Consulta pública do Plano Clima de mitigação recebeu cerca de 2 mil sugestões de mudanças; agro contesta peso desproporcional ao setor
Secretários de diferentes pastas do governo federal reconheceram que a proposta colocada em consulta pública para o Plano Clima tem alguns problemas. Os representantes do Executivo também admitiram que podem rever alguns pontos a partir dos apontamentos feitos na consulta pública. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) havia criticado o plano setorial para a agricultura e pecuária, classificando como uma “autossabotagem”.
O Plano Clima faz parte da Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009. Basicamente, é um plano de ação para cumprir com as obrigações firmadas no Acordo de Paris. Essa nova versão do Plano Clima traz as metas brasileiras com o horizonte de 2024 até 2035. Além disso, é dividido em duas partes: Plano Clima de mitigação e o Plano Clima de adaptação. Cada eixo tem planos setoriais com objetivos para cada parte da economia. A discussão atual é sobre o Plano Clima de mitigação da agricultura e pecuária.
Um dos questionamentos do setor é com relação às emissões de gases do efeito estufa (GEE) atribuídas à agropecuária brasileira. O Plano Clima contabiliza as emissões da atividade em si, como a aplicação de adubos e a criação de gado, mas também inclui o desmatamento na conta do setor, tanto legal e como o ilegal. Com base nos dados de 2022 do Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, a estimativa apontada no plano é de que 70% das emissões de Uso da Terra, Mudança do Uso da Terra e Florestas (LULUCF, sigla em inglês) sejam relacionadas ao setor.
Em audiência pública nesta quarta-feira, 27, a explicação dada pelo secretário adjunto III de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Adriano Shantiago, é de que a junção (agropecuária e desmatamento) facilitaria o acompanhamento das ações. “A proposta do governo é tratar da responsabilidade de emissões setoriais de uma perspectiva diferente para o monitoramento de políticas públicas. Não tem nada juridicamente vinculante em um nível nacional”, disse. Mesmo assim, ele ainda reconheceu que pode haver riscos para a imagem do setor.
No entanto, o chefe de Relações Internacionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Marcelo Morandi, disse que isso implica em um peso desproporcional ao setor, refletindo em obrigações que não são de responsabilidade da parte agropecuária. “A gente atribuiu para o setor agropecuário o controle de algo que não está na gestão do setor agropecuário fazê-lo enquanto política pública. Quem tem a gestão sobre autorização ou não de desmatamento legal ou fiscalização e controle de desmatamento ilegal, não são os ministérios ligados ao setor agropecuário”, afirmou.
Um dos destaques feitos por quase todos os participantes foi a necessidade de melhorar a forma de calcular o impacto positivo que o setor tem com a captura de carbono. O Plano Clima leva em consideração essa remoção, mas os valores são avaliados como baixos por ainda não ter um cálculo mais preciso sobre isso. Enquanto aspectos da atividade agropecuária emitem cerca de 643 milhões de toneladas de CO² equivalente, o plano contabiliza apenas 63 milhões de toneladas de CO² equivalente em atividades de recuperação de pastagem e reflorestamento, por exemplo.
“Essa é uma questão que a gente tem ciência e concorda de que o nosso inventário [nacional de emissões], essa medição de emissões, não dá conta da realidade da dinâmica do setor agropecuário. Deixa de reconhecer, ou faz de forma limitada, esses esforços de sistemas integrados, recuperação de pastagens e mesmo de remoção pela vegetação nativa na área privada. Tem um melhoramento a ser feito”, indicou o secretário Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Aloisio Melo.
Segundo o governo, já está em andamento uma revisão na metodologia de cálculo do inventário. Dentro do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), foi criado no ano passado o Grupo Técnico de Inventário. A intenção é aprimorar a metodologia do inventário, já que os números de lá refletem nas metas do Plano Clima. Porém, o governo não apresentou uma data de quando essas revisão deve ser concluída.
Outro ponto de atenção colocado pelo setor é que o plano setorial coloca como objetivo o fim do desmatamento legal. A proposta de texto do Executivo também traz que é importante haver mecanismos capazes de remunerar os produtores rurais a manterem intactas áreas que poderiam ser desmatadas legalmente. Porém, o questionamento da bancada ruralista é sobre a efetividade desses instrumentos, que ainda estão engatinhando no país.
“Eu tenho escutado muito que nós não vamos mais desmatar a partir de 2030. Tá bom, mas o que nós vamos oferecer para o produtor rural que pode desmatar legalmente?”, indagou a senadora e vice-presidente da FPA, Tereza Cristina (PP-MS).
O representante do Ministério do Meio Ambiente disse que a pasta tem trabalhado em um pacote de medidas remuneratórias. “[Estamos vendo] Como a gente cria uma estratégia que efetivamente entregue na forma de incentivo o reconhecimento do valor das florestas, seja na agenda climática, como manutenção e remoção de estoques de carbono, seja para os outros benefícios”, destacou Melo.
Ele ainda apresentou os incentivos econômicos e financeiros que a pasta vem buscando formalizar dentro do Plano Clima: