “A ideia da pesquisa surgiu a partir de uma inquietação: será que a gente conseguiria produzir um vidro à base de fosfatos, para usar como fertilizante?”, conta Manzani.
A resposta foi sendo construída aos poucos. Primeiro, foi preciso inserir no composto todos os macro e micronutrientes importantes para o desenvolvimento vegetal. Logo veio o primeiro desafio: incorporar o nitrogênio. “Como a fabricação dos vidros depende de temperaturas de 900 a 1200 graus, o nitrogênio vai embora nessas condições. Ele se volatiliza”, afirma Manzani.
O problema começou a ser resolvido com a chegada ao grupo de José Hermeson da Silva Soares, que, no mestrado, trabalhou com hidrogéis — polímeros capazes de armazenar água e outros fluidos, e que, por serem produzidos em temperatura ambiente, podem receber ureia, fonte de nitrogênio. “Dessa forma, a gente tem os principais nutrientes para as plantas: fósforo e potássio no vidro e nitrogênio na cápsula de hidrogel que usamos para envolver o vidro”, explica Manzani.
Os testes do fertilizante de vidro foram feitos em parceria com outros pesquisadores. Entre eles, Eduardo Bellini, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos (EESC), Alberto Bernardi e Ana Rita de Araújo Nogueira, da Embrapa Pecuária Sudeste, e Dânia Mazzeo, da UFSCar, campus de Araras.
A planta-alvo foi uma braquiária, o capim Piatã, que teve o crescimento comparado em estufas: uma parte recebeu o material encapsulado com hidrogel e outra não. Segundo Silva, o capim também foi experimentado em diferentes tipos de solos — arenoso, de textura média e argiloso. As amostras que receberam o vidro tiveram rendimento médio 70% superior em matéria seca, com pico de 93,71% em solo argiloso. “É absurdamente alta a eficiência agronômica”, afirma Silva.
Outra etapa das pesquisas incluiu testes de solubilidade. Partículas do fertilizante de vidro foram expostas pelos pesquisadores em água pura e também em uma solução-tampão de citrato, com o intuito de simular o pH do solo. Eles observaram que a dissolução ocorre mais lentamente na água (167 horas) do que no tampão (134) — permitindo, segundo Silva, que o tempo possa ser ajustado de maneira personalizada, conforme as condições específicas de cada solo e cultura, garantindo uma nutrição mais eficiente e sustentável.
Silva fez graduação em Química pela Universidade Estadual do Ceará, onde já participava de estudos para transformar biodiesel que era descartado em hidrogel. “Ele [hidrogel] tem uma grande importância para a agricultura. Uma das principais aplicações dele é visando a liberação de água [para as culturas] de maneira controlada”.
Durante a pandemia de Covid-19, conheceu o professor Danilo Manzani, com o qual iniciou um diálogo sobre como usar o nitrogênio para complementar as propriedades do vidro. Foram quase três anos de dedicação até a obtenção dos primeiros resultados.
Agora no doutorado, Silva pretende aprofundar as análises para observar como esse fertilizante de vidro pode impactar a microbiota do solo. “São estudos muito novos para a área. Algumas descobertas também. Por exemplo: muito se falava que o vidro não era tóxico para as plantas, mas não se tinha uma prova. Com a pesquisa, conseguimos comprovar isso”, declara o doutorando.
Após o vidro ser aplicado no solo, a dissolução dele é lenta, evitando a necessidade de reaplicação de NPK, como é comum acontecer na produção agrícola. O composto vai se desmanchando e liberando os nutrientes.
Manzani explica que desenvolver soluções agrícolas em vidro não é inédito. Apesar de raros, existem registros na literatura científica. Mas o encapsulamento com hidrogel é totalmente novo.
Os próximos passos, conforme o professor, são testar o material em condições reais de cultivo e diminuir os custos de produção, para que ele chegue ao mercado de maneira acessível aos agricultores. O objetivo é ajudar a suprir a demanda de fertilizantes no Brasil, já que cerca de 90% do volume utilizado pelos produtores nacionais é importado.
“Temos reservas de rochas fosfáticas, mas pouco se extrai delas. Por isso, precisamos desenvolver alternativas, já que a produção agrícola continuará se expandindo”, conclui Manzani.